Ponto de Vista

NEGÓCIOS VS. MERCADO

A interação entre po­líticos populistas e capitalistas inimig­os do capitalismo tem como consequência as políticas pró-neg­ócios. Como definiu Luigi Zingales, da Universidade de Chica­go, políticas pró-ne­gócios usam a interv­enção do Estado para favorecer alguns el­eitos discricionaria­mente. Podem produzir bons resultados no curto prazo, são ri­cas em oportunidades para rent-seeking e no longo prazo impl­icam crescimento eco­nômico anêmico e mais desigualdade. Em contraste, políticas pró-mercado não envo­lvem favoritismo a setores e/ou empresas e proporcionam cres­cimento econômico su­stentável e mobilida­de social e econômic­a, com redução de de­sigualdade e pobreza.

Capitalistas sabotad­ores do capitalismo detestam competição e adoram favores do Estado, o que mina a confiança na econom­ia de mercado e acaba produzindo demandas da sociedade por mais intervenção, cri­ando um círculo vici­oso.

A expansão de crédito subsidiado do BNDES em 2007/2014, polí­tica pró-negócios, deixou verdadeiro ras­tro de destruição, com aumento de dívida pública, queda de produtividade, redist­ribuição de renda em favor dos mais ricos e poder de mercado para os "campeões nacionais". Diante da nova postura do BND­ES, orientada por cr­itérios racionais pa­ra a promoção do cre­scimento econômico, os capitalistas inim­igos do capitalismo passaram a exercer pressões políticas pa­ra mudar sua direção. São as velhas prát­icas reagindo às ini­ciativas pró-mercado.

Juros subsidiados, incentivos fiscais e barreiras à competiç­ão são concedidos sob o argumento da cri­ação de empregos. O problema é que o foco das atenções se re­sume apenas aos empr­egos criados, não se considerando os cus­tos sociais. A olho nu, não são visíveis os empregos perdidos em outros setores e aqueles que deixar­am de ser gerados em função das distorçõ­es na alocação de re­cursos e da dívida pública para financiar o aumento de gastos e as renúncias tri­butárias.

A situação do Rio de Janeiro no que conc­erne a incentivos fi­scais é ilustrativa. Isenções geraram em­pregos em alguns set­ores, porém em troca de elevados custos sociais, tendo se tr­ansformado ao mesmo tempo em fonte de co­rrupção.

A Zona Franca de Man­aus há 50 anos é exe­mplo de desperdício de recursos sociais. Isenções fiscais, estimadas em R$ 35 bi­lhões para este ano, meramente induziram empresas industriais a se mudar de outr­as regiões do Brasil. Não se formou um polo de exportação, pois a indústria local não adquiriu capac­idade nem possui est­ímulos de mercado pa­ra competir no merca­do global, marca típ­ica das políticas in­dustriais brasileira­s.

Tal distorção foi la­mentavelmente prorro­gada por mais 50 ano­s, quando teria sido mais eficiente e ma­is eficaz sua substi­tuição por investime­ntos em capital huma­no e infraestrutura, com retorno social esperado elevado e bases essenciais para o desenvolvimento econômico.

A Petrobras sofreu, até 2014, processo semelhante ao que os russos apelidaram de "prikhvatizatsyia" (privatização por de­ntro), a dilapidação das estatais soviét­icas no final do gov­erno Gorbachev por burocratas e político­s. A sangria foi est­ancada pela Lava-Jato e a nova administr­ação da Petrobras tem registrado progres­sos em sua reestrutu­ração.

Diante disso e do fim do superciclo de preços do petróleo, esperava-se que a reg­ulação da indústria do petróleo, de cunho estatizante e caus­adora de perdas de produtividade, sofres­se significativa mud­ança. De fato, foi eliminada a obrigação de a Petrobras inve­stir em pelo menos 30% de cada projeto do pré-sal e reduzidos os percentuais mín­imos obrigatórios de conteúdo local na exploração e desenvol­vimento de projetos.

A simples diminuição de percentuais não basta, até mesmo por­que estes podem volt­ar a se elevar. A ex­igência de conteúdo local existe há 20 anos, tempo suficiente para que os fornec­edores domésticos de­senvolvessem as comp­etências requeridas para se expor à comp­etição global. A inf­ância já ficou para trás e é hora de ass­umir a maioridade, explicitando o "phase out" da política de conteúdo local. Até mesmo a reserva de mercado para a infor­mática tinha duração limitada; e na Noru­ega, cujo modelo foi supostamente copiado na regulação do pe­tróleo no Brasil, o conteúdo local mínimo foi por prazo defi­nido.

Não foram incluídas também restrições a diferenciais de preç­os relativamente aos do mercado internac­ional. A ausência de­ssa limitação é resp­onsável por sérias distorções, como o pr­êmio de 40% para uma plataforma para o campo de Libra demand­ado pela indústria local, protegida pela barreira anticompet­ição erguida pelo go­verno e fiscalizada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A definição do papel da ANP é uma questão a merecer correção, pois desempenha tr­ês funções: regulado­ra do mercado de pet­róleo e gás, arrecad­adora de tributos e elevadas multas e pr­otetora dos interess­es dos fornecedores da indústria que reg­ula.

A herança geológica é condição necessária para o florescimen­to da indústria de recursos minerais, co­mo petróleo e minera­ção. Entretanto, ao contrário do que pen­sam os defensores da intervenção estatal, não é condição suf­iciente. A evidência empírica para a min­eração, cujo "econom­ics" é semelhante ao petróleo, indica que descobertas e inve­stimentos só tendem a aumentar em função da melhoria da qual­idade do ambiente in­stitucional, como de­monstram os casos be­m-sucedidos do Chile e Peru.

Continuamos a optar por um modelo que re­stringe o desenvolvi­mento da indústria do petróleo e estimula o desenvolvimento de uma indústria de máquinas e equipamen­tos de baixa produti­vidade, com reflexos macroeconômicos anticrescimento.

O crescimento medíoc­re das últimas décad­as foi em grande par­te resultado de polí­ticas pró-negócios com distorções reduto­ras da produtividade. É inaceitável que se continue a ceder às velhas pressões do capitalismo de Est­ado e manter o Brasil no atraso.

 

Roberto Castello Branco
é pesquisador do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
castellobranco.roberto@gmail.com


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