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Ponto de Vista

DESAFIOS POLÍTICO-ECONÔMICOS PARA 2016

Teodoro era um funcionário bem posicionado, que ocupava cobiçado posto na administração pública. Seu salário lhe proporcionava uma vida confortável, ainda que lhe colocasse longe dos objetos e lugares de luxo que ele julgava merecer. Chegou aonde chegou por combinação de algum esforço e muita submissão. Sempre soube se curvar aos poderosos e respeitar regras tácitas que permeavam seu habitat profissional.

Um dado dia Teodoro recebeu em sua sala alguém que sabia ser muito poderoso. Não que este tivesse propriamente poder, mas, por ser conhecedor dos meandros da administração, Teodoro sabia que o visitante era próximo daqueles que comandavam o país.

A proposta era tentadora. Teodoro deveria assinar alguns papéis, facilitar alguns trâmites e, em troca, milhões cairiam em sua conta. Simples! Eram comissões que se não fossem dadas a ele seriam dadas a outrem. Tudo como era comum na “ética” dos negócios. Afinal de contas, sempre foi assim que tudo funcionou e era assim que tudo continuaria funcionando.

Teodoro se julgava um homem honrado e honesto, que jamais pensaria em tirar de outro algo que não lhe pertencesse. Em sua opinião, ele não estaria tirando nada de ninguém. Longe disso; ele estaria contribuindo para que a roda dos negócios continuasse a girar.

Daquele dia em diante, o luxo finalmente passou a fazer parte da vida de Teodoro. Agora não era ele que se submetia aos seus pares, estes é que se curvavam diante dele. Finalmente ele estava onde sempre julgou merecer.

Sua vida de Fausto, porém, não tardou a cobrar seu preço. Mesmo negando, ele sabia que aqueles milhões que lhe proporcionavam prazeres outrora inimagináveis, faziam falta nos hospitais e na mesa dos desvalidos. No fundo da alma sabia que o desemprego que se alastrava a sua volta era resultado de decisões como as suas. Tomado pelo remorso, começou a tentar devolver os milhões aos seus verdadeiros donos e a retomar a antiga vida que tinha abandonado naquele malfadado dia em que cedeu à tentação.

Mas aquele funcionário público honrado que Teodoro um dia havia sido não existia mais. Restava a ele conviver com quem de forma imprudente havia se transformado.

Nunca mates o Mandarim
A história acima é apenas uma releitura. Teodoro ganhou vida nas mãos do grande escritor português Eça de Queirós no conto O Mandarim, publicado em Lisboa em 1880. Aquele Teodoro não precisou assinar nenhum documento. Instado pelo Diabo, bastou a ele tocar uma campainha para provocar a morte do velho e gordo Ti Chin-Fu, o Mandarim que vivia nos confins da China, para receber seus cento e seis mil contos.

Ao final da vida, Teodoro faz seu testamento deixando seus milhões ao Demônio e deixando a nós homens estas palavras: “só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!”. Para ele restou esperar a morte com esta ideia: “que do norte ao sul, do oeste a leste, desde a Grande Muralha da Tartária até as ondas do Mar Amarelo, em todo o vasto Império da China, nenhum mandarim ficaria vivo se tu, tão facilmente como eu, pudesse suprimir e herdar-lhe os milhões.”.

Crise política e econômica
Vamos iniciar 2016 sob uma das mais severas crises econômicas da história do Brasil. É quase consenso que só teremos chances de sair desta crise se resolvermos antes a crise política que tomou conta do país.

Em sua origem grega, política é a definição de como se trata os interesses públicos. Em seu sentido moderno, é a ciência da governança de um Estado ou Nação e também uma arte de negociação. É a capacidade de compatibilizar interesses da maioria respeitando as minorias.

Político é todo aquele que opera a política. Seu objetivo deve ser o bem comum, norteado pela ética. Mesmo ciente do risco de ser impreciso, eu diria que ser ético é fazer aos outros aquilo que gostaria que fosse feito a si mesmo.

Não vivemos uma crise política, pois os ditos políticos que estão no comando do Brasil não buscam o interesse da maioria nem respeitam os direitos das minorias. Não se orientam pela busca do bem comum, mas sim pelo bem privado ou de seu grupo. Não se norteiam pela ética, mas pela busca incessante de se manter no poder custe o que custar, doa a quem doer.

Recuso-me a aceitar que nossa crise seja política, pois quem está no poder não é político, apenas tomou o estado para fazer dele instrumento de busca do bem privado. O mesmo já aconteceu outras vezes em nossa história. Desta vez, porém, é mais grave: prevalece a convicção que todos aqueles que querem o poder apenas buscam a campanha para matar o mandarim e se apossar dos seus tesouros. Mais grave do que a falta de políticos no poder é a falta deles também na oposição.

Não devemos achincalhar os políticos, pois assim continuaremos tirando da política os jovens bem-intencionados, que poderão um dia governar. Devemos, sim, mostrar aos jovens que aqueles que se dizem políticos não o são. Precisamos resgatar entre os jovens o verdadeiro valor da política.

Temos uma juventude cheia de vontade de se doar. Basta ver quantos deles estão em organizações sociais e como se mobilizam em favor de boas causas. O que precisamos é mostra a eles que tão ou mais importante do que entrar em uma organização social para fazer o bem é entrar na política para mudar o país.

Quanto à economia em 2016? Não vai ser nada fácil. Mas é na tempestade que os bons marinheiros mostram seu valor. Espero que Teodoro esteja errado e muitos estejam dispostos a preservar a vida do Mandarim.

Feliz 2016!

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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