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A QUEM INTERESSA UM NOVO CÓDIGO COMERCIAL?

Tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Lei que propõem a instituição de um novo Código Comercial. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.º 1572/2011 (“PL 1572/2011”) conta com 670 artigos, disciplinando as mais variadas matérias. Já o Projeto de Lei n.º 487/2013 (“PL 487/2013”) é ainda mais amplo: com 1.102 artigos, este projeto, a pretexto de regular o direito comercial, acaba interferindo em diversas outras áreas do Direito, nem sempre primando pela boa técnica.

Em plena “era da descodificação”, na expressão de Natalino Irti, cumpre desde logo indagar sobre a real necessidade de um Código Comercial tão amplo como os projetos propostos, regulando (a depender de qual Projeto estamos falando) desde o empresário individual e o direito societário, passando pela escrituração e contabilidade, direito das obrigações e contratos em espécie, comércio eletrônico, agronegócio, títulos de crédito, direito marítimo e direito falimentar, até chegar ao processo empresarial.

Diante da realidade do mundo dos negócios, extremamente complexa e dinâmica, faz realmente sentido regular as mais diversas matérias de uma determinada área do conhecimento em um Código totalizante? A resposta intuitiva é não. Por mais que se possa defender a noção de Código, tal posição resta extremamente fragilizada quando o ramo do direito tratado é o direito comercial, mutável e flexível por natureza e, assim, avesso à rigidez; e nem a autonomia do direito comercial e a sua principiologia própria justificam a existência de um Código Comercial – até porque a autonomia científica passa longe da autonomia legislativa, a qual pode, muitas vezes (e aqui parece ser justamente o caso), ser enquadrada como verdadeiro fetichismo jurídico. E não é pelo fato de que a Constituição Federal, no art. 22, I, arrolar o direito comercial como ramo autônomo que se torna necessária a promulgação de um Código Comercial. A disciplina é autônoma, independentemente da existência de um Código.

Assim, muito mais coerente seria trabalharmos com leis especiais que regrassem, de modo detalhado e sistemático, as mais diversas matérias e questões cuja revisão se faz necessária. Mais: o fato de grande parte da matéria comercial estar, atualmente, disciplinada no Código Civil e em leis esparsas não é, automaticamente, causa de insegurança jurídica ou de tratamento assistemático. O maior exemplo é a Lei das S.A. (Lei 6.404/76): trata-se de lei especial muito bem elaborada e elogiada por todos, e tanto isso é verdade que o próprio PL 487/2013 assim reconhece ao não regrar as sociedades por ações, ao passo que o PL 1572/2011, por sua vez, na tentativa de normatizar determinados aspectos de tal espécie societária, se tornou alvo das mais justas e ferozes críticas.


Continua...