Educação Financeira

EDUCAÇÃO DO INVESTIDOR COMO CRIAÇÃO DE CULTURA

Recentemente o tema da educação financeira foi discutido em dois interessantes artigos publicados no jornal Valor Econômico. O assunto merece reflexão pela grande importância que possui como também para a realização do sonho da “Pátria Educadora” em nosso país.

Um dos artigos intitulado “Educação Financeira: reprovada” trata de uma profunda pesquisa realizada por três especialistas, colocando em xeque a tese que “a educação financeira cria consumidores e investidores melhores”. A conclusão indicou que “intervenções para promover a alfabetização financeira explicam somente 0,1% da mudança de comportamento, ou seja, o efeito da educação financeira sobre o comportamento é minúsculo, praticamente não tem resultado - e os efeitos são ainda mais fracos em populações de baixa renda”.

Um segundo artigo intitulado “Educação sob demanda” trata de um estudo a respeito da riqueza das famílias. A conclusão foi que “pessoas com maior conhecimento sobre finanças pessoais conseguem acumular mais patrimônio ao longo da vida porque planejam a aposentadoria de forma mais eficiente e desenvolvem melhor a capacidade para escolher investimentos mais rentáveis”.

Uma terceira via de reflexão poder ser a “Educação como criação de cultura”. Para dar foco a esta discussão será abordado o tema educação para investimentos em ações, pois inexiste no Brasil, compatível com seu tamanho e necessidade, uma comunidade de investidores informados e consequentemente um mercado de ações que reflita o tamanho da economia e das reclamadas necessidades de recursos e liquidez das empresas.

Apesar do crescente declínio do papel do mercado de ações no Brasil, pouco ou nada tem sido feito para restaurar sua verdadeira função e importância no processo de desenvolvimento do país. Países em desenvolvimento, como a China, Índia, Coréia do Sul e Tailândia, onde há algumas décadas praticamente não existia um mercado de capitais, hoje contam com esse poderoso instrumento de crescimento econômico.

A ausência de uma cultura de investimento em ações no Brasil se reflete no fato dos depósitos em caderneta de poupança e as aplicações em renda fixa serem as principais opções do mercado. Consequentemente a maior parte dos brasileiros está alijada do processo de crescimento das empresas e do desenvolvimento do país.

No Brasil, com uma população em torno de 200 milhões de habitantes, 27 milhões são declarantes de imposto de renda. O número de investidores cadastrados na Bovespa representa apenas 2% do número de declarantes, ou 0,3% da população, enquanto que em mercados emergentes são 5% e em mais avançados este percentual chega a 10% da população. Do total do volume negociado na Bovespa, menos de 10% é originado em transações de investidores individuais; em 2009 este percentual era de mais de 30%.

A formação de culturas entre as pessoas é essencial desde o nascimento, num processo que evolui constantemente ao longo dos anos, começando nos próprios ambientes familiares e se desenvolvendo nas escolas, no trabalho e no convívio na sociedade, com respeito às regras e às leis. Recentemente vimos no Brasil a implantação de inúmeras “culturas” que antes não existiam: Proteção ao Consumidor, Proibição de Fumar em Locais Fechados, Lei Seca, entre tantas outras.

O processo de educação deve ser baseado em uma metodologia diferenciada de “aprender-fazendo”, objetivando atrair e orientar as pessoas comuns a conhecerem melhor o mercado de ações, através do incentivo à participação regular em “Clubes de Investimentos Educacionais” especialmente regulados e destinados a funcionarem como núcleos de treinamento e educação para a formação de poupança e investimento.

O Clube tem a finalidade de apoiar o desenvolvimento sob a forma de um aprendizado coletivo e prático, como se fosse um “Comitê de Investimentos”, cujos membros são os participantes cotistas do Clube. Através da metodologia do “aprender-fazendo”, o participante é motivado a se organizar em Clubes de Investimentos Educacionais formados por grupos de 3 a 12 pessoas que se reúnem regularmente uma vez por mês (presencial ou online), sendo a primeira parte da reunião dedicada à educação, orientação e informações sobre o mercado de ações e a segunda parte dedicada à administração da carteira de investimentos. Esses Clubes de Investimentos Educacionais deverão ter um conjunto de características próprias com motivações específicas exclusivamente destinadas à criação do hábito de poupar regularmente. A gestão da carteira será exercida pelos próprios membros e a diversificação como prevista na Instrução CVM 494.

Para a formação dos recursos para investir na Carteira do Clube deverão ser feitos aportes regulares mensais. As cotas deverão ser preferencialmente iguais para todos os membros do Clube. O limite estabelecido para o patrimônio total do Clube é de 1.000 vezes o salário mínimo, que atualmente corresponde a R$788.000,00. A participação de cada pessoa, controlada pelo seu CPF, é limitada a apenas um “Clube de Investimento Educacional”. Entretanto cada pessoa pode, obviamente, participar de outros Clubes de Investimentos tradicionais ou investir diretamente de forma individual.

Para criar um Clube é necessário fazer o seu registro na Bolsa de Valores através de uma Corretora credenciada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), seguindo as regras definidas por um Estatuto Padrão. A Corretora mantém a obrigação de informar mensalmente através de um extrato a posição da Carteira do Clube bem como a posição individual de cada membro cotista para fins de controle, acompanhamento e monitoramento dos investimentos realizados.

O elemento principal de diferenciação desta abordagem em relação a outras iniciativas é a proposta do “aprender-fazendo” como ferramenta de formação de uma nova Cultura. Segundo o Institute for Applied Behaviour Services, dentre todas as formas de aprendizado, o “aprender-fazendo” alcança uma taxa média de retenção de aprendizado de 75%. Outros processos como a leitura, os seminários e apresentações áudio-visuais são comparativamente ineficientes.

O “aprender-fazendo” em equipe nada mais é do que uma ferramenta de formação de cultura que evolui como um processo desde os ambientes familiares, nas escolas, no trabalho e nos ambientes sociais, com respeito às regras e às leis. A formação de uma Cultura de Investimentos requer um processo de orientação e disciplina, que motive a reflexão e a crítica, que estimule a interação social, mas também a pesquisa autodidata. Seguindo esse processo os participantes atuam em seu próprio ritmo, flexibilizam seu horário e estudam e se informam no momento que for mais adequado. Ao mesmo tempo se comprometem com a periodicidade das reuniões de seu Clube e com a responsabilidade de contribuir para as decisões de investimento.

A educação financeira na linha da formação de uma cultura de investimento requer, portanto um processo permanente de orientação e disciplina.

Roberto Teixeira da Costa
é economista - fundador e primeiro presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários.
roberto.costa@sulamerica.com.br

Ronaldo A. F. Nogueira
é economista - participou do grupo de trabalho da Lei 4.728/65 que regulamentou o Mercado de Capitais no Brasil.
ronaldoafnogueira@gmail.com

Luiz Guilherme Dias
é consultor independente - atuando há mais de 30 anos no mercado de capitais brasileiro.
lg.dias@sabe.com.br


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