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Sustentabilidade

POTENCIAIS EFEITOS DA TAXONOMIA EUROPEIA NO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL

Recentemente fui convidado pelo Laboratório de Inovação Financeira (LAB) para uma conversa sobre os potenciais impactos da taxonomia da União Europeia do lado de cá do atlântico. A rodada foi muito produtiva e nos organizamos na Resultante para trazer tais reflexões a esse espaço. Muito vem se falando sobre investimentos temáticos nas suas variadas formas, inclusive no âmbito da Revista RI, com a experiência de diversos colegas de profissão. O desafio atual é sobre determinar padrões e regras de enquadramento para tais operações.

O termo taxonomia deriva da biologia como a ciência ou técnica de classificação, conforme sugere o dicionário Aurélio, e é nessa orientação que avança a legislação europeia para fins de dar maior clareza nas regras para definir o que consiste em um investimento ou negócio “verde”. Isso ocorre em várias jurisdições pelo mundo, como China, Japão, Malásia e Marrocos, entretanto a que vem sendo faseadamente desenvolvida pela União Europeia é a principal referência global por conta da maturidade do mercado, pela quantidade de países abrangidos e por se estabelecer com força de lei.

Aqui, busquei organizar uma narrativa democrática e transversal, que pode ser interpretada de maneira angular por diferentes públicos. Sobretudo, o que trago são percepções dos diversos profissionais da Resultante que estão na linha de frente em projetos com empresas, bancos, investidores e organismos multilaterais. As considerações aqui presentes não são exaustivas e devem ser assimiladas levando em conta que o mercado, agentes e padrões estão em implementação e constante evolução.

De cara, vale dizer que a "régua é alta". Os critérios de classificação desencadeiam ajustes de processo por parte dos atores envolvidos na cadeia de investimentos, inclusive consultores e assessores de investimentos, além de um pilar relevante relativo a dever fiduciário e uma demanda por maior transparência de todos, principalmente empresas e gestores.

Segregando essa reflexão entre efeitos diretos e indiretos, começaremos pelos primeiros:

Operações offshore estão diretamente sujeitas à legislação de taxonomia - Em uma ligeira amostra, o Valor Econômico publicou, em maio deste ano, matéria que contabilizava cerca de 183 fundos brasileiros que investem em outros fundos em Luxemburgo, além dos offshore que são sediados ali ou em outros países da União Europeia. Adicionalmente, investidores brasileiros com ativos no mercado europeu devem conhecer as regras se quiserem melhor avaliar suas companhias investidas.

Políticas internas de instituições financeiras com atuação global - A Associação Brasileira de Bancos Internacionais possui 77 associados com atuação relevante nos mercados de investimento e crédito no Brasil. Muito embora o Banco Central venha se posicionado fortemente em relação aos temas sociais, ambientais e climáticos no Brasil, tais instituições seguem cumulativamente as diretrizes internacionais de suas matrizes sobre atuação e reporte de informações, o que, indiretamente, pressiona seus clientes e investidas a se enquadrarem em tais parâmetros. Para se ter uma ideia, em 2017 – dado mais recente disponível - a agência Fitch Ratings publicou um estudo em que a fatia de receitas por serviços dos 10 maiores bancos internacionais no Brasil representava R$4,7 bilhões.

Empresas brasileiras que são investidas de europeus- Em agosto deste ano, a B3 informou que apesar da onda de retirada de R$7 bilhões de capital estrangeiro da bolsa brasileira em julho, o saldo anual (2021) ainda estava positivo em R$41 bilhões. No mesmo racional do tópico anterior, tais investidores em sua grande parte estão sujeitos a taxonomias, em especial a europeia e, portanto, também esperam de suas empresas investidas que ofereçam informações dentro dos padrões determinados. Certamente isso varia de setor para setor.

