Em Pauta

NOVA ONDA DE IPOs: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

Mal o novo governo assumiu e o mercado financeiro aprofundou seu otimismo. Nos primeiros 21 dias do ano, o Ibovespa avançou 9,24%, para o recorde acima de 96 mil pontos e, segundo especialistas, esta é apenas uma demonstração sobre o que vai acontecer. Há muito espaço para que novos recordes sejam quebrados mês a mês. Este movimento abre a oportunidade para que empresas desengavetem seus IPOs e obtenham recursos para novos projetos. No entanto, não é tão simples assim e alguns fatores podem fazer que o recorde de aberturas de capital fique para 2020, ano que poderá até se equiparar à 2007.

Projeções dão conta de que o número de ofertas este ano poderá ser multiplicado por 10 ou mais em relação à 2018 (estimativa da B3). Contudo, por mais que pareça um forte aumento, é preciso lembrar que a quantidade de IPOs foi pífia no ano passado: apenas três. Na lista para este ano encontra-se companhias como Tivit, Neoenergia, Smartfit, Quero-Quero, Austral, Agibank, Ri Happy, Banrisul Cartões e da seguradora da CEF, entre outras. Algumas destas operações estavam previstas para 2018 e foram prejudicadas pelas incertezas no processo eleitoral e turbulências externas. “Tem um grupo de empresas que tentaram IPO ano passado e ano retrasado e que estão hibernando. Estas vão abrir o capital muito mais rápido, podendo ainda ser este ano. Os bancos estão em cima para fazer a captação, mas na minha avaliação, eu não sei se é a hora porque ainda tem dever de casa para as empresas fazerem”, explica Leonardo Leal Teixeira, co-fundador da BlackWall, empresa independente de assessoria em Operações Estruturadas para captação de Recursos Financeiros, Real Estate, M&A, Private Equity e Infraestrutura.

É fato que haverá uma geração de riqueza elevada este ano. Segundo os cálculos do especialista em ações da Levante, Eduardo Guimarães, os ganhos podem atingir R$ 1,66 trilhões até dezembro de 2019. Ele enumera cinco fatores que levarão a este movimento: a volta do crescimento da economia, a guinada para a doutrina liberal, as privatizações, maior lucratividade das empresas, e o aumento do fluxo de capitais para o mercado acionário.

Apesar da breve recuperação que se iniciou em 2017, o nível de renda variável nos fundos ainda está bem abaixo da média da última década (apenas 6,3% do total) e ficou mais difícil ganhar dinheiro investindo apenas em títulos do Tesouro ou CDBs de bancos. “Há ainda muito dinheiro para migrar da renda fixa para as ações no mercado de fundos de investimentos. Minha percepção é que ele vai pelo menos dobrar e o resultado desse movimento é uma clássica relação de oferta e demanda”, afirma Guimarães. Segundo a Anbima, a indústria de fundos de investimentos fechou 2018 com um patrimônio R$ 4,6 trilhões em 2018, o que corresponde a mais de 60% do PIB.

Além dos dados macroeconômicos, a projeção de Guimarães está baseada no índice Ibovespa ajustado pela inflação (IPCA). “Ao avaliar este indicador é possível perceber que o índice precisa subir 56,75% para igualar o mesmo desempenho de dez anos atrás. No dia 31 de dezembro de 2018, o Ibovespa estava 87.887 pontos e o valor de mercado de todas as empresas que compõem o índice era de R$ 2,924 trilhões. Com a expectativa de alta de 56,75% para voltar ao nível do primeiro semestre de 2008, o índice deve atingir 138.764 pontos. E esse movimento elevará o valor de mercado das companhias abertas para R$ 4,58 trilhões.

O maior incentivo para o retorno ao mercado é que acabou o conforto de ganhar dinheiro sem esforço algum. “Fazendo um paralelo com cinco ou dez anos atrás, você tinha um cenário de taxa de juros de 13% a 15% ao ano e não existia qualquer estímulo para sair da renda fixa. Hoje, com os juros orbitando em 6% mais ou menos ao ano, acabou o conforto e segurança com rentabilidade alta. Abre-se espaço para as novas modalidades de investimento, que de novas não tem nada. O investidor que quiser obter uma rentabilidade um pouco melhor que essa, precisa ser mais criativo e assumir, eventualmente, mais riscos”, diz Alexandre Costa Rangel, advogado especializado em mercado de capitais, sócio do Costa Rangel Advogados e que atuou na CVM e no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

Enquanto o movimento atual de valorização do Ibovespa está atrelado ao mercado interno, as ofertas de ações, sejam IPOs ou Follow-ons dependem também do retorno dos estrangeiros. Segundo dados da B3, a participação dos estrangeiros nos primeiros dias do ano ficou ao redor de 23%, bem abaixo da média histórica. O motivo? O chamado otimismo cauteloso. “Acredito que o volume de IPOs cresça, embora com alguma cautela, pois é preciso aguardar os 100 dias de governo. Noto que há sim um otimismo por parte das empresas e investidores com relação a operações de mercado. Haverá aumento do mercado de IPOs e Follow-ons. É difícil que se equipare a 2007, mas haverá crescimento em relação aos anos anteriores”, diz Eliana Chimenti, sócia da área de Mercado de Capitais da Machado Meyer Advogados.

