Entrevista

RACHEL MAIA, UMA GAROTA DESTEMIDA

Filha de seu Antonio e dona Maria - e mãe orgulhosa de Sarah Maria e Pedro Antonio, Rachel Maia, 52 anos, é sem dúvida uma “fearless girl”, uma “garota destemida”. Formada em Ciências Contábeis pela FMU com MBA pela FGV, além de vários cursos internacionais, enquanto CEO negra representava menos de 1% dos CEOs do Brasil. Com uma vida executiva inspiradora, com passagens por grandes empresas, sempre em posições-chave, como na Tiffany & Co., onde foi CFO e CEO para o Brasil. Depois, liderou a expansão e o crescimento da marca dinamarquesa de jóias Pandora como CEO, tendo sido também CEO da Lacoste Brasil.

Hoje, Rachel Maia tem várias frentes de atuação: é fundadora e CEO da RM Consulting, consultoria que tem foco no “S” do ESG e em liderança, membro de vários Conselhos de Administração e outros colegiados importantes, palestrante, se dedica a projetos sociais e, recentemente, foi eleita Presidente do Board da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Acompanhe a seguir, a entrevista exclusiva com essa linda garota-mulher-destemida.

RI: O mundo corporativo já passou por várias fases. Teve o momento em que nos diziam para separar o lado pessoal do profissional, para “deixar os problemas de casa em casa”. A pandemia mexeu com essa lógica. No início do seu livro, “Meu caminho até a cadeira número 1”, da GloboLivros, que falaremos em detalhes mais adiante, você diz que entendeu que não dá para falar da executiva sem falar da filha, da mãe e da mulher. Explica para nós de onde veio esse entendimento e como você lida com todas essas esferas ao mesmo tempo? 

Rachel Maia: Bom, antes da “Rachel CEO”, há uma mulher aqui, que vive o medo, a alegria, que se preocupa, que chora, que é forte, que é humana. Essa mulher que é filha e leva consigo os ensinamentos do pai que ensinou que os estudos e a preparação são primordiais, e eu o honro e o saúdo por isso. Uma mulher que tem a mãe como inspiração e referência, e é por ela que vejo o quanto a coragem e a sensibilidade que podem ser vistos, por muitos, como antagonistas, me levaram a caminhos antes nunca sonhados. E há também essa mulher que é mãe. Os meus filhos, Sarah Maria e Pedro Antônio, são os meus maiores desafios, por quem me movimento, recalculo a rota e para quem tenho, com urgência, impulsionado um futuro melhor, diverso, humano. Antes da executiva, eu sou a ancestralidade ainda em vida dos meus.

RI: Como foi se sentar na cadeira “número 1” de empresas tão importantes e emblemáticas como Tiffany & Co, Pandora e Lacoste? Quais os seus principais sentimentos e aprendizados?

Rachel Maia: Não há dúvidas de que foram momentos primordiais para minha trajetória profissional e pessoal. Quando olho para trás, sinto orgulho dos acertos, tentativas e erros. Eu cresci muito, me desenvolvi e contribuí de forma efetiva e urgente. E não poderia deixar de ressaltar a importância da educação para que eu trilhasse esse caminho. Gosto sempre de dizer que conhecimento é poder e que, por sua vez, abre portas, mesmo no meu caso, sem “um semelhante” do lado. Acho importante desmistificar o glamour e destacar o peso do pioneirismo, de não ter outras como eu. Sinto que recalculei algumas rotas e pude quebrar o status quo. Hoje, o propósito é que outras mulheres negras possam ocupar cargos de destaque e estar nas tomadas de decisão. E eu, enquanto conselheira, consultora e facilitadora, tenho um compromisso com novas potências que estão chegando.

RI: Você é porta-voz e uma batalhadora pela agenda da Diversidade. Em que estágio estamos na real promoção da DEI - Diversidade, Equidade e Inclusão nas empresas brasileiras? O que já conquistamos olhando, por exemplo, para cinco anos atrás e no que precisamos avançar?

