Orquestra Societária

ASPECTOS QUE IMPACTAM O ALINHAMENTO ENTRE PROPRIETÁRIOS & ADMINISTRADORES

Na edição no 186 da Revista RI, iniciamos nossas considerações sobre o alinhamento entre proprietários e administradores, citando o movimento pela governança corporativa que emergiu nos anos oitenta, no EUA, os conceitos de relação, conflito e custos de agência, importantes na literatura sobre governança, e ainda, a arquitetura organizacional de uma sociedade por ações, distinguindo os ambientes de governança e gestão das operações; retornaremos à arquitetura citada no terceiro artigo desta série de três.

No presente texto, relacionamos os principais aspectos que, a nosso ver, podem impactar o alinhamento entre proprietários e administradores, associando-os a exemplos não exaustivos para ilustrar como o desalinhamento pode ocorrer, a seguir detalhados:

1. Formas de controle societário e tratamento do pequeno proprietário (minoritário) - foi também identificado quando desenvolvemos a questão do alinhamento entre proprietários, nas edições nos 183, 184 e 185 desta Revista RI. O desalinhamento emerge a partir do momento em que um conjunto de proprietários se encontra afastado da administração empresarial, ficando, em grande medida, na dependência de um bom desempenho dos administradores e informações estruturadas para acompanhamento dos resultados.

2. Agenda dos proprietários x agenda e zelo dos administradores - remete ao reconhecimento de que assim como diferentes proprietários têm diferentes agendas, diferentes administradores também podem ter. O zelo é incluído como atributo imprescindível à administração, que pode se comportar, no pior os mundos, com negligência e interesse próprio, e no melhor, com extremo cuidado em relação aos negócios e decisões empresariais.

3. Assimetria informacional entre proprietários e administradores - tem sido amplamente tratado na literatura sobre governança corporativa. Genericamente, a assimetria informacional ocorre entre duas partes quando uma dispõe de mais informações sobre um determinado assunto em relação à outra, ou seja, quando o conhecimento sobre os fatos e dados é desigual e pode privilegiar uma das partes.

4. Visão dos proprietários sobre decisões dos administradores - refere-se às decisões da Administração e à percepção e entendimento dos proprietários quanto às decisões tomadas, que podem não ser aceitas e até mesmo contestadas em âmbito do Órgão Regulador do mercado de capitais (Comissão de Valores Mobiliários - CVM) ou mesmo na esfera do Poder Judiciário.

5. Lacuna entre expectativa e real entrega de resultados - diz respeito às expectativas de proprietários controladores e não controladores, vis-à-vis da real entrega de resultados pelos administradores. Variações negativas entre o resultado real versus o resultado esperado poderão criar tensões intensas, conforme o tamanho da variação negativa e o entendimento das causas de sua ocorrência.

Com respeito aos 12 exemplos ilustrativos aqui apresentados, assim como fizemos em texto publicado na edição no 184, adotamos aqui uma abordagem genérica, ao invés de casos bem identificados, considerando que eventuais similaridades não terão sido propositais. Dessa forma, qualificamos os conflitos citados, por meio de um conjunto de situações-exemplo hipotéticas, associadas a cada caso:

SITUAÇÕES HIPOTÉTICAS

Formas de Controle Societário e Tratamento do Pequeno Proprietário (Minoritário)

1.
Administração x Proprietários Pulverizados - Contratações questionáveis para cargos executivos importantes - Um Grupo Empresarial não tem um acionista controlador, tendo, entretanto, um conjunto de acionistas não controladores sem que cada um dos mesmos, individualmente, tenha maior peso societário ou influência sobre a administração do Grupo. Os administradores da Companhia têm feito contratações de familiares dos membros do Conselho de Administração em cargos executivos importantes, sem qualificação específica e experiência desejável para os mesmos. Parte dos acionistas não controladores tem questionado fortemente a prática.

2. Administração x Proprietários Pulverizados - Implantação questionável de instalações empresariais - Um Grupo Empresarial não tem um acionista controlador, tendo um conjunto de acionistas não controladores sem que cada um dos mesmos, individualmente, tenha maior peso societário ou influência sobre a administração do Grupo. O Conselho de Administração aprova a construção de novas e luxuosas instalações para a sede do Grupo, sem necessidade, o que origina gastos desnecessários significativos. Os acionistas não controladores somente percebem o excesso de luxo das instalações quando sua implantação é irreversível e vários manifestam seu descontentamento à Companhia e seus dirigentes.