Para Rangel, a perspectiva para o mercado parece positiva, caso não haja uma ruptura institucional, política ou algo do gênero. “Até agora não tivemos elementos para suspeitar do contrário e a taxa de juros vai continuar nesses patamares mínimos históricos o que é um diferencial. Então, presumindo que os pilares serão mantidos, a poupança tende migrar para elementos mais rentáveis e o mercado de capitais desempenha um papel fundamental nessa dinâmica”, defende. Sua perspectiva envolve toda a indústria de fundos de investimento, a indústria de crédito privado, representada pelas debêntures, CRIs e os CRAs e notas promissórias. “A atividade economicamente produtiva do país passa a ter o mercado de capitais muito próximo para obter financiamento”, complementa.

Descasamento
As empresas brasileiras sofreram muito com a crise, o que provocou o aumento do grau de alavancagem, enquanto as receitas caíram por conta da redução do consumo, o endividamento subiu. Além disso, muitas exibem um grau de ociosidade elevado e, por isso, devem adiar novos investimentos. “Ainda tenho um pouco de dúvidas se este será um ano em que os IPOs virão com tanta força porque as empresas, em geral, estão alavancadas e com custos altos. O ano de 2019 deve ser de saneamento”, avalia Teixeira, que aposta mais em 2020.
A situação das empresas durante a crise fez com que os fundos de investimento de crédito estressado, vulgo abutres, se destacassem em crescimento nos últimos anos. “Chegou uma hora em que as empresas estavam tão alavancadas que não conseguiram crédito no banco por ter alguma restrição. Por isso precisaram ir atrás destes fundos para poder vender ativos, participação societária etc, em troca de um dinheiro para sanar a empresa”, diz Teixeira.

O especialista explica que, no momento, há um descasamento de expectativas. “Nosso escritório em Londres está sempre em contato com investidores estrangeiros e o que percebemos é que há muita vontade de pôr dinheiro no Brasil, porém as precificações, muitas vezes, não vão corresponder ao que os acionistas das empresas acham que ela vale hoje porque elas foram muito prejudicadas nos últimos anos”, observa. Segundo Eliana, não é incomum no mercado que haja um descasamento de expectativas entre o que os acionistas controladores buscam e a forma como os investidores enxergam a companhia. “Esse distanciamento é parte do processo de captação”, destaca.

Para o sócio da BlackWall o crescimento de operações estruturadas, debêntures, private equity será maior do que abertura de capital, cujo custo é alto. “Os estrangeiros querem entrar aqui com sócios locais (privates). Esta é uma captação de recursos que tem a melhor possibilidade de acontecer. O grande problema é o preço. Uma vez que se ache o preço, essa é a forma mais disponível no mercado. Quando se faz uma operação private entra uma pessoa na empresa e o risco é controlado pelo fundo. Além deste mercado, se destacarão as operações de renda fixa”, diz.

Até meados de 2018, a alavancagem das empresas que buscavam o alongamento da dívida movimentou grande parte das captações no mercado de renda fixa (debêntures e notas promissórias). Segundo dados da Anbima, as ofertas de renda fixa dominaram o mercado de capitais no Brasil em 2018: do total de R$ 223,7 bilhões em emissões no ano, R$ 199,6 bilhões foram nessa modalidade (89%). O destaque na renda fixa foi das debêntures: mais de 300 operações com esses títulos somaram R$ 140 bilhões no ano – recorde para a série histórica da Anbima, iniciada em 2002. E a perspectiva é que, em 2019, novo recorde aconteça.

Bovespa Mais ou menos?
Muitas empresas brasileiras buscaram o mercado de acesso da B3, o chamado Bovespa Mais. No entanto, apesar dos custos elevados de manter a companhia neste segmento, poucas conseguiram captar e, somente uma, entrou no Novo Mercado, o que leva à pergunta: por que não está dando certo? “Há uma deficiência do mercado brasileiro de dar acesso às pequenas e médias empresas. Quando foi criado o Bovespa Mais, o discurso era o seguinte: a empresa ainda não está preparada para o IPO, mas fará uma espécie de estágio para entrar no mercado. Só que este ensaio exigia um percentual muito grande de pré-requisitos que as empresas não estavam preparadas para atender. Na época, eu trabalhava em banco e ficamos dois anos visitando as empresas para apresentar o Bovespa Mais. Fizemos a listagem de uma empresa e foi um parto conseguir. Há uma complexidade para médias empresas ou grandes com perfil familiar”, conta Teixeira.