Partindo para o exercício de tropicalização e vislumbrando impactos indiretos, afinal estamos fora da jurisdição da taxonomia, partimos de algumas premissas que devem ser vistas como desafios, e, parte deles, estão em um estudo publicado pelo Laboratório de Inovação Financeira (LAB) "Taxonomia em Finanças Sustentáveis: Panorama e Realidade Nacional":

d. O mercado financeiro possui uma variedade muito grande de instrumentos financeiros com diferentes finalidades de uso de recursos, prazos, lastros, garantias e regras de enquadramento por parte da CVM, uma finalidade única e precisa por parte de uma taxonomia é improvável;
e. Temos, no Brasil, um mercado de capitais que embora vasto quando comparado com os demais países da América do Sul, é, ainda, pequeno e, portanto, restrito em comparação com outros mercados mais desenvolvidos como o europeu e o norte-americano em número de empresas, investidores, prestadores de serviço e cobertura de informações disponíveis, com dificuldades em relação às bases de dados tanto públicas quanto privadas que integrem os vários setores econômicos e propósitos com confiabilidade e comparabilidade;
f. Temos estruturalmente desafios econômicos e sociais que vão além dos aspectos ambientais considerados pela taxonomia europeia. Isso se reflete na materialidade dos aspectos de sustentabilidade aplicados a cada região;
g. Temos que ter atenção quanto a setores potencialmente excluídos em taxonomias binárias para não desfavorecer a adoção de tecnologias e demais condições de transição sustentável. Somos um país em desenvolvimento com acesso sensível a tecnologias de ponta e a lógica sustentável não deve prejudicar as empresas brasileiras em relação à competitividade;
h. No caso de implementar tais diretrizes por aqui, temos que buscar a convergência das diversas taxonomias nos blindando de dificuldades e conflitos de entendimento entre os mercados, para não afetar fluxos de recursos financeiros. Somo alvos de investimento, somos investidores, exportadores e importadores.

Apresentados os desafios, retomo à reflexão sobre os seis impactos indiretos mapeados que a taxonomia pode gerar em nosso mercado:

A Taxonomia EU como referência para a construção de frameworks privados ou para autorregulação - Os principais bancos possuem frameworks para marcação de operações verdes em suas carteiras e para auxiliar as equipes a gerar negócios socioambientais e climáticos. Nessa linha, diversas instituições assumiram metas de participação de operações carimbadas ESG em suas carteiras, que levam em consideração operações de crédito bancário e operações de mercado de capitais. Ainda, a Febraban apresentou, em 2020, sua taxonomia verde em uma visão setorial, mas que considera em sua essência os processos de gestão de risco dessas operações. Isso é bem importante por conta da regulação que já temos no país sobre risco social, ambiental e climático. Para o desenho de novos frameworks e atualização dos já existentes, é natural que instituições e associações recorram a experiências de sucesso e certamente a taxonomia UE será uma influência relevante. Como reforço, um destaque importante: o fato de um setor estar enquadrado como economia verde, não elimina os riscos socioambientais inerentes à sua operação. Pensemos no caso do setor de saneamento, por exemplo, ou geração de energia limpa, como notamos geração de energia elétrica por fonte hidrelétrica ou eólica, em alguns frameworks por exemplo.

Os padrões de relato em sustentabilidade mais utilizados são internacionais - As principais metodologias de relato utilizadas são SASB (americano) e GRI (holandês) passam constantemente por atualizações, que naturalmente “bebem da fonte” da taxonomia e suas demandas. Avaliamos que à medida que os parâmetros da taxonomia avancem, esse movimento se torne recorrente em novos protocolos de transparência. Por consequência, surgem outros desafios como aqueles encarados pelas empresas de asseguração e auditoria, que passam não só pela veracidade das informações e as premissas base desses dados, mas também avaliam a qualidade da materialidade selecionada.

