Orquestra Societária

ORQUESTRA SOCIETÁRIA, GESTÃO DE RISCOS & SUSTENTABILIDADE

No presente artigo, prosseguimos com o tema da edição nº 202 desta prestimosa Revista RI, considerando a Gestão de Riscos e a Sustentabilidade, à luz da Orquestra Societária. Para esse fim, representamos o constructo em questão, introduzindo em seu desenho mais duas equações, 2 e 3, conforme ilustração abaixo:

A Orquestra Societária e suas equações fundamentais


EQUAÇÃO 1:
Sinfonia corporativa = alinhamento + mitigação de riscos + resultados sustentáveis

EQUAÇÃO 2:
Lucro sustentável =
Receita – Custo/Despesa sustentável [$]

EQUAÇÃO 3:
Fluxo de Caixa Sustentável =
Lucro sustentável – Investimentos Sustentáveis +/- Ajustes de Fluxos Não-Caixa [$]


O Valor Econômico Empresarial decorrerá do Fluxo de Caixa Sustentável e do Custo Médio de Capital.

Quais considerações podem ser feitas sobre as equações 2 e 3?

Inicialmente, é preciso que haja clareza com respeito à premissa de que a Orquestra Societária se refere a empresas inseridas em um contexto de capitalismo sustentável, que almejam a otimização do lucro e a geração de valor econômico à luz dos princípios da governança corporativa e da ética. Nenhuma dúvida deve restar quanto a essa premissa e, assim sendo, observamos:

  1. O lucro, genericamente definido como sendo a diferença positiva entre a receita e o custo/despesa de uma organização, é a antítese do prejuízo, diferença negativa; pode-se até aceitar prejuízos em condições específicas, mas repeti-los por longo tempo não é sustentável, sob nenhum ponto de vista. Segundo Iudícibus, Marion e Pereira (2003, p. 143), o conceito de lucros na sua abrangência - “Rendimentos resultantes do capital aplicado na empresa, pertencem a seus proprietários que nela investiram. Excesso de receita em relação à despesa. Remuneração do fator de produção”.
  2. Concomitantemente, é preciso diferenciar os conceitos de lucro e lucro sustentável. A primeira variável é conceitual, genérica, e a segunda, se refere às possibilidades reais de geração de lucros sem a assunção de riscos inaceitáveis. Entre esses, destacam-se os riscos para a vida humana, que aniquilam o meio ambiente ou que colocam os proprietários de um empreendimento sob condições econômico-financeiras insustentáveis. Dessa perspectiva, emerge a equação 2 da Orquestra Societária.
  3. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), conforme bem lembra nossa entrevistada da edição nº 202 desta Revista, a executiva Maria Mazzarello Veloso, tem atuado na disseminação do conceito de “lucro ótimo” em vez do “lucro máximo”. Recomendamos aos nossos leitores essa excepcional entrevista.
  4. Sob o ponto de vista das finanças corporativas, não basta observar o lucro, é preciso considerar o fluxo de caixa, dado, genericamente, pela composição resultante entre o lucro, o investimento necessário (a ser deduzido) e os ajustes de fluxos não-caixa (positivos/negativos), considerados no cálculo do lucro. Cash is king, é a expressão utilizada pelos especialistas em gestão econômico-financeira e refere-se à importância da geração de caixa para as empresas. No curto prazo, caixas negativos podem colocar empresas sob forte risco de default financeiro; no longo prazo, intensifica-se, adicionalmente, o risco da destruição de valor econômico empresarial.
  5. Assim, deve entrar em cena o conceito de fluxo de caixa sustentável, que contempla tanto o lucro sustentável quanto o investimento sustentável, ao lado dos fluxos econômicos de ajustes de caixa, conforme a equação 3 da figura 1. Nessa perspectiva, o reinado do caixa será, necessariamente, delimitado pelo tamanho do investimento.
  6. Já com respeito às variáveis específicas que integram o cálculo do lucro sustentável e do fluxo de caixa sustentável, podem ser feitos alguns comentários. O primeiro é que a receita é aquela a ser apurada sob condições específicas de mercado e de operação organizacional. As condições físicas do parque operacional – ou mais objetivamente, a capacidade produtiva e contexto de mercado - delimitarão o tamanho da receita.
  7. A receita tem diversos riscos e precisa ser monitorada diuturnamente. A lei da oferta e demanda, em mercados competitivos, ou as diversas regulações de empresas, em mercados regulados, podem afetar essa variável em grande medida; adicionalmente, falhas operacionais e mudança brusca do mercado podem implicar queda significativa nas vendas de produtos e serviços e, nos mercados regulados, grandes penalizações.
  8. O custo/despesa sustentável, por seu turno, é responsável pela geração e sustentação da receita e das operações empresariais, de forma mais ampla, nas dimensões física e financeira, com foco no fluxo de caixa sustentável. Níveis específicos de receita requerem níveis correspondentes de custo/despesa e, dessa forma, essa segunda variável estará, também, sujeita a riscos elevados. Custos/despesas empresariais podem ser e são, com grande frequência, inquietantemente crescentes, precisando ser controlados e monitorados com excessivo rigor.
  9. E quanto ao investimento sustentável? Níveis específicos de receita e padrões operacionais seguros requerem, além de um custo/despesa sustentável, um nível de inversões em ativos tangíveis e intangíveis, sujeitos a riscos de implantação e operação. Adicionalmente, ao lado dos riscos clássicos da realização de investimentos, existe, ainda, o risco associado ao não-investimento, que, conforme o ramo de atividade, pode ser, literalmente, fatal.
  10. Caixas robustos de curto-prazo, que permitam ampliar premiações de acionistas (via dividendos) e dirigentes (via rendimentos e outros benefícios), podem ter sido obtidos à custa do futuro empresarial, a médio e longo prazos. Mas contextos de crise e mesmo janelas de oportunidades de negócios visualizadas como únicas podem favorecer pressões de curto prazo, alterando a priorização de dispêndios e favorecendo decisões que postergam aqueles que deveriam ser prioritários.


