Mercado de Ações

EFEITO MANADA: HÁ EFEITO MANADA EM AÇÕES COM ALTA LIQUIDEZ NO MERCADO BRASILEIRO?

O “Efeito Manada” é comumente associado a períodos de maior volatilidade no mercado de ações e se deve ao componente humano nas negociações de ativos. Este tipo de atuação ocorre quando o investidor decide imitar a decisão de investimento de outro agente, o qual supõe estar melhor informado, ao invés de acreditar em suas próprias conclusões.

Alguns estudiosos argumentam que este fenômeno pode levar a uma perda de informação e a uma deterioração da informação agregada, podendo levar o preço de um ativo a se distanciar do seu valor fundamental. Desta forma, medir e identificar períodos nos quais o Efeito Manada é verificado é de suma importância para entender a qualidade da informação no mercado financeiro e o processo de formação dos preços dos ativos.


Vale e Petrobras

As ações da Vale e Petrobras, as mais emblemáticas da bolsa brasileira, sofreram queda expressiva nos últimos anos. A primeira bastante afetada pelo declínio dos preços do minério de ferro, perdas cambiais em derivativos e baixas contábeis de ativos. Além disso, em 2013, a Vale teve elevados gastos com o pagamento de tributos federais.

A Petrobras, por sua vez, apresentou uma série de problemas. O governo forçou investimentos – houve alteração no marco regulatório obrigando a empresa a ter uma participação mínima de 30% nos campos, nas instalações offshore – e ao mesmo tempo, travou a geração de caixa porque impedia que a alta do petróleo no exterior fosse repassada aos preços dos combustíveis no mercado doméstico. Como tinha que importar parte do petróleo para ser vendido no país, a Petrobras comprava caro e vendia barato. Isso causou uma dinâmica péssima de dívida. Como agravantes, os escândalos de corrupção e as deficiências na governança corporativa.

Do fechamento de 2009 até meados de maio deste ano, os papéis da Vale (VALE5) caíram de R$ 31,17 para R$ 17,97, uma queda de 42,3%. Já as ações da Petrobras (PETR4) recuaram de R$ 30,14 para R$ 13,90, baixa de 53,9%.


Estudo: Efeito Manada

Recentemente, foi publicado o estudo no portal do Banco Central “Há Efeito Manada em ações com alta liquidez no mercado brasileiro?” As negociações das ações da Petrobras e da Vale, entre 2010 e 2014, foram o alvo dessa pesquisa desenvolvida Gustavo Silva Araújo, do Departamento de Estudos e Pesquisas (DEPEP) do BC; Cláudio Henrique da Silveira Barbedo, que atua no Departamento de Operações de Marcado Aberto (DEMAB) do BC e Juliana Xavier Serapio da Silva, mestre em economia pelo Ibmec.

O estudo analisou o andamento desses papéis sob a ótica das finanças comportamentais. O Efeito Manada, frequente em períodos de maior volatilidade, é o termo usado para descrever situações nas quais os indivíduos em grupo reagem da mesma forma, embora não exista direção planejada. “É um fenômeno que ocorre quando o investidor decide imitar a decisão de outro agente, o qual supõe estar melhor informado, ao invés de acreditar em suas próprias conclusões”, indica o estudo.

Afinal, houve Efeito Manada em relação às ações da Vale e Petrobras? De acordo com os pesquisadores, o resultado é ambíguo. “Não é possível afirmar com certeza se houve Efeito Manada ou não”, comenta Gustavo Araújo. Foram utilizadas duas metodologias que chegaram a resultados diferentes.

A primeira foi a medida de Christie e Huang (1995), baseada na dispersão dos retornos de uma ação em relação aos desempenhos da carteira de mercado. Quando há alta volatilidade e os ativos andam juntos do mercado é um indício de Efeito Manada. “Não foi o que conseguimos demonstrar. Por essa metodologia, não houve Efeito Manada”, explica Araújo. As dispersões dos retornos das ações cresceram em ambas as direções de movimentos extremos de mercado. Quanto maior a dispersão, mais as ações se afastam do risco de estarem sujeitas ao Efeito Manada.

Já a segunda metodologia foi a de pressão de preços, que tenta detectar o Efeito Manada com base na sequência de ordens de compra ou de venda. Com base em dados da bolsa é possível verificar se uma negociação é iniciada por um comprador ou por um vendedor. Por problemas de microestrutura, a autocorrelação entre as variações de preços deveria ser menor que -0,5 se a probabilidade de compra e venda sequencial fossem iguais. Mas foi maior do que -0,5 para as ações estudadas, situação denominada pressão de preços. Os pesquisadores avaliaram se a probabilidade de compra ou venda eram estatisticamente diferentes de 50%, mas não eram. “Então investigamos a probabilidade de um negócio ter a mesma direção do negócio anterior. Essa probabilidade situa-se por volta de 80%, o que configura Efeito Manada”, explica Gustavo Araújo.

O estudo “Há Efeito Manada em ações com alta liquidez no mercado brasileiro?” é o Trabalho para Discussão 386 publicado pelo BC. Em seu site, o Banco Central tem uma área na qual são publicados artigos elaborados por profissionais da própria instituição, especialistas e acadêmicos. Esses trabalhos não representam as opiniões do banco. O BC apenas visa disseminar conhecimento. Essa prática é comum de muitos bancos centrais ao redor do mundo, especialmente de economias desenvolvidas.