Agenda dos Proprietários x Agenda e Zelo dos Administradores

3.
Administração x Proprietários - Priorização de recompensas de curto prazo com penalização do futuro - A Diretoria Executiva de uma Companhia, sob a égide do planejamento estratégico aprovado pelo Conselho de Administração e divulgado ao mercado investidor por meio do Guidance, decide alterar a ordem dos investimentos planejados, em função dos retornos imediatos e da garantia dos bônus do ano “1”, em detrimento dos anos “2 a 5”, prejudicando a maturação dos projetos prioritários e o início dos retornos dos investimentos a longo prazo. Poucos acionistas não controladores percebem a manobra.

4. Administração x Proprietários - Análise superficial de propostas prejudiciais à Companhia - O Conselho de Administração de Grupo Empresarial não se empenha a fundo em analisar propostas apresentadas pela Diretoria Executiva, as quais, mais adiante, prejudicam a Companhia e todos os seus acionistas, criando fortes questionamentos do mercado investidor, além da intervenção e penalização da Entidade Reguladora do mercado de capitais.

5. Administração x Proprietários - Postergação onerosa de medidas de proteção ambiental - Um grupo de clientes com peso significativo na receita de uma Companhia e, portanto, com poder de barganha, passa a exigir adequações ambientais que custarão à mesma alguns milhões em investimentos e despesas no ano em curso. Se a Empresa não se adequar no prazo estipulado, não haverá a renovação contratual. Os gastos em questão foram identificados como necessários há cerca de dois anos, mas a Administração não conferiu ao assunto maior atenção, ainda que diversos players do setor estivessem tomando providências a respeito. Se não houvesse ocorrido a postergação, os custos teriam sido consideravelmente inferiores e a Companhia e seus acionistas terminam por ser penalizados.

Assimetria Informacional entre Proprietários e Administradores

6.
Administração x Proprietários Pulverizados - Ocultação de informações aos proprietários - A Administração de uma Companhia tem conhecimento de que os resultados do ano em curso e dos próximos dois anos, medidos pelo LAJIDA - Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização - e pelo Lucro Líquido, podem ser inferiores aos números sinalizados no Guidance divulgado junto ao mercado, além de fugirem da tendência de crescimento dos últimos anos. Mesmo dispondo de informações que possam ser repassadas aos pequenos acionistas, analistas e profissionais de investimento do mercado de capitais, a Administração não as divulga, retendo-as por alguns meses. Durante esse período, diversos investidores do mercado de capitais, animados com as “potencialidades” de distribuição de dividendos nos próximos anos, adquirem ações da Empresa.

7. Administração x Proprietários Pulverizados - Uso de informação privilegiada - Membros da Administração de uma Companhia, tendo conhecimento, em detalhes, de que essa comunicaria ao mercado de capitais, em breve, notícias que poderiam elevar os preços das ações, usam desse conhecimento para auferir ganhos no mercado, contrariando as regras formais vigentes. A Entidade Reguladora do mercado de capitais identifica a manobra e penaliza os envolvidos.

Visão dos proprietários sobre decisões dos administradores

8.
Administração x Proprietários Pulverizados - Joint venture não devidamente explicada e compreendida - Duas Companhias decidem formar uma joint venture. Preocupados com a transação, acionistas não controladores dessas Empresas solicitam, às mesmas, a elaboração de parecer jurídico e econômico sobre a operação, além de estudo de viabilidade econômico-financeira, visando o entendimento da transação, não compreendida em seus fundamentos.

9. Administração x Proprietários Pulverizados - Trocas de dirigentes e realização de investimentos questionáveis - Acionistas não controladores (minoritários) de uma Companhia questionam diversas intervenções ocorridas recentemente em várias diretorias (trocas de dirigentes), bem como o ritmo lento de atendimento a metas de investimentos estabelecidas pela legislação e regulamentação do setor. As explicações dadas não parecem tranquilizar esses acionistas, o que se reflete na depreciação do preço das ações.

10. Administração x Proprietários Pulverizados - Endividamento elevado e questionamento do risco financeiro -
Uma Companhia apresenta um nível de endividamento substancialmente mais elevado em relação aos seus padrões históricos e à média de seu setor de atuação. Os administradores têm procurado tranquilizar o mercado investidor, assegurando que o endividamento em questão suportará investimentos que agregarão fortes receitas em poucos anos. O mercado permanece intranquilo, o que se reflete na penalização do preço das ações da Companhia.

