Educação Financeira

ACASO, AMBIÇÃO & GANÂNCIA

Vivemos em uma sociedade cada vez mais materialista na qual o consumo passou a ser o grande objetivo de parte da sociedade. Nesta sociedade materialista, vivemos sob a égide da meritocracia, que traz a ideia de que nosso destino é resultado apenas de nossas ações. Assim, a boa sorte seria dada para aqueles que lutaram por ela.

A ambição é constantemente louvada. Coachings, literatura de autoajuda e assemelhados afirmam que nossa vida é resultado dos nossos esforços, assim, quem luta duro terá sucesso e que quem fracassa é porque não lutou o suficiente.

Consultando o dicionário percebemos que é muito difícil localizar as diferenças entre ambição e ganância e, como bem sabemos, esta última é um dos pecados capitais do cristianismo. Mas, quem liga para pecados atualmente? Não compartilho a ideia de que após a morte seremos punidos por nossa eventual ganância na vida terrena, porém, acredito fortemente que a ambição excessiva ou a ganância podem prejudicar nossa vida aqui e agora.

A ideia de que somos inteiramente responsáveis por nosso destino é relativamente nova na humanidade. Ao longo da história, de uma forma ou de outra acreditávamos que forças superiores atuavam sobre nossa vida, portanto, sucesso ou fracasso, saúde ou doença transcendiam a causa de nossos atos.

Acreditarmos no fato de que nosso sucesso ou fracasso é exclusivamente resultado das nossas escolhas coloca sobre nós um peso bastante grande, capaz de prejudicar nossa boa vida. É incrível, mas, atualmente, até mesmo as doenças tendem a ser atribuídas única e exclusivamente ao nosso modo de vida. Quando uma pessoa perece frente a uma doença não são poucos os que tentam lhe imputar culpa.

As Moiras
De acordo com a mitologia, três irmãs (Átropos, Cloto e Láquesis) denominadas de Moiras têm por tarefa distribuir sorte ou azar entre os mortais. Também cabe a elas decidir o tempo de vida que cada um tem. A vida é representada por um fio, que é tecido por Átropos, enrolado por Cloto e cortado por Láquesis no momento da morte.

Os gregos acreditavam que eram comuns reuniões das Moiras, também chamadas de Destinos, para distribuir a sorte e a morte ao acaso. Para os gregos, a distribuição pelo acaso é a forma suprema de justiça, pois em uma loteria todos competem em igualdade de condições, sem privilegiados ou preteridos.

Os gregos aceitavam que algumas vezes os deuses ou as divindades pudessem interferir em favor de algum mortal para alterar o destino, porém persistia a ideia de que grande parte do “fio da vida” era dado ao acaso. É interessante perceber que na mitologia grega a primeira divindade a surgir foi o Caos, que retrata a desordem absoluta, mas há uma distinção entre a ausência de ordem e a ordem do acaso.

Na maior parte das religiões existe a crença de que o destino é regulado por um senso superior de justiça, que oferece a boa sorte àqueles que a merecem. Porém, estas mesmas religiões reconhecem que muito do que nos acontece, seja bom ou ruim, obedece a uma ordem a qual nós humanos não entendemos e que, portanto, devemos apenas aceitar.

Tenho dúvidas de que a boa sorte seja distribuída com equidade para aqueles que mais lutam por ela. Contudo, não tenho nenhuma dúvida de que atribuir a nós humanos a total responsabilidade por nosso sucesso, fracasso, saúde ou doença, negando o acaso ou os desígnios divinos é uma receita segura para uma vida triste.

Como conviver com as Moiras
Enquanto escrevia este artigo as redes sociais massacravam a reputação de uma jovem catarinense que virou assunto por propagar sua pretensa capacidade de transformar uma poupança modesta em um milhão de reais, o que imediatamente despertou a ambição, ou ganância, em seus seguidores. Sua história se mostrou não ser exatamente aquilo que ela dizia em um primeiro momento.

Não estou entre aqueles que condenam a jovem, não me parece que tenha feito por má-fé, mas, por ingenuidade. Tudo o que fez, seja de forma voluntária ou não, foi explorar vontade de seus seguidores em enriquecer muito de forma fácil. Torço muito para que ela tenha um brilhante futuro no mercado financeiro.

Todavia, me impressionou terrivelmente um vídeo do presidente da empresa, afirmando que seu marketing, do qual o vídeo da jovem faz parte, é exagerado, histriônico. No entanto, segundo ele, é a única forma correta de levar os brasileiros a investir em ações. Explicitamente o famoso discurso de que os fins justificam os meios. Ética as favas, o importante é conquistar pagantes para seus informativos.

Sou professor universitário há três décadas e dediquei grande parte da minha vida a propagar investimentos em bolsa de valores, sempre defendendo uma estratégia de gestão passiva com compras constantes de uma carteira diversificada e vendas também constantes ao longo do tempo. Mostro com fartos dados que a atividade de especulação é um jogo de soma zero, se um ganha outro perde, e geralmente quem perde são os pequenos investidores. Este pode não ser um discurso vendedor. Mas, me permite dormir tranquilo todas as noites.

Em relação à gestão financeira, digo aos meus alunos que é preciso entender que Láquesis pode cortar a qualquer momento o fio da vida, portanto não podemos deixar de aproveitar o presente em favor de um futuro incerto. No entanto, devemos estar preparados – uma vez que este fio também pode ser muito longo. Nesse caso, ter uma boa carteira de investimentos ajuda a suportar os desígnios das Moiras.

Penso que precisamos ensinar nossos jovens que ficar rico é muito diferente de ter uma vida rica. Acumular algum dinheiro para a possibilidade de vivermos muito é uma boa estratégia, porém, dedicar a melhor parte da vida apenas à acumulação pode ser um enorme erro, pois, sem qualquer aviso prévio o fio da vida pode ser cortado.

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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