Conforme Cláudio Henrique da Silveira Barbedo, o tema finanças comportamentais é relevante em MBAs e mestrados de Economia e Administração. As finanças comportamentais utilizam conceitos provenientes de diversos campos do conhecimento como Psicologia, Economia e Finanças com objetivo de construir modelos de mercados mais complexos e incorporar vieses cognitivos que ocorrem na tomada de decisão. “As finanças comportamentais explicam fenômenos que a Moderna Teoria de Finanças não consegue explicar. Questiona a ideia de racionalidade e de que a formação de preços acontece sempre de maneira justa”, explica Barbedo, que também é co-autor do livro “Finanças comportamentais - Pessoas inteligentes também perdem dinheiro na bolsa de valores (Editora Atlas).


As anomalias em jogo


A Moderna Teoria de Finanças (MTF), construída a partir dos anos 50, parte da premissa de que os mercados são eficientes e os agentes econômicos perfeitamente racionais. “Essa visão admite que o investidor mais relevante, aquele que forma preços, é um engenheiro econômico perfeito que opera consistentemente e não tem emoções. Ele é um robô calculista”, comenta Roberto Montezano, professor de Finanças do Mestrado em Administração e Economia do Ibmec-RJ. Essa teoria é baseada na Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM). “Ao sair uma informação nova, o mercado rapidamente analisa o impacto, se é negativo ou positivo, ajustando o preço corretamente para baixo ou para cima”, completa. Porém, na década de 70, pesquisadores começaram a descobrir que existe uma série de contra-exemplos à eficiência de mercado, as chamadas anomalias. Segundo Montezano, pesquisadores notaram que os indivíduos têm crenças e vieses comportamentais que fazem com que a racionalidade não seja completa. “São situações de retornos anormais”. Nesses casos, por exemplo, as ações podem subir além do que deveriam subir ou descer mais acentuadamente do que deveriam cair, descoladas dos fundamentos.

Herbert Simon, Ph.D. em Ciência Política (e não em Economia), recebeu o Prêmio Nobel em 1978, pelo seu trabalho sobre racionalidade limitada (Bounded Rationality) no qual argumenta que a capacidade das pessoas em lidar com informações necessárias à tomada de decisão é limitada e que as emoções influenciam. Nos anos 70, os psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky buscaram descrever o processo de decisão dos agentes explicando as tais anomalias. Em 1979, eles publicaram a Teoria do Prospecto ou da Perspectiva demonstrando que a maneira como um problema é apresentado pode alterar a decisão do investidor; que os investidores tendem a realizar ganhos prematuramente e aumentar sua exposição ao risco na tentativa de recuperar perdas e, ainda, que o sofrimento associado à perda é maior que o prazer associado a um ganho de mesmo valor. “A Teoria do Prospecto revelou que os ganhadores são mais conservadores e os perdedores têm mais apetite ao risco”, explica o professor Montezano. Na Moderna Teoria de Finanças, ambos teriam simetria na aversão ao risco. Em 2002, Daniel Kahneman foi laureado com o Nobel de Economia. Seu parceiro de pesquisas Amos Tversky já havia falecido.

A partir da Teoria do Prospecto oi aberta uma estrada para outros autores identificarem outros “defeitos” como o excesso de confiança. Os investidores superestimam a capacidade de entender o mercado e, assim, podem subestimar os riscos. Outro problema é a tendência de se ancorar em dados históricos. “Um papel valia R$ 30 e hoje vale R$ 14, mas há pessoas que ficam segurando com base em algum dado passado”, explica. Há outra disposição comum, o viés da amostra curta. No caso de se inferir o futuro com base em 3 meses de dados em vez de tomar como referência uma janela maior. As finanças comportamentais explicam gaps da Moderna Teoria de Finanças (MTF).

“É possível justificar o que não funciona na MTF usando a outra teoria baseada nos comportamentos”, reforça Michael Viriato, coordenador do Laboratório de Finanças do Insper em São Paulo. Ele ressalta que em 2013, o Prêmio Nobel de Economia foi concedido a três economistas. Um dos agraciados, considerado o pai da teoria do mercado eficiente, o professor da Universidade de Chicago, Eugene Fama, defende desde a década de 1960 que os preços são reflexos precisos das informações disponíveis. Já os trabalhos de Robert Shiller, da Universidade de Yale, partem da premissa de que os mercados não são racionais. O terceiro premiado foi Lars Peter Hansen, da Universidade de Chicago, que desenvolveu um método estatístico para testar as teorias sobre a racionalidade dos preços dos ativos. “A premiação de Schiller e Fama demonstra que ambas as teorias estão em voga e são complementares”, afirma Viriato. Conforme Viriato, são os estudos de Robert Schiller que indicam que os mercados podem permanecer irracionais por longos períodos.

Michael Viriato ressalta que desde 2002 o volume de pesquisas sobre finanças comportamentais no mundo tem aumentado significativamente. No site www.behaviouralfinance.net há um apanhado de pesquisas e artigos sobre anomalias encontradas no mercado. De acordo com ele, globalmente, há um movimento de estudiosos e analistas buscando compreender melhor o funcionamento do mercado mas também há aqueles que têm interesse em investigar onde podem existir prêmios que possam capturar.

Quanto ao Efeito Manada, os especialistas afirmam que é um fenômeno que pode ocorrer em todos os mercados – emergentes e desenvolvidos. “Pode-se atribuir o Efeito Manada às bolhas da internet (2000) e imobiliária (2007) nos Estados Unidos, por exemplo”, comenta Viriato. O Efeito Manada ocasiona problemas nefastos às economias. Pode estimular recursos em excesso em determinados setores estimulando a produção, que não teria demanda à altura no futuro. Por outro lado, em situação de baixa, áreas importantes podem sofrer com a escassez de investimentos. “O Efeito Manada compromete a eficiência funcional, o dinheiro deixa de ser direcionado de forma adequada”, explica o professor Roberto Montezano do Ibmec-RJ.


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