Desaceleração do crescimento de ativos carimbados - Estudo publicado a cada 2 anos pela Global Sustainable Investment Alliance monitora os investimentos compreendidos como sustentáveis, segregando cada estratégia de investimento responsável, foi atualizado em 2021 (base 2020) e aponta que 36% do total de ativos sob gestão são investimentos sustentáveis. Entretanto, o curioso é que de 2016 para 2018 a taxa de crescimento foi 5,5%, e de 2018 para 2020 foi de apenas 2,5%. Quando isolamos esse dado por região, os Estados Unidos tiveram 42% de crescimento no último período, Japão 34% e Europa teve uma queda de 13%, causada justamente por conta da legislação e dos padrões mais rigorosos que se estabelecem, conforme o próprio estudo sugere. Metodologicamente a comparação realizada exige cautela, além de ser importante reforçar que isso não reflete o interesse dos investidores sobre ativos sustentáveis, mas aponta uma tendência quanto ao volume. Se refletirmos sobre o cenário brasileiro, podemos esperar um comportamento similar no médio e longo prazo. Ponto de atenção para as instituições que estão assumindo metas públicas, esse fator precisa ser considerado. Outro aspecto na mesma direção sobre crescimento de ativos carimbados é que temos ouvido de alguns colegas de mercado que com a erupção de fundos e abordagens ESG, podemos enfrentar um desafio de demanda, ou seja, de encontrar projetos e ativos a serem investidos. Primeiro, porque o economics continua sendo importante (antes de existir um “green bond”, precisa existir um bond). Segundo, porque quanto maior a oferta de capital e produtos rotulados, mais filtros existirão e, portanto, aumentará a dificuldade de encontrar projetos disponíveis para receber tais investimentos.

Taxonomias, no geral, atendem uma necessidade inicial de convergência conceitual, mas não todas - Algumas conversas serão mais difíceis, não quero propor polêmicas ou impor entendimentos particulares, mas certas discussões passam por aspectos que não são puramente técnicos em relação a meio ambiente, clima ou ciências sociais. Deve ocorrer mais de uma emissão de SLB (sustainability-linked bonds) em mercados de capitais com metas iguais ou essencialmente similares, por uma mesma empresa? Nesse mesmo sentido, ainda no caso do SLB, níveis de esforço devem ser avaliados com a mesma régua para empresas de portes, maturidades de gestão, tecnologias ou setor de atuação diferentes?

Além disso, a convergência e o estabelecimento de padrões tendem a diminuir a dependência de agentes especializados de SPOs, por exemplo. Se discutimos de maneira contundente riscos de transição - como são chamadas as perdas relativas a mudanças políticas e legais, incertezas de inovações tecnológicas, risco de mercado e de percepção dos stakeholders – será cada vez mais necessária uma análise técnica mais qualificada na avaliação de novas tecnologias. Muito provavelmente nunca teremos uma receita pronta e carimbada para todos os dilemas e questões.

Pensando na maturidade que deve ser atingida pelo mercado, tão importante quanto dizer o que é ESG/Sustentável/Verde, também é o entendimento de diretrizes sobre o que NÃO deve receber essa nomenclatura. Caso contrário a criatividade do mercado pode ser perversa.

Caminhando para a conclusão, o anseio geral segue presente: teremos uma taxonomia no Brasil? Não me cabe cravar uma opinião sobre isso, principalmente se elevarmos a nível de legislação, como feita na União Europeia congregando vários países e mercado. Também é arriscado falar sobre a velocidade em que isso ocorreria, mas o horizonte aponta para um caminho aparentemente sem volta. Temos movimentos autorregulatórios relevantes no Brasil como os da Febraban e Anbima, por exemplo. Já está ocorrendo um cuidado muito relevante em relação a nomenclaturas e regras de enquadramento, o que oferece maior comparabilidade, menor exposição a risco reputacional (causado pelo famoso greenwashing) e maior segurança jurídica. A sustentabilidade e o movimento ESG não terão uma bala de prata, não devemos perder a atenção a cada caso. É natural que os reguladores do mercado financeiro e de capitais tenham cuidados em relação a esses aspectos. As regras e orientações não podem comprometer a eficiência, resiliência e a competitividade dos mercados e atores.

Falando em atores, a taxonomia não vem sozinha. A reboque traz um conjunto de outros aspectos como maior quantidade de profissionais envolvidos no tema, cada vez mais capacitados. Isso se conjuga com o apelo a investidores e concedentes de crédito em se manifestarem de forma mais proativa sobre seus apetites, dando maior clareza sobre quais temas ou tipos de ativo estão dispostos a investir.

Bruno Youssif
é COO e sócio fundador da Resultante ESG.
bruno.youssif@resultante.com.br 


Continua...