Lacuna entre expectativa e real entrega de resultados

11.
Administração x Proprietários - Frustração das expectativas de resultados dos proprietários e queda do preço das ações - O Diretor de Relações com Investidores - DRI - de uma Companhia apresenta, em reunião com acionistas e profissionais de investimento do mercado de capitais, evento também transmitido para outros agentes no exterior, com tradução simultânea, resultados inferiores àqueles prometidos pela Administração no Guidance publicado pela Companhia. Em função do gap entre os resultados sinalizados para o mercado e aqueles efetivamente entregues, de cerca de 20% dos valores planejados, os presentes questionam intensamente os representantes da Companhia, que procuram explicar as causas do menor desempenho dos negócios: má performance do mercado da Companhia e aumento inesperado de despesas cambiais. O preço das ações decresce cerca de 3,50% após a apresentação.

12.
Administração x Proprietários - Frustração de expectativas de dividendos e substituição de dirigentes - Os proprietários de uma Companhia estão profundamente descontentes com os resultados alcançados pela Administração, acreditando que a Diretoria Executiva não se empenhou devidamente na implantação de diversas iniciativas estratégicas, o que resultou em lucros menores e, portanto, em dividendos muito aquém daqueles esperados. Dois diretores são substituídos por profissionais egressos do mercado de executivos e um superintendente é promovido a diretor.

Organizados sob o formato anterior, os 12 exemplos apresentados não permitem vislumbrar o considerável potencial de tensão que cada situação pode criar entre as partes, em prejuízo dos negócios e dos públicos envolvidos.

Ainda sobre esses exemplos, que poderiam ensejar, individualmente ou em conjunto, diversos estudos, observamos:

1) Esses mini-cases são perpassados pelo conflito de agência (alguém fez ou está fazendo algo inadequado ou, no mínimo, preocupante em nome de alguém) e/ou pela assimetria informacional (alguém deixou ou está deixando de receber informação relevante à sua tomada de decisão).

2) Nem sempre a assimetria informacional, destacada em um aspecto específico que impacta o alinhamento entre proprietários e acionistas, é prejudicial às empresas e aos seus proprietários. A própria legislação e regulamentação do mercado de capitais protegem aquelas informações que necessitam ser protegidas, em benefício das empresas e de seus públicos relevantes (stakeholders).

3) O enquadramento dos exemplos tem cunho didático, haja vista que um mesmo caso pode se encaixar em mais de um aspecto.

O desalinhamento entre proprietários e administradores e seus custos, eventualmente consideráveis, podem ser mitigados? Sim, existem caminhos que ajudam a alcançar esse fim, relevantes para que a Orquestra Societária opere de maneira afinada e os quais serão objeto do próximo e último artigo desta sequência de três.

Finalizamos este texto manifestando nossa satisfação com a contribuição recebida de um dos nossos leitores, professor Lélio Lauretti, profissional reconhecido pelo mercado de capitais nacional, com reflexões comparativas entre as palavras “proprietários” e “sócios”, no sentido de que a segunda se adequaria, mais modernamente, à governança corporativa. Tomamos a liberdade de compartilhar, com os demais leitores, um trecho das considerações do professor Lauretti, a nós endereçadas via e-mail:

“É uma curiosidade pensar que, alugando algumas ações, posso, com elas, exercer o direito de voto em uma assembleia. Talvez a ideia de “proprietário” tenha surgido com as empresas familiares em que se confundia - como se confunde ainda hoje - empresa com família.”

Concordamos com o ilustre leitor em agregar à Orquestra Societária a palavra “sócios”, quando nos referirmos aos “proprietários”, ainda que aqui e ali citemos o segundo vocábulo como sinônimo imperfeito do primeiro. Ademais, acreditamos que “ser sócio” é “ser proprietário e muito mais”. Dessa forma, agradecemos ao professor Lauretti pela inestimável contribuição, incorporada à Orquestra, e retornaremos a esse ponto no nosso próximo artigo.

CIDA HESS é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia. cida.hess@br.pwc.com

Mônica BrandÃo é executiva e profissional de finanças e estratégia, professora e conselheira da Apimec-MG. mbran@terra.com.br


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