Este artigo não se estende sobre os ajustes de fluxo fluxos não-caixa, presentes na equação 3 da figura 1, dos quais um exemplo é a depreciação, considerada no cálculo do lucro e que não se constitui em um efetivo desembolso de caixa e sim em uma reserva contábil para futuros investimentos.

Tampouco se contemplam aqui o cálculo do valor econômico empresarial e do custo médio de capital - ou custo médio ponderado de capital -, que leva em consideração os capitais próprio e de terceiros, os quais merecem ser desenvolvidos em textos futuros.

Além disso, não se exploram, no presente texto, as oportunidades de novos negócios sustentáveis que podem ser criados sem dúvida, já que nem tudo é risco quando se discute esse tema tão importante para o capitalismo sustentável. Mas o risco – e mesmo ele tem o seu lado oportunidade - é o foco deste artigo e preocupa-nos, em especial, o risco que pode conduzir aos desastres ambientais.

Por que a gestão de riscos pode falhar a ponto de favorecer desastres ambientais?

Conforme dito, as equações 2 e 3 da Orquestra Societária explicitam os conceitos de lucro sustentável e de fluxo de caixa sustentável, suportados por uma gestão de riscos eficiente.

Ocorre que a gestão de riscos nas organizações pode violar, de maneira recorrente ou em determinados momentos da existência empresarial, as duas equações em questão. Isso ocorre, especialmente, quando a visão de longo prazo cede lugar aos interesses e pressões de curto prazo, favorecendo a elevação de riscos muito além do que a ética e a prudência recomendam. As consequências podem ser catastróficas.

Falhas sempre podem ocorrer, processos e projetos empresariais não são 100% isentos de riscos. Entretanto, e retornando ao desenho da Orquestra Societária, na figura 1:

  1. Os sócios encontram-se em uma posição de alta responsabilidade no referido desenho. Cabe aos mesmos o papel de estabelecer diretrizes claras para que a organização seja conduzida, pela Alta Administração, observando, com visão de longo prazo, a ética, as boas práticas de governança corporativa e a sustentabilidade nas dimensões econômica, social e ambiental.
  2. A Alta Administração é o maestro-mor da organização empresarial. Cabe a essa o papel de identificar, com clareza, os riscos empresariais, com especial enfoque naqueles de maior impacto. Mas não basta identificar e qualificar, é preciso atuar para que a organização enfrente, com segurança, e sem perder de vista a visão de longo prazo, os riscos que merecem ser enfrentados, bem como para que essa não assuma riscos intoleráveis e que firam a ética e destruam a lógica de sustentabilidade.
  3. Por fim, cabe a toda a organização – e não apenas à área especializada no tema riscos que venha a ser criada pela Alta Administração – zelar para que os riscos que permeiam todas as atividades organizacionais sejam devidamente tratados. Incentivos tangíveis e intangíveis podem ser adotados de maneira que seja criada uma sólida cultura empreendedora; porém, com lastro na segurança.


Neste ponto, uma reflexão específica merece ser feita. Quando se fala em risco, refere-se não apenas ao seu possível impacto nos negócios, mas também à probabilidade desse risco se materializar; entretanto, no caso dos riscos de desastre, muito mais prudência se faz necessária.

Apresentaremos, para fins de raciocínio, a tabela a seguir, conceitual, considerando um determinado evento “E” com impacto de valor supostamente elevado; porém, com distintas probabilidades de ocorrência, ou seja, de materialização do risco:

RISCO DO EVENTO “E”
A
IMPACTO
(
$ bilhões)
B
PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA
(%)
C
PERDA ECONÔMICA (PROBABILIDADE x IMPACTO)
($ milhões)
D
Situação 1 10 0,001% 0,1
Situação 2 10 0,01% 1
Situação 3 10 0,1% 10
Situação 4 10 1% 100
Situação 5 10 10% 1.000 (1 bi)

Na tabela em questão, estimam-se, para o evento “E”, o valor da perda econômica probabilística, correspondente ao produto do valor do impacto do risco pela sua probabilidade de ocorrência. À medida que a probabilidade se eleva, em função da ausência de despesas/investimentos de segurança, a perda econômica estimada se amplia.

