Livro

POR UMA BOLSA DEMOCRÁTICA

É com grande honra e satisfação que aceitei o desafio de prefaciar o novo livro de Raymundo Magliano Filho, Por uma bolsa democrática (Editora Contexto). Como de costume, Magliano oferece uma vez mais aos leitores uma oportunidade única para compreender o profundo significado da relação entre teoria e prática, pensar e agir.

Por uma bolsa democrática é, por assim dizer, um formidável exemplo dessa forma de observar e se posicionar no mundo. Mantendo firme sua posição de defensor da importância da sociedade civil – já manifestada em A força das idéias para um capitalismo sustentável e em Um caminho para o Brasil -, Magliano consegue dar vivacidade à figura do intelectual de que nos falava Norberto Bobbio, indispensável para a construção de uma saída democrática em tempos de crise.

Como o leitor deve saber, foi o autor deste livro o responsável por empreender uma verdadeira revolução cultural na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), entre 2001 e 2008, transformando uma bolsa até então elitista em uma bolsa popular, democrática. Sua trajetória, não por acaso, está repleta de exemplos que atestam sua especial capacidade de conjugar uma reflexão profunda com um agir efetivo, responsável e, por isso mesmo, duradouro. Os 10 anos completados em 2018 da chamada “desmutualização” da bolsa de valores, operação societária da qual participei ativamente, somente no plano da aparência reveste-se como uma mera questão técnica.Essencialmente, ela permitiu à bolsa de valores se manter atualizada frente a uma tendência mundial das bolsas e, com isso, garantir uma competitividade e capilaridade indispensáveis para que seus projetos (incluindo os sociais) tivessem continuidade.

Dito isso, é importante destacar que parte de toda essa narrativa acerca da “vida e obra” de Magliano foi apresentada ao público não especializado nos livros anteriormente mencionados. No entanto, é pelas páginas de Por uma bolsa democrática que podemos compreender a profundidade teórica (parte I) e o alcance prático (parte II) daquele período. Se a influência de Bobbio já era reconhecida e perceptível – note-se que foi ele o fundador do Instituto Norberto Bobbio – Cultura, Democracia e Direitos Humanos, do qual sou hoje diretor-presidente -, Magliano agora nos brinda com uma considerável dose de análise sociológica da mais alta qualidade. A partir das lentes de Max Weber e Urs Stäheli (entre nós, profundamente desconhecido), ele retrospectivamente desvenda sentidos até então inéditos do que chama de “fundo social” das bolsas de valores, contribuindo assim para esclarecer ainda mais sua posição de defensor de uma relação de reciprocidade entre instituições e sociedade civil, núcleo teórico de suas reflexões em Um caminho para o Brasil. Como não poderia deixar de ser, sua escrita leve e instigante proporciona ao leitor inúmeros exemplos concretos que atestam a fundamental importância – e real possibilidade – de materializar uma compreensão teórica aguçada em atitudes, um agir substancialmente orientado pelo fortalecimento da democracia através da sociedade civil.

Tal tema é absolutamente indispensável nos dias de hoje, tanto no plano nacional quanto no âmbito internacional. Seguindo a linha de Bobbio de um intelectual pessimista, e por isso mesmo realista, Magliano nos adverte sobre os caminhos que estamos trilhando e como nosso horizonte pode não ser tão radiante. Daí sua acertada insistência em considerar exemplos de sucesso que conjugaram crescimento econômico e social a partir de um olhar privilegiado à sociedade civil.

Nesse ponto, reitero ao leitor que iniciará a leitura destas páginas a mesma conclusão formulada ao final de Por uma bolsa democrática: a experiência da Bovespa – um dos maiores legados construídos por Raymundo Magliano Filho – deve ser compreendida como um case de sucesso do compromisso de defesa pelo futuro da democracia, mesmo em instituições tradicionalmente tidas como distantes dessa preocupação.

Como se pode perceber, o presente livro está longe de conter apenas idéias mirabolantes, nem envereda por uma linha de mera catalogação de ações passadas que teriam somente um sentido histórico. Indiscutivelmente, o que temos em mãos é parte de um processo mais profundo. É a construção constante e ininterrupta de um legado para a sociedade civil ainda maior, aquele que tem na difusão do conhecimento transformador seu verdadeiro motor, e que faz pulsar nela, sociedade civil, sua potência para se transformar em um autêntico e autônomo agente social em defesa do futuro da democracia, como diria Bobbio.


Celso de Souza Azzi
é presidente do Instituto Norberto Bobbio - Cultura, Democracia e Direitos Humanos; e sócio de Telles Pereira, Azzi, Ferrari, Lisboa e Almeida Salles Advogados.
celsoazzi@tafas.com.br


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