Na avaliação de Rangel, por mais simplificado que seja, ingressar no Bovespa Mais ainda é um processo extremamente burocrático, lento e caro. “Tenho dúvidas se nosso mercado está tão preparado”. Segundo o especialista o custo de captação no Bovespa mais é muito elevado e, portanto, talvez seja uma opção Z para as empresas. “Não é algo simples e automático como foi a ideia inicial”, diz.

Ele lembra que há a possibilidade da empresa poder lançar mão da oferta 476 de esforços restritos. Se a oferta for limitada e restrita a determinado número de investidores e não seja anunciada na mídia, a CVM autoriza a oferta antes de passar pela área técnica. “É uma espécie de delegação regulatória. A oferta é apresentada para 75 potenciais investidores e no máximo 50 podem comprar o ativo. A empresa tem que ser assessorada por uma instituição financeira como coordenadora líder. O que eu vejo é uma tentativa do regulador de flexibilizar a regra”, comenta.

A atratividade do Bovespa Mais vai depender da postura da própria B3 no sentido de buscar simplificar os processos como uma forma de tornar mais atrativo o mercado de acesso. “A percepção que a gente tem é que muitas empresas ainda enxergam que a listagem via Bovespa Mais é um procedimento burocrático e caro, mas a Bolsa vem trabalhando para amenizar este fato e isso vai influenciar a quantidade de ofertas lá fora. A maior ou menor atratividade de ofertas lá fora vai depender de como a Bolsa vai evoluir, analisa Eliana.

A advogada acrescenta que nas ofertas registradas na CVM (Instrução 400), há a exigência de um volume de documentos muito grande com informações que se repetem. “Talvez valesse pensar numa forma de simplificar esse processo como um todo. Essa é uma tendência que pode ajudar esse movimento de mercado em busca de captação. A questão é diminuir a burocracia e reduzir custos. São dois pilares para o desenvolvimento do mercado acesso”.

Concorrência
Diante do processo burocrático do mercado interno e da falta de liquidez, empresas brasileiras, principalmente do setor de tecnologia, têm buscado o mercado americano (Nasdaq e Nyse), como Netshoes, PagSeguro, Arco Educação e Stone. Fabiane Goldstein, sócia da InspIR Group, consultoria que assessorou algumas destas operações, explica que as empresas que buscam o mercado americano pensam em posicionamento: elas não querem se identificar apenas como uma empresa brasileira, mas como players regionais da América Latina. Ao abrir capital no mercado americano, a empresa se torna internacionalizada, porém isso não quer dizer que ela passe a expandir suas operações lá.

“Algumas empresas preferem listar no mercado americano porque querem ser comparáveis a outras empresas deste mesmo setor que são listadas lá, independendo de onde atuam, principalmente as de tecnologia”, destaca. Ela explica que o mercado americano de tecnologia tem uma cobertura muito grande nos EUA. “Há uma diversidade de analistas que conhece e cobre o setor. Então existe uma amplitude de investidores que só olham o setor de tecnologia e isso um facilitador para as estas empresas e torna a liquidez muito maior”, afirma.

A segunda questão é de histórico de crescimento da empresa. Como hoje o mercado de capitais é muito globalizado muitas que nasceram há pouco tempo, já fizeram o seu financiamento de crescimento através de private equities americanos. Quando isso acontece, o caminho natural é abrir capital é no mercado americano.

Choque Liberal
Assim como Paulo Guedes defende o liberalismo econômico, o mercado de capitais brasileiro deve fazer o mesmo para se desenvolver. “É preciso aproveitar esta onda, claro que com todo cuidado e estudando o impacto regulatório e repensando a visão atual”, avalia Rangel. A CVM reserva determinados investimentos ao chamado investidor qualificado, com mais de R$ 1 milhão em ativos financeiros, ou profissional com mais de R$ 10 milhões nestes ativos. “Isso, delimita o acesso a determinados ativos que são facilmente explicáveis com respectivos riscos e retornos, prazo de validade para resgate. O entendimento é que quem tem mais de R$ 1 milhão em ativos financeiros não é capaz de entender os riscos do investimento. Assim, mesmo que a pessoa entenda do produto e do mercado, é impedida de investir”.

Buscar novos produtos faz parte do amadurecimento da mudança cultural da população brasileira, que precisa enxergar o mercado de capitais como algo mais acessível, mais claro, mais seguro. “A cultura no Brasil ainda está arraigada em imóvel e poupança, por conta do medo de perder e falta de entendimento. Tem pessoas que não investem no mercado porque não acreditam, mesmo tendo alta renda. A partir do momento que o mercado começa a ser mais aberto, acaba recebendo a poupança popular de forma mais democrática”, defende Rangel.

