Sustentabilidade

FLORESTAS TROPICAIS: UM MODELO DE GOVERNANÇA A SER IMITADO

Victor W. Hwang apresentou um white paper bastante interessante na faculdade de Direito da Universidade de Chicago, em 2012, que basicamente analisava como organizações inovadoras poderiam ser criadas e multiplicadas no contexto de uma economia sustentável. Segundo o autor, os negócios desenvolvem-se em um cenário de competição global feroz, os custos trabalhistas envolvidos são altos, e a demanda por crescimento e geração de lucro é interminável, o que implica um contexto completamente desfavorável ao crescimento sustentável.

Além disso as empresas vem sistematicamente se comportando da mesma maneira e com base nos mesmos princípios estabelecidos desde a Revolução Industrial e, portanto, ainda muito zelosas por padrões como hierarquia, controle, processos e fluxos organizados e pouco eficientes em gerenciar conflitos.

Portanto, quais seriam os possíveis elementos de inovação que poderiam ser introduzidos para gerar crescimento sustentável?

Engajamento de stakeholders e parcerias já vem sendo utilizados como estratégias deflagradoras de maior simbiose entre investidores e proprietários, produtores e consumidores uma vez que conseguem estabelecer relações que criam um valor compartilhado entre as partes o que por si já promove o tal crescimento.

O que Hwang pretendeu trazer à discussão foi o fato de que mais importante para o desenvolvimento econômico não são os ingredientes da produção, mas como são combinados e coordenados os seus elementos de maneira a fomentar a existência de uma nova fauna e flora, fazendo alusão ao comportamento da Natureza que gera novas espécies em número muito superior à soma dos elementos presentes na natureza. Em outras palavras, o maior valor econômico é concebido por meio da fusão por vezes inesperada de elementos muito diversos que, no conjunto, contribuem para a formação de um todo inovador.

O funcionamento da Natureza foi observado por Hwang e, mais especificamente, como se comporta o ecossistema das florestas tropicais fazendo surgir uma fauna e flora inusitadas. O estudo do autor levou-nos a refletir sobre o termo inovação sob um ótica diferente, buscando identificar um cenário em que ela poderia emergir de forma espontânea, meramente pela combinação desestruturada de elementos existentes, que se agrupam por vontade própria, se associam por atração e criam resultados positivamente surpreendentes.

Transportando para o mundo corporativo o ecossistema da floresta tropical imediatamente deparamo-nos com as organizações caórdicas, termo originariamente utilizado por Dee Hock (1999) para descrever uma instituição administrada por uma combinação de ordem e caos que provoca uma transformação no modelo de negócios provocando um crescimento sustentável. Dee Hock foi o fundador e ex-CEO da Visa International cartões de crédito onde implantou este modelo onde a distribuição de poder e riqueza tende a ser mais equânime, onde pode-se observar também uma maior compatibilidade entre o espírito humano e a biosfera.

Inovação é um processo vivo e dinâmico que simplesmente floresce e não há como ser induzido. Trata-se de “geração espontânea”, onde o movimento criativo não precisa ser estimulado para surgir. São as condições do ambiente e do contexto que naturalmente propiciam o aflorar do pensamento inovador que será o diferencial corporativo estratégico.

É exatamente nas organizações caórdicas, que imitam o funcionamento do ecossistema de uma floresta tropical, onde o resultado positivo inesperado acontece.

Dee Hock discute muito a utilização de parcerias e processo colaborativo que intensificam a geração de conhecimento inovador, como o que aconteceu com as empresas de start up no Vale do Silício americano, uma vez que as partes envolvidas – sempre muito diversas - estão altamente comprometidas em alcançar um objetivo comum.

Em uma estrutura onde os participantes trabalham muito próximos em prol de uma mesma solução, sob os mesmos estímulos naturais, é óbvio que a sinergia e a simbiose sejam prevalentes mesmo no cenário de diversidade das partes. As dimensões de respeito e cuidado passam a ser relevantes para o sucesso do projeto e as desigualdades são entendidas como oportunidades para o advento da consciência inovadora ao invés de ameaças e desavenças. Observa-se uma alta tolerância para o conflito e a liderança pela imposição de autoridade está fora de questão.

Assim como nas florestas tropicais, o inteiro sistema das organizações caórdicas não consegue controlar o processo interno de funcionamento, mas serve apenas como pano de fundo que oferece um ambiente adequado, com variáveis propícias para a criação de novas espécies de conhecimento.

São as normas não escritas que orientam os comportamentos dos indivíduos e preenchem as lacunas de estruturas sociais falhas, muito similarmente à conduta das agências de autorregulação que acabam assumindo um controle quando o regulador se mostra exausto, ineficiente e incapaz de suprir as necessidades dos regulados.

Hock comenta que estamos experimentando uma era de colapso dos arcabouços organizacionais e que uma nova fase e forma de agir e pensar está emergindo.

A Natureza não se preocupa em misturar elementos e gerar espécies que são maior em número do que os próprios elementos que deram origem a elas. Nos dizeres do biólogo e antropólogo Gregory Bateson “os maiores problemas do mundo são o resultado da diferença entre como a Natureza funciona e como as pessoas pensam”.

Portanto, analisando o estudo de Hwang e levando em consideração os preceitos das organizações caórdicas, entendemos que são estas as mais suscetíveis de naturalmente promoverem inovação e pensamento criativo. Neste sentido, se quisermos conceber inovação a melhor opção seria fomentar o modelo caórdico dentro das próprias organizações. Se conseguirmos nos alinhar com a forma como a Natureza funciona e nos espelharmos nas vantagens da diversidade e da ordem no caos talvez algumas questões corporativas possam ser melhor endereçadas.

Ninguém mais apto a introduzir este novo paradigma do que o conselheiro da companhia, honrando seu dever fiduciário de promoção da competitividade sustentável em busca da longevidade.

Espero que esta reflexão sirva para inspirar uma nova forma de se pensar as atividades de um Conselho de Administração, buscando uma real possibilidade de mudança que traga impacto positivo e inovação estratégica.


Ana Paula P. Candeloro.
é advogada, pós-graduada em Sustainable Business e Mestre em Sustainability Leadership, ambos pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Co-autora do livro: “Compliance 360º - riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo, 2ª edição”. Coordenadora e co-autora do "Governança Corporativa em foco - inovações e tendências para a sustentabilidade das organizações". Professora do Insper, e membro do Colegiado de Apoio ao Conselho do IBGC.
anacandeloro@uol.com.br


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