Rachel Maia: Creio que a passos curtos as coisas estão mudando. Em nível global, eu ainda sou a única mulher negra a ocupar a presidência de grandes empresas, e isso reflete muito nosso atual momento. Obviamente, hoje, temos uma vasta gama de grupos de afinidades, programas com vagas afirmativas e políticas públicas, trainees com ênfase em raça e gênero. No entanto, ainda é necessária a revisão desses espaços. Não é apenas abrir as portas, mas, sim, gerar oportunidades efetivas de permanência, fundamentar planos de carreira contínuos, investir em cursos e desenvolvimento dos profissionais e, principalmente, que haja um olhar para além da base, para que possam ocupar cargos de liderança também. Ainda há o grande equívoco de colocar apenas uma única pessoa para representar o todo, como se não fôssemos diferentes, como se não partíssemos de contextos distintos. E, se há diferenças, devemos ter a diversidade, equidade e inclusão como critério de relevância das organizações, para além do quadro ou como o hype do momento.

RI: Qual sua opinião sobre a recente medida anunciada pela CVM, proposta pela B3, para aumentar a diversidade em Conselhos e Diretorias estatutárias? É por aí o caminho para avançarmos no tema das altas lideranças, ou seja, por regulação e autorregulação?

Rachel Maia: Acredito que a medida da B3 é um caminho positivo, que dará aberturas reais para as políticas de diversidade e inclusão, de forma horizontal, contínua e efetiva. Enquanto Conselheira e também mulher, com todas as minhas intersecções, almejo e destaco a necessidade de ter mais de nós nas tomadas de decisões estatutárias. E isso só vai ser possível quando as pessoas e organizações passarem a ver as diferenças não como um atraso, mas como um avanço em nível social e global. Acredito que a regulação é uma questão necessária, pois é preciso que a diversidade chegue nessa camada.

RI: Você foi eleita em abril último, presidente do Board da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, cargo que eu também já tive a honra de ocupar. O que te motivou a concorrer a essa posição e qual a sua visão de futuro à frente do colegiado que orienta estrategicamente uma iniciativa tão vencedora como o Pacto Global Brasil?

Rachel Maia: Me candidatei à presidência com o propósito de elevar as políticas de ESG e impulsionar essa mensagem às empresas privadas que têm um compromisso direto com as pautas de governança ambiental, social e corporativa. Não é de hoje que estou nessa jornada para que possamos ser signatários e, à frente do Pacto, minha missão é que possamos elaborar uma postura e responsabilidade estratégica.

RI: Atuando como Conselheira de Administração de várias organizações, como você avalia o atual estágio dos Conselhos de Administração no trato das questões ESG? Elas estão mesmo sendo discutidas no mais alto nível de governança corporativa?

Rachel Maia: Os Conselhos, hoje, têm um papel importante e fundamental no debate acerca das políticas ESG, uma vez que sem esse olhar novos aportes dificilmente sairão do papel. Como conselheira, me coloco à disposição para que sempre estejamos alinhados com o mais alto índice da governança corporativa e, isto inclui, muitas vezes, dar alguns passos para trás para que se possa ver o macro e suas demandas, de forma geral e efetiva.

RI: Como nasceu a ideia do seu livro “Meu caminho até a cadeira número 1”, da GloboLivros, e como foi a experiência de compartilhar publicamente seus passos, lições e reflexões?

Rachel Maia: Costumo dizer que eu não poderia falar do ponto de chegada sem contar a história da mulher que sou hoje. Sem revisitar o meu mapa afetivo e me reconectar com a minha trajetória. Meu caminho até a cadeira “número 1” é muito forte, pois não é só a vida da “Rachel CEO”, executiva e empresária, tem também ancestralidade, minha família, meus medos, alegrias e vitórias. O meu “eu” sem todos os status, ainda que façam parte de quem eu sou. Foi muito importante e potencializador escrevê-lo em primeira pessoa, em uma sociedade onde mulheres negras são silenciadas e invisibilizadas. Ter esse poder de fala, de escrita e de me colocar como a protagonista que sou foi um marco!