Para o advogado, o mercado de capitais tem muito espaço para que a opinião pessoal do indivíduo passe a prevalecer sobre a presunção do estado em geral ou da regulação que, muitas vezes de forma equivocada limita o acesso a diversos produtos que podem servir ao investidor. “São arriscados, mas com perspectiva de rentabilidade muito boa e bem maior do que a dos produtos oferecidos no varejo, em geral. Então é percorrer o caminho mais coerente”, avalia.

Quando se fala de um mercado de capitais mais robusto, se está defendendo a entrada de poupança popular, o que passa pela educação financeira. “Estamos olhando para frente e olhar para frente é perceber que a poupança pública estará cada vez mais disponível para a diversificação. Não faz sentido deixar o dinheiro na poupança e tampouco em CDB”, diz Rangel.

Eliana ressalva que a CVM está no seu papel de proteger o pequeno investidor. “Quando há menos informações, caso das ofertas com esforços restritos, o ideal é que fiquem limitadas a pessoas com conhecimento de mercado, mas quando se abre as opções de investimento para todos, também se consegue um crescimento do mercado. A própria CVM ao longo do tempo flexibilizou regras de investimentos em fundos, por exemplo. Essa é outra tendência: o liberalismo no mercado”.

O que pensa a NYSE

A Revista RI fez três perguntas à Alex Ibrahim, executivo da área de mercados internacionais da New York Stock Exchange - NYSE, a mais importante bolsa do mundo.

RI: O que motivou empresas brasileiras a abrirem capital no mercado americano, em vez de na bolsa de valores local?

Alex Ibrahim: Embora as empresas tenham a opção de listar em bolsas locais, as razões pelas quais as brasileiras optam por listar nos EUA e na NYSE são duas. Em primeiro lugar, os EUA oferecem a maior concentração de liquidez, com uma base de investidores extremamente experiente. Este é um grande benefício para as empresas, à medida que buscam conscientizar suas marcas e inovações para levantar capital. Em segundo lugar, a NYSE é o principal local de listagem global. Em 2018, concluímos o ano com US$ 125 bilhões em recursos captados de 356 transações. Em um ano marcado pela elevada volatilidade nos mercados acionários dos EUA, os emissores da NYSE arrecadaram US$ 30 bilhões em recursos de 73 IPOs, 25 dos quais eram de empresas fora dos EUA. A NYSE continua sendo a única bolsa global a oferecer um modelo de mercado que combina tecnologia de ponta com análise e prestação de contas para fornecer qualidade de mercado superior para às empresas listadas. Esse modelo único de mercado resultou em um histórico de execuções impecáveis e um nível de proteção não disponível em qualquer outra bolsa do mundo. Isto é particularmente importante para os IPOs, onde o primeiro negócio público para uma nova empresa é crítico e você tem apenas uma oportunidade para acertar. Olhando de forma mais ampla, o modelo de mercado da NYSE oferece desempenho superior durante transações complexas, motivo pelo qual executamos os últimos 25 IPOs consecutivos levantando US$ 1 bilhão ou mais, incluindo um dos maiores IPOs de tecnologia do ano passado, como o da PagSeguro.

RI: Quais são as projeções para as IPOs de empresas brasileiras na NYSE e como a mudança na política econômica brasileira influencia essa tendência?

Alex Ibrahim: Antecipamos mais um ano forte para IPOs de empresas brasileiras. Todo mercado vê uma desaceleração nos IPOs em momentos de incerteza, o que pode ser causado por vários fatores - de razões políticas e econômicas à volatilidade do mercado. Agora que a eleição presidencial no Brasil está concluída, estamos vendo a volta da confiança no mercado. Uma das evidências é o forte interesse entre as empresas privadas no país de irem a público. Além disso, durante os últimos meses, a oportunidade de investimento voltou a entrar no mercado, à medida que a liquidez nas companhias abertas brasileiras aumentou - todos os sinais são positivos.

RI: As empresas de tecnologia são as mais interessadas no mercado americano? Quais outros setores se destacarão?

Alex Ibrahim: O Brasil está se tornando cada vez mais um mercado-chave para a inovação tecnológica, e com o novo ministro de Ciência e Tecnologia do país, prevemos que mais empresas chegarão ao mercado nos próximos anos para levantar capital e poderem se desenvolver e oferecer novas soluções nesta área da próxima geração, como inteligência artificial, segurança cibernética e a Internet das Coisas. Além disso, estamos vendo atração em outros setores, como infraestrutura, consumo e finanças.


Continua...