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Quando  conhecemos um executivo, um pesquisador ou médico de sucesso logo entendemos  que foi alguém que dedicou muito esforço para chegar aonde chegou. Mas quando  vemos uma pessoa que se destaca por sua generosidade e bondade logo pensamos  que ela já nasceu assim.
Alguns  artigos nascem de uma ideia, chegam quase prontos como que por geração  espontânea e, infelizmente, são raros. A maioria nasce do suor e da pesquisa, é  fruto do trabalho forçado. Outros, como este, nascem como pão: são produto de  alguns ingredientes e uma lenta fermentação.
Os ingredientes
O  primeiro ingrediente deste artigo, que fermentou como pão, foi o noticiário  sobre as relações indecorosas entre políticos, empresas e o estado brasileiro.  Como são parte de conhecimento corrente, vou poupar o leitor.
O  segundo ingrediente foi a faca que usei em churrasco na minha casa. Ela foi  feita por um ferreiro, imigrante alemão do interior de Santa Catarina.  Trabalhava com ferro, fazendo foices, pás e enxadas de qualidade. Fazia também  facas, todas muito sóbrias. Ele acreditava que as ferramentas que fazia  deveriam servir para o trabalho. Seu filho aprendeu o oficio, aproveitou a fama  conquistada pelo pai e modernizou o trabalho. Passou a fazer facas com design  arrojado, que logo viraram peças de colecionador.
O  sucesso do filho foi motivo de discórdia. O pai ficou anos sem falar com ele e  só reatou a convivência quando já estava próximo da morte. Sua moral ditava que  sua arte deveria ter um propósito prático e não a beleza que considerava  superficial. Sua retidão moral o afastou da convivência com o filho que tanto  amava.
O  terceiro ingrediente foi uma frase que ilustra o rótulo do ótimo vinho  argentino que tomei no mesmo churrasco: “Al final del caminho sólo recuerdas  uma batalla, la que libraste contigo mismo, el verdadero enemigo; la que te  hizo único”.
O quarto ingrediente foi o bestseller “The Road to  Character”, de David Brooks colunista do New York Times. Segundo Brooks todos  nós possuímos duas naturezas. Uma centra-se em sucesso externo: riqueza, fama,  status e uma grande carreira. A outra objetiva a bondade interna, impulsionada  por um desejo espiritual, não só para fazer o bem, mas para ser bom - honesto,  amoroso e firme. Esta não busca a felicidade superficialmente definida; ela  procura compromissos emocionais, e uma alegria moral profunda.
Para  David, os indivíduos e as sociedades prosperam quando estas duas naturezas  entram em equilíbrio. Porém vivemos em uma cultura que nos encoraja a pensar de  forma preponderante no sucesso externo. Fortalecemos uma perna e deixamos a  outra definhar. Em “The Road to Character” David Brooks mostra que  devemos focar nossos esforços em melhorar a forma como queremos ser lembrados,  e não apenas naquilo que colocamos em nossos currículos.
A fermentação
Quando  observo, através das telas da televisão, pessoas envolvidas nos grandes  escândalos nacionais, supostamente corruptos e corruptores, não consigo ver em  seus olhos nada diferente de uma profunda tristeza. Talvez possamos explicar  que estão tristes porque foram pegos em seus malfeitos. Mas claro que quem foi  pego representa uma pequena fração daqueles que em seu dia a dia corrompem ou  são corrompidos.
Conheço  pessoas que, suponho, transcendem a ética para ganhar dinheiro e que continuam  normalmente operando seus negócios. Vejo muito mais arrogância em seus olhos,  porém, continuo vendo também tristeza.
Ética  transcende a moral. Ética é relativa a caráter, é o que caracteriza o homem.  Moral é relativo aos costumes. Tudo que é ético deveria ser moral, mas nem tudo  que é moral é ético.
A  moral inflexível do ferreiro alemão acarretou sua infelicidade. A moral  flexível de um grupo que acredita que corromper e ser corrompido faz parte do modus operandi da cultura nacional tem  causado enormes prejuízos ao estado e à nação. E, o que é mais surpreendente,  até mesmo aos supostos beneficiários dos ilícitos.
David  Brooks escreveu seu livro por ter se dado conta de que vinha tendo uma vida  superficial. Ele focava em colher os frutos de seus esforços, colocando a  construção do currículo à frente de como queria ser lembrado. Resolveu então  enfrentar seu grande inimigo: sua própria ânsia por sucesso exterior.
Brooks  buscou pessoas que antes de construírem o “eu” que aparece em redes sociais  dedicaram a vida a construir o que são de verdade. A primeira coisa que  descobriu é que pessoas boas e luminosas não nascem feitas.
A estrada para o  caráter
Depois  de pesquisar a vida de diversas pessoas que são admiradas por seu caráter,  Brooks afirma que, ao contrário do senso comum, elas empreenderam grande e  deliberado esforço para melhorar seu eu interior. Elas cultivaram suas virtudes  assim como aqueles que se dedicam para construir seus currículos.
Segundo  Brooks, estas pessoas luminosas em vez de tentar ser o máximo, buscaram a  autoconsciência de sua fragilidade e de seus defeitos. Descobriram que o  sucesso se obtém na competição com os outros, mas o caráter se constrói na  competição com nossas próprias fraquezas.
Estas  pessoas fogem da estandardização da vida moderna, bem representada pelas  inúmeras listas dos 100 lugares ou 100 restaurantes para estar antes de morrer.  Elas entendem que vivemos em comunidade, mas somos individuais. Colocam o amor  individual acima do amor coletivo, o status. Muitas até tentam deliberadamente  abrir mão de símbolos de status que tenham herdado. Por fim ele viu que muitas  destas pessoas encaram suas profissões como uma chamada, uma missão. Colocam a  busca pela excelência em seus ofícios muito à frente da busca por dinheiro,  status e segurança.
A  luta por um Brasil mais ético, passa pelo questionamento do nosso ordenamento  jurídico, pela mudança de estruturas arcaicas que dificultam ou até impedem o  cumprimento de um conjunto insano de leis e normas distantes da realidade.  Precisamos coragem para questionar a moral arcaica, sempre dentro da ética.
Porém,  qualquer mudança terá que ser feita por pessoas. Assim, a primeira coisa que  precisamos mudar é nosso interior. A batalha só será vencida quando derrotarmos  nosso pior inimigo, nós mesmos.
Dinheiro,  sucesso e status são importantes, mas, nessa busca, não devemos esquecer que  para sermos felizes precisamos sentir que nossa vida faz bem para nossos  semelhantes.
Jurandir Sell  Macedo
é doutor  em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela  Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da  Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br