RI: Como você se sentiu quando ouviu essa frase, narrada no seu livro: “O trabalho foi muito bem executado, nem parece de uma mulher”. O que fazer ouvindo algo assim e seguir?

Rachel Maia: Vivi na pele o reflexo do machismo. Enquanto mulher e negra, dois marcadores fortes e que, infelizmente, vão ditar como algumas coisas vão ser direcionadas, tenho que, a todo tempo, reafirmar a minha competência. Veja, eu estive à frente de empresas onde eu era a única mulher, eu precisava ser cirúrgica, eu precisava me colocar em uma posição combativa, muitas vezes. Ao mesmo tempo que me coloco nesta posição com mulheres, de compartilhar sobre políticas de diversidade e inclusão, também o faço com homens que querem aprender a serem mais inclusivos com as mulheres, pois isso é algo cultural e é preciso exercitar.

RI: Destaquei 4 frases do seu livro e gostaria que você as comentasse:

1) “O universo é muito maior do que o nosso ego, que necessita de cuidado.”Rachel Maia: O nosso ego pode ser também nosso inimigo e é necessário o tempo todo revisitar a nossa origem, nosso ponto de partida, para que não nos percamos durante a jornada.

2) “Quem não se arrisca, não falha.”
Rachel Maia: Eu me considero uma mulher corajosa e acredito que muito disso vem da minha mãe. Sabe a frase “Vai com medo mesmo”? Pois então, a uso com muita frequência. Não tenho medo da falha, mas sim de não me arriscar, de não tentar sair da caixa. E a lição por trás disso é que o caminho pode ser potencializador, mesmo que não seja o resultado esperado. A gente ganha muito por arriscar.

3) “Um problema tem o tamanho que você dá a ele.”
Rachel Maia: Às vezes enxergamos algo muito maior do que ele de fato é, e isso nos paralisa, quando, na verdade, é algo solucionável. Creio que é preciso às vezes sair de cena e ver as coisas do lado de fora, por uma nova perspectiva, para entender o que precisa ser feito, sem utopias.

4) “Ter respeito à nossa história, às escolhas dignas, nos tornam verdadeiros gigantes.”
Rachel Maia: Honro a minha trajetória até aqui, os lugares que ocupei, as decisões difíceis e fáceis, os erros e acertos, momentos bons e ruins. Todos fazem parte dessa jornada gloriosa que é a vida. O que vivi, seja na carreira ou na vida pessoal, vieram da grandeza, e merecem o máximo respeito e admiração. Tenho orgulho de onde vim, é ele o meu ponto de partida e referência.

RI: A Rachel se considera uma “fearless girl”? Como é ser um modelo e uma inspiração para tantas meninas e mulheres?

Rachel Maia: Eu venho de uma família de mulheres fortes, líderes e engajadas. Eu cresci admirando essa força e, quando mais velha, passei a admirar mulheres de fora do meu círculo, passei a mentorar mulheres que são, literalmente, o significado de potência, mas que ainda não se viam dessa forma. É muito gratificante para mim que elas me vejam como essa inspiração, pois, sem dúvida, também me inspiro em suas jornadas, me sinto honrada em poder compartilhar a minha história como um exemplo de sucesso. São muitos os trabalhos de conclusão de curso que chegam até mim e que veem o meu trabalho como algo que vale analisar, pesquisar, ser referência. Creio que estou no caminho certo!

RI: O que a Rachel de hoje diria à Rachel menina? Que mensagem, que dica de vida daria?

Rachel Maia: Pode parecer clichê, mas diria para ela confiar no processo e confiar em si mesma, nas suas ideias e aspirações. Se ver como de fato é, uma líder e protagonista da própria história. E, claro, valorizar o poder da educação e a transformação social que ela corrobora. Cresci ouvindo o meu pai me incentivando e colocando a educação como protagonista e porta de entrada. E, isso foi primordial...

Sonia Consiglio
é especialista em Sustentabilidade, palestrante, conselheira de administração e SDG Pioneer pelo Pacto Global das Nações Unidas.
bysonia.consiglio@gmail.com


Continua...