Em Pauta

EM DEBATE: CÓDIGO UNIFICADO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

A adoção de um Código unificado de Governança Corporativa pelas companhias abertas brasileiras encontra poucas vozes dissonantes. Porém, o “conteúdo” do Código, cuja elaboração está sendo discutida pelo “GT” Interagentes (Grupo de Trabalho Interagentes), que reúne 11 entidades do mercado, está cercado de divergências. O grupo tem optado por não tornar público o que está em discussão, nem as divergências, nem as convergências. O que tem vazado é que existem 50 pontos convergentes e que entre as divergências mais relevantes estão práticas como o princípio de uma ação um voto e o modelo aplique ou explique.

O GT tem se reunido mensalmente e a proposta final do Código será entregue para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no fim de junho próximo. Embora pelo acordo firmado entre os membros do GT, as práticas contidas no código devam ser consensuais, o documento que será entregue para a CVM identificará também aquelas que não obtiveram consenso, além de apresentar as justificativas para as posições divergentes.

Segundo comunicado divulgado pelo GT, o objetivo é permitir que a própria CVM avalie a melhor forma de tratar temas mais sensíveis do código, uma vez que pretende torná-lo instrumento de regulação. O GT é integrado pelo IBGC, ABRASCA, ABRAPP, AMEC, ABVCAP, BM&FBOVESPA, APIMEC, IBRI, IBMEC, ANBIMA, BRAIN e tem a CVM e o BNDES como entidades observadoras.

O grupo também conta com o suporte institucional de uma equipe do Banco Mundial que, na reunião realizada em abril último, teria recomendado mais foco na discussão, conforme fontes do mercado.

De acordo com Angela Donaggio, professora da FGV Direito SP, nos últimos anos a adoção de códigos unificados de Governança tem sido frequente em diversos países. Para o mercado brasileiro, a unificação será positiva porque vai dar mais visibilidade às companhias brasileiras, facilitando a avaliação delas pelos investidores estrangeiros. Por isso, observa, o código unificado deveria ser o mais exigente possível para mostrar o que o país entende por boas práticas de Governança Corporativa. ”As empresas deveriam incentivar o código único e não o contrário”, ressalta.

A professora, porém, se diz cética quanto à possibilidade das entidades que integram o GT chegarem a um consenso. ”A busca do consenso pode levar ao que já tem aí e nosso mercado não vai evoluir”, alerta. Diz ainda que se o regulador (CVM) vai dar a última palavra não se deveria perder tanto tempo em discussões. Todos os códigos unificados em vigor no mercado internacional surgiram pelas mãos do regulador estatal, acrescenta.

Estimular o crescimento

Para Ana Paula Candeloro, professora de governança corporativa do Insper, o esforço de padronização de práticas de governança para as companhias abertas é meritório, sobretudo agora que o país perdeu o grau de investimento. Vai sinalizar para o investidor um esforço para estimular o crescimento do mercado de capitais. Mas a professora faz uma ressalva importante: se o padrão do código não for elevado não conseguirá atingir esse objetivo.

“Não pode ser um código com padrões mínimos baixos. Precisa ser elevado, mesmo considerado que as empresas não sejam iguais”, diz ela. Além disso, para ser convincente para o mercado internacional, o código precisa abraçar o que mais de ponta está acontecendo. “Precisa tratar de coisas inovadoras como utilização de redes e mídias sociais, e diversidade de gênero nos conselhos, inserção da sustentabilidade transversalmente na estratégia da empresa, compliance, avaliação de performance de conselheiros e executivos”.

Também precisa ser muito efetivo em mostrar para as companhias que ele é um bem maior e o que elas ganham com isso, acrescenta a professora. “Essa mensagem é importante para a empresa. A empresa precisa desapegar de questões pessoais e de poder e pensar no bem maior”.

Marcelo Mesquita, diretor da Leblon Equities, avalia que o peso e a responsabilidade da proposta do código unificado aumentam na medida em que muitas entidades apoiam o mesmo documento, o que é bom para o mercado. Mas afirma ser importante que o documento final seja simples, focado nos temas realmente mais relevantes.

“O código deve ser “apenas” um norte para a evolução da cultura corporativa. O perigo destas coisas no Brasil é sempre tentar logo transformar em leis estas questões de cultura. Você pode levar o cavalo ao lago mas não o forçar a beber água. Precisamos mais de uma “constituição americana” do que uma “constituição de 88”, ressalta o investidor.

Em relação a discussão e o consenso buscada para a elaboração do novo código, Mesquisa afirma que o importante é que todas estas entidades criem um processo para a evolução deste documento no tempo. “Talvez um comprometimento de revisão a cada dois ou três anos, por exemplo. O consenso tem que ser um processo vivo, dinâmico, que evolui”, propõe.

Na avaliação de Camila Araújo, sócia da área de consultoria em gestão de risco e líder do centro de governança corporativa da Deloitte, a unificação é positiva. O código único vai levar o Brasil para o patamar dos países desenvolvidos (nessa área), afirma.

Para Bruce Mescher, sócio da área de auditoria da Deloitte, a unificação vai eliminar sobreposições e é bom para os investidores. Hoje é comum eles perguntarem qual o Código está sendo seguido para avaliar a empresa, observa o auditor.

