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BITRIBUTAÇÃO EUA X BRASIL: POSSÍVEIS EFEITOS NAS COMPANHIAS E NOS NEGÓCIOS ENTRE OS PAÍSES

Já faz muitos anos que as empresas brasileiras e americanas esperam pela assinatura de um acordo para evitar a dupla tributação entre o Brasil e os EUA (“Tratado”) que, infelizmente, não parece ter perspectiva de acontecer, pelo menos não no curto prazo.

No entanto, o Brasil deveria sim acelerar as negociações para a assinatura de um Tratado. Isto porque, a partir de 2022, com a entrada em vigor nos EUA de nova legislação sobre o crédito de imposto de renda pago pelas empresas americanas em outros países (“foreign tax credit” - “FTC”), o imposto de renda retido na fonte (“IRFonte”) no Brasil não poderá ser creditado nos EUA.

Com isso, o IRFonte se torna mais um custo para a realização de negócios por empresas americanas com empresas brasileiras, sendo muito provável que as essas últimas tenham que arcar com esse custo adicional.

Segundo a legislação proposta, que poderá entrar em vigor em 2023, a empresa americana somente pode tomar o FTC quando a legislação do país que efetuou a retenção de imposto seja similar à legislação americana, no sentido de assegurar que apenas os rendimentos que sejam originários de atividades desenvolvidas num determinado país – ou seja, que tenham nexo econômico com esse país – possam se sujeitar à cobrança do IRFonte.

No caso brasileiro, muito embora a legislação tributária estabeleça a incidência de IRFonte quando se tratar de “fonte” brasileira, a legislação não define o conceito de fonte, de tal maneira que, poder-se-ia interpretar que rendimentos pagos por fontes brasileiras estariam sujeitos ao IRFonte no Brasil, independentemente de onde ocorreram as atividades econômicas que geraram o direito a esses rendimentos.

Assim, em uma situação em que, por exemplo, há a exploração em diversos países da América do Sul por uma empresa brasileira de uma marca americana, o IRFonte brasileiro poderia incidir sobre o total dos rendimentos de royalties pelo uso de marca auferidos pela empresa americana dona da marca, e não apenas sobre os royalties correspondentes à exploração da marca no Brasil.

Repise-se: a legislação americana sobre FTC, que, em princípio, entrará em vigor em 2023, exige, para o creditamento nos EUA de IRFonte retido em outro país, que a legislação desse país vincule a incidência de IRFonte somente sobre os rendimentos de atividades econômicas exercidas no respectivo território. Uma vez que a legislação brasileira não adota esse nexo econômico para estabelecer se há ou não IRFonte brasileiro, limitando-se a utilizar a expressão “provenientes de fontes situadas no País” sem estabelecer um conceito de fonte, a legislação brasileira não atende ao critério estabelecido pela legislação americana em comento.

Logo, a partir de 2023, as empresas americanas que fizerem negócios com empresas brasileiras e, por conta disso, auferirem rendimentos sujeitos ao IRFonte brasileiro, não poderão mais tomar crédito desse IRFonte para abater do imposto de renda corporativo americano, gerando, efetivamente, uma dupla tributação (ou bitributação). Caso o Brasil dispusesse de Tratado em vigor com os EUA, o crédito de imposto estaria assegurado nesse documento e, assim, os EUA não poderiam negá-lo.

Quais os possíveis impactos da bitributação nos negócios entre companhias brasileiras e empresas americanas?
Para ficar claro o impacto da bitributação dos negócios entre companhias brasileiras e empresas americanas, tomemos, por exemplo, uma empresa brasileira (“BRA”) que contrata uma empresa americana (“USCO”) para prestar serviços. Esses serviços são executados nos EUA, ou seja, o exercício da atividade econômica em favor da BRA ocorre em território americano, e não no Brasil.

Nessa situação, de acordo com a legislação americana que entrará em vigor em 2023, a legislação brasileira não poderia estabelecer a tributação por IRFonte sobre os pagamentos de serviços, eis que esses foram prestados em território americano. No entanto, de acordo com a legislação brasileira, como o contratante dos serviços foi a empresa brasileira, e o que gerou os rendimentos foi a prestação de serviços para a empresa brasileira, esta seria a “fonte situada no País” e, assim, os pagamentos por serviços prestados pela USCO estão sujeitos ao IRFonte brasileiro.

Imaginemos que a USCO tem a receber, por esses serviços, USD 1 milhão. No caso, a BRA, ao efetuar o pagamento, faria a retenção de IRFonte correspondente a 15% (USD 150 mil), e faria a remessa da diferença (USD 850 mil) para a USCO. A USCO, por sua vez, que esperava receber o valor total de USD 1 milhão (parte em dinheiro e parte em crédito de IRFonte a compensar com o imposto de renda americano), recebe apenas USD 850 mil, e sobre isso tem que pagar o imposto corporativo em seu país. Considerando que o imposto de renda federal nos EUA é de 21%, a USCO disporia, após o pagamento desse imposto, apenas de USD 671 mil, já que teve que arcar com o custo do IRFonte brasileiro e do imposto de renda americano.

Por outro lado, no próximo negócio que a USCO for fazer com a BRA ou outra empresa brasileira, a USCO, provavelmente, irá exigir que o valor a ser remetido pela BRA não seja de USD 850 mil, mas sim, do valor total de USD 1 milhão. Com isso, o custo para a BRA irá aumentar, na medida em que a BRA terá que arcar com o IRFonte.

Para que a BRA remeta o valor líquido de USD 1 milhão, a BRA terá que reter IRFonte sobre uma base aumentada, de tal maneira que, após a dedução desse tributo, o valor remissível seja de USD 1 milhão. Assim, ao invés dos serviços prestados pela USCO custarem USD 1 milhão para a BRA, passarão a custar 17,47% mais (USD 1.176.470,00), de tal maneira que, o valor líquido de 15% de IRFonte seja de USD 1 milhão.

Portanto, se a bitributação efetivamente entrar em vigor em 2023, é provável que as companhias tenham que considerar em seus balanços um aumento de custos e despesas com os negócios realizados com empresas americanas, cujos rendimentos estejam sujeitos ao IRFonte brasileiro.


Ana Claudia Akie Utumi
é sócia no UTUMI Advogados.
ana.utumi@utumilaw.com


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