Enfoque

POR PRINCÍPIO, O QUE É APOSENTADORIA?

Aposentadoria está no centro do debate sobre Previdência. Muito se fala, pouco se explica e rapidamente se eleva o nível do debate incluindo aspectos de finanças públicas, métricas atuariais, expectativa de vida, renda média nacional entre outros conceitos complexos e cuja relação, quando não espúria, é apenas incidental. Ou seja, os debates de alto nível tergiversam e desviam do tema principal... Mas afinal, o que é aposentadoria? Onde nasceu? Como vive? Como se reproduz? De que se alimenta?

Para início de conversa vamos esclarecer que aposentadoria é um direito, que pode ser exercido ou não. É o direito de ficar parado (do alemão ruhestand), de se jubilar (do espanhol jubiliación), de se retirar (do inglês retirement, do italiano retiro e do francês le retraite) das linhas de produção e continuar sendo mantido pela estrutura produtivas recebendo uma pensão (do holandês pensione, do sueco pension e do romeno pensionare).

Buscando uma referência histórica e ainda sem entrar no mérito de como se adquire o direito à aposentadoria, é bom falar que o direito que se aplica aqui já estava catalogado e sistematizado antes mesmo do Brasil ser descoberto. Falo das Ordenações e Leis do Reino de Portugal, as quais foram vigentes no Brasil até 1916. Nas compilações ordenadas por Dom Afonso pode-se resgatar, no título XXXXVIII do livro segundo (ver ilustração na abertura), o entendimento de que a aposentadoria era instituto conhecido e empregado desde o século XIV, quando D. Fernando concedia aposentadorias por idade mínima de 70 anos.

Definitivamente a aposentaria é um direito. E, se é um direito, há de ser coisa boa!?! ... Mas, afinal que direito é esse que veio de Corte para a Colônia? Desta vez é Napoleão que nos envia a resposta e usa nossos patrícios para entregar o presente.

Eram os idos de 1808 e as tropas de Napoleão Bonaparte avançam em direção a Lisboa. A corte embarca para o Brasil e, nem nas malas, nem nos porões das embarcações, nem nos poucos momentos que faltavam para a invasão francesa, cabia as casas dos nobres. E então, desembarque em terras tupiniquins um grande problema... tínhamos uma corte, com centenas de nobres e fidalgos, chegando no Brasil e nenhuma casa para os acomodar. Dom João VI resolve a questão e decreta a instituição de aposentadorias, ativas e passivas! Estas aposentadorias eram o direito de se recolher a um aposento... ou seja, era um benefício in natura, que atingia um fim determinado, consumível e não acumulativo.

Mas o que significou a instituição destas aposentadorias para os brasileiros, afinal eles já moravam aqui, e já tinham suas casas? Significou que eles tinham que arcar com o provimento dos aposentos para que estava chegando... e quem chegava, não chegava para ser um hospede, mas ter o direito “real” de ocupar os aposentos. Sobrava, então, aos brasileiros o direito de ser desapropriado, nos casos das aposentadorias ativas, ou de passivamente ter de conviver com um novo senhor dentro de suas casas, no caso da aposentadoria passiva.

Diante deste breve levantamento de elementos históricos e rapidamente atualizando os conceitos, podemos constatar que a aposentadoria é um direito de natureza alimentar, [característica reconhecida pelo setor público como diversa de investimento], que é adquirido por indivíduos que trabalharam em uma estrutura produtiva e atingiram pré-requisitos para se retirar das linhas de produção sem que a provisão de meios para sobrevivência lhe sejam interrompidas. Fica claro também que a aposentadoria não é um direito hereditário, disponível, acumulável ou negociável. Ou seja, aposentadoria não é pensão, não é investimento... mas vamos deixar para falar disso e das distorções que a percepção do direito em espécie permitiu em um outro momento.

Por ora basta fechar nosso entendimento sabendo que, por princípio, a aposentadoria é um direito derivado do sistema produtivo, o mesmo sistema que garante que o dinheiro não será um mero papel pintado, pois existiram bem e serviços a serem adquiridos. Mas é importante também saber que nada define que a provisão dos meios para suportar a aposentadoria seja: in natura ou in pecunia; com recursos públicos ou privados; em sistema de repartição simples e sistema de capitalização. Ou seja, não existe apenas uma forma de aposentadoria e é por isso que importante definir e regulamentar seus limites, evitando que conflitos de interesses e descasos itergeracionais acabem por inviabilizar a estrutura produtiva do País.

Marcos Oscar Tisser
é analista de Governança da PREVI, formado em direito pela PUC/RJ, com mestrado em Administração pelo IBMEC.
tisser.mo@gmail.com


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