Na mão inversa, referindo-se a adoção de um código unificado, Ruy Flaks Schneider, da Schneider & Cia, observa que tem dúvidas quanto aquilo que é único, o paradigma, o dono da verdade. Para ele, um código de governança tem que estar baseado em dois pilares: conduta e informação. “Boas práticas estão vinculadas à cultura da sociedade. O que é preciso é estimular o crescimento do mercado de capitais”, afirma.

Diabo nos detalhes

Um dos desafios do código é ter maior foco e não se deixar embarcar em detalhes, de acordo com o presidente da Abrasca, Antonio Castro, para quem o mais relevante do código único é ser um marco de melhoria da governança no mercado. “Sabemos que é difícil um consenso já que o grupo reúne 11 entidades. O diabo mora no detalhes”, alerta.

A Abrasca chegou a enviar carta ao grupo dizendo que sairia do GT, caso as decisões em relação ao Código não fossem tomadas por consenso, argumentando que esta cláusula de decisão adotada pelo GT estaria ameaçada, mas voltou atrás após a última reunião do grupo.

Entre as práticas com mais dificuldade de consenso está a que se refere ao princípio de uma ação um voto. Segundo pesquisa realizada pela Abrasca, o item foi rejeitado por 73% dos entrevistados. A pesquisa também mostrou que 55% das companhias associadas considera que o valor criado com a adoção de um código único é inferior ao custo de conformidade e que 73 % entendem que a adoção do código deva ser voluntária.

Na prática, o princípio de uma ação um voto significaria que as empresas que negociem apenas ações da classe ON (ordinárias, que dão direito a voto) exibem padrão mais elevado de governança. A Abrasca não concorda e a questão voltou, inclusive, a ser discutida em mercados desenvolvidos onde já era aplicado. A Bolsa de Nova York, a primeira a exigir a negociação apenas de ações com direito de voto, já permite a negociação de ouras classes de ações.

Segundo Castro, as relações com investidores têm mostrado que eles não tem preconceito contra ações preferenciais (que não dão direito de voto). Por isso, acabar com esta classe de ações não faz sentido; o investidor prefere liquidez e na bolsa brasileira as preferenciais são as ações que têm a maior liquidez, observa.

Para Schneider, o princípio uma ação um voto não deve constar do código unificado, porque pode acarretar um engessamento. O investidor não é obrigado a comprar ação e cabe a ele escolher se votar é muito importante. “Posso gostar de uma empresa, do setor e porque não investir nela se ela tiver um histórico interessante, se me dá a informação que preciso”.

Conforme o auditor da Deloitte, a questão sobre se o direito de voto deva ser proporcional ao investimento voltou a ser discutida no mundo inteiro. Mescher observa que a estrutura de capital não pode ser simplificada e deve depender da motivação dos investidores que também são válidas e podem ser diferentes de uma ação um voto. Na França, por exemplo, os votos de investidores de longo prazo podem ter mais peso que sua proporcionalidade no capital.

Pratique, explique, fiscalize

A adoção do modelo pratique ou explique para o código unificado também tem sido alvo de polêmica. Para Mescher, o modelo pode criar estigma daquelas empresas que explicam. O auditor também observa que o monitoramento do novo código vai ser fundamental. “Sem cobrança o código pode não sair do papel”.

Para Ângela Donaggio, da FGV Direito SP, esse modelo vai demandar mais pesquisa pela mídia especializada, academia e associações de investidores para que as explicações das companhias possam ser de fato avaliadas e se distinga o que é verdade e o que é mera replicação da legislação. “As companhias brasileiras deveriam apoiar o modelo porque permite flexibilidade.”

Ana Paula Candeloro também ressalta que o modelo exige maior esforço de monitoramento e fiscalização. Vai demandar mais supervisão da CVM e em intervalos mais reduzidos. “Um comando tem que ser seguido de monitoramento com punições claras e rigorosas”.

Para especialistas em Governança algumas práticas não podem ficar fora do código. Uma delas é em relação a controles internos e gerenciamento de riscos. Ana Paula diz que, em geral, os conselhos hoje não tratam desses temas e eles precisam fazer parte de métricas para avaliar os conselhos. “Existe uma fragilidade nos controles internos e na administração de risco que tem sido o denominador comum dos vários escândalos ocorridos no mercado de capitais.”

Os outros temas que não podem faltar no código referem-se a divulgação da remuneração de executivos e conselheiros, acordos de acionistas, diversidade de gênero, tipo de relatório que a companhia deve entregar para o mercado e sua periodicidade.

Schneider conta que o que mais lhe causa desconforto hoje no mercado é a questão dos acordos de acionistas, que não são totalmente abertos. “Quero conhecer o acordo”. Conflito entre controladores pode afetar o preço das ações. “O código deveria prever que se a empresa venha por qualquer razão estabelecer acordos de acionistas ele será do conhecimento de todos os acionistas”, propõe.

Para Mesquita é importante que a Bolsa, CVM, entidades do mercado trabalhem para facilitar e simplificar a compreensão do que acontece nas empresas investidas. O investidor poropõe por exemplo a adoção de Ratings públicos de Governança para as empresas, bancados talvez pela bolsa de valores (ou alguém, independente). “Assim você permite que investidores com poucos recursos consigam avaliar rapidamente no que estão se metendo”, avalia.


Continua...