Os valores da coluna D do quadro anterior podem não preocupar, à primeira vista, especialmente para menores probabilidades de ocorrência. Ocorre que à medida que a probabilidade se eleva, a variável realmente importante deixa de ser a perda econômica estimada (coluna D), para se tornar o próprio impacto (coluna B), embora não se possa identificar, com clareza, qual seria o turning point, ou seja, a probabilidade máxima aceitável, ao menos no exemplo conceitual em questão.

Uma pergunta decorre das considerações anteriores: qual deve ser a probabilidade máxima de ocorrência no caso de desastres ambientais (aliás, o raciocínio vale para desastres físicos, de maneira geral, como acidentes aéreos, por exemplo). Nossa resposta é de fundo ético: ela deve tender a zero, concordando, infelizmente, com a impossibilidade de efetivamente zerar o risco de qualquer tipo de evento operacional no mundo real.

Qual é a implicação da nossa resposta à pergunta do parágrafo anterior? Retornando às equações 2 e 3 da Orquestra Societária, na figura 1, entendemos que os conceitos de lucro sustentável e de fluxo de caixa sustentável devem ser internalizados pelos sócios e administradores das organizações empresariais, não devendo, ser violados.

Às considerações anteriores, acrescentamos que os desastres físicos e/ou ambientais, responsabilidade direta da Alta Administração:

  • resultam não de uma, mas de várias falhas nas operações empresariais que, infelizmente combinadas, criam um dado evento. Um avião, ao cair, provavelmente não cairá apenas por que o tempo piorou subitamente, mas por vários motivos simultâneos;
  • podem ser prevenidos, em grande medida, por meio de uma gestão de riscos sólida, capaz de prever falhas com acuracidade e de preveni-las por meio de mecanismos de proteção bem estudados, planejados, construídos e acompanhados;
  • podem ter suas consequências atenuadas, embora não esquecidas, por meio de práticas eficientes de gestão de crises.


E quanto às práticas de governança corporativa e a ética, como elas ajudarão a prevenir desastres?

Antes de nos referirmos a essas práticas, é importante dar um passo atrás e considerar os princípios clássicos da governança, expressos no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, quais sejam: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.

A nosso ver, a assimilação do princípio da responsabilidade corporativa, em especial, fortalecido pelos demais princípios citados, cria desdobramentos de alto impacto:

  1. Maior conscientização dos vários atores da Orquestra Societária, representada na figura 1, quanto aos seus papéis e responsabilidades, abrangendo especialmente os sócios, a Alta Administração e os demais públicos organizacionais.
  2. O entendimento de que a administração empresarial necessita considerar visões de curto, médio e longo prazos e, não apenas, de curto prazo. Observando que nem sempre o que parece óbvio efetivamente é assim considerado, na realidade prática das organizações.
  3. O reconhecimento da liderança como elemento fundamental de administração empresarial, expressa no modelo de gestão representado na Orquestra Societária e amplamente comentada em nossos artigos de edições anteriores desta Revista RI.
  4. A introjeção dos conceitos de lucro sustentável e fluxo de caixa sustentável ou, dito de outra forma, o abandono do conceito de lucro máximo de curto prazo, de maneira a contemplar uma gestão de riscos robusta e que favoreça a sustentabilidade. Enfatizando que a sustentabilidade e a gestão de riscos estão conectadas em profundidade.
  5. A certeza de que as estratégias corporativa e de negócios precisam contemplar a ética e a sustentabilidade. Comportamentos aceitos no passado não mais são aceitos pela sociedade moderna democrática e assim será, cada vez mais. Não se prevê o retorno dessa condição ao passado.


As boas práticas de governança corporativa, muito importantes e previstas no desenho da Orquestra Societária, serão uma resultante dos desdobramentos supracitados, observando que tais práticas afetarão a estratégia, a estrutura, os processos, as pessoas e os sistemas de recompensas, elementos que podem ser visualizados na Orquestra.

Não poderíamos deixar de citar a importância de atores como o Estado e as organizações midiáticas para que as empresas e outras organizações do capitalismo melhorem suas respectivas práticas de gestão de riscos e, consequentemente, ampliem sua sustentabilidade. Com respeito ao Estado, destacamos a definição de regras do jogo e a vigilância de sua aplicação (enforcement).

Com respeito à mídia, recomendamos a leitura da entrevista feita com a jornalista Sônia Araripe na edição nº 202 desta Revista RI. Acreditamos que a mídia pode contribuir em grande medida para a gestão de riscos e a sustentabilidade das empresas com informação qualificada e de bom alcance junto à sociedade, e ainda, por meio da participação colaborativa nos vários fóruns de debate sobre esses temas.

Concluímos este artigo convidando nossos leitores a nos remeterem suas considerações sobre o mesmo, agradecendo-lhes, desde já, por eventuais contribuições.


Cida Hess
é sócia diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cidahess@kpmg.com.br

Mônica Brandão
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...