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CVM QUER FACILITAR LITÍGIO CONTRA ADMINISTRADORES E CONTROLADORES DE COMPANHIAS ABERTAS

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública minuta de Instrução que fixa escala reduzindo, em função do capital social, as percentagens mínimas de participação acionária necessárias à propositura de ação judicial contra administradores de companhia aberta e ação de responsabilidade contra sociedade controladora, sem a prestação de caução, conforme previsão do art. 291 da Lei 6.404/76.

Em estudo mencionado pela CVM na audiência pública, há referência às disposições da Lei das S.A., que asseguram aos acionistas minoritários detentores, separadamente ou em conjunto, de pelo menos 5% do capital social, o direito de solicitar a convocação de assembleia em certos casos específicos previstos na Lei (art. 123, § único, alínea “c” da Lei das S.A.).

O estudo também destaca que “é patente a escassez de informações acerca da metodologia utilizada pelas mais variadas jurisdições para a definição dos critérios mínimos para permitir cada tipo de participação de acionistas minoritários no cotidiano das companhias e, em particular, no contexto das assembleias”.

De toda forma, o procedimento adotado pelo estudo, no sentido de comparar os critérios mínimos para pedido de realização de assembleias e para inclusão de temas na pauta, com a propositura de ações judiciais contra administradores e/ou controladores, em princípio, faz uma analogia que não nos parece apropriada.

Assembleias são meio para estabelecer acordo sobre decisões relativas à vida da companhia, ou seja, a construção de consenso. Litígios representam desgaste e custo para seus administradores e/ou controladores. As assembleias situam-se na linha dos eventos positivos. Os litígios, inevitavelmente, são negativos. Assim, o estabelecimento de percentuais mínimos para os dois casos deve obedecer a critérios díspares, próprios para cada situação.

O que propõe a CVM
A minuta de instrução da autarquia propõe dividir as companhias em cinco faixas, de acordo com o valor do capital social (sendo as separatrizes: 100 milhões, 1 bilhão, 5 bilhões e 10 bilhões), enquanto os percentuais oscilam entre 5 e 1%, inversamente conforme a faixa.

Portanto, a proposta de mudança poderá aumentar substancialmente o número de ações contra os administradores e controladores de companhias. Ela declaradamente se propõe a abrir espaço para o ativismo, que, na nossa visão, pode ser oportunista, com sérias consequências para a administração das empresas. Há casos em que os ativistas buscam benefícios particulares em detrimento dos demais acionistas.

O próprio estudo pondera que não existe na literatura um consenso sobre a definição de ativismo minoritário, segundo a Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM) da CVM, responsável pela elaboração do trabalho que serviu como base para sustentação da atual Minuta de Instrução.

A SDM cita que alguns estudiosos definem o ativismo como as atividades de monitoramento e tentativas de influenciar a estrutura de controle das companhias-alvo em função de decisões prejudiciais a seus interesses. Essas reações incluiriam tanto a venda de sua posição no mercado acionário quanto a inclusão de propostas na ordem do dia ou a tentativa de eleger representantes para os conselhos.

A visão do ativismo, que consta do estudo utilizado pela CVM, é teórica. Na prática, ocorrem situações ambíguas, com foco em interesses particulares dos ativistas. Cada caso concreto que baliza as iniciativas empresariais pode ser interpretado de maneiras distintas, sob ótica temporal diferente, criando uma percepção de risco para os administradores no ato de decidir.

Os acionistas ativistas que tem recursos para mover tais ações, em geral, são empresas dedicadas à gestão de investimentos com, no mínimo, centenas de milhões de dólares sob gestão, quando não trilhões, no caso das mais poderosas. Há casos de gestoras que administram recursos que superam algumas vezes os valores de mercado de todas as companhias brasileiras somados.

De um lado, temos companhias brasileiras enfrentando uma realidade econômica e política com elevado grau de instabilidade e grandes desafios para manter seu desenvolvimento. De outro, gestores profissionais e consultores jurídicos de alta capacitação buscando extrair recursos de situações muitas vezes apenas dúbias. Não é um jogo equitativo.

A consequência imediata da alteração proposta pela CVM será o incremento do custo global da administração. Seja pelo aumento dos valores dos prêmios de seguros, seja pela exigência de maior remuneração para cobrir o incremento de risco dos administradores. Além do estreitamento do horizonte do administrador, pela indução da alocação ineficiente dos ativos, privilegiando o conservadorismo, a ponto de afetar o desenvolvimento da empresa.

Outra consequência indesejada é a indução a evitar aumentos de capital no processo de desenvolvimento da empresa. As incorporações de lucros ao capital podem ser adiadas para manter a companhia em faixas com percentuais mínimos maiores para a interposição de ações contra administradores e controladores.

Finalmente, cabe destacar que pode ser muito perigosa a combinação da redução desses percentuais com a faculdade de aluguel de ações, da forma praticada no mercado brasileiro, incluindo a obtenção irrestrita apenas temporária da propriedade, sem comprometimento real com os interesses de longo prazo da companhia. Outra lacuna relevante é o fato de não haver o estabelecimento de um prazo mínimo de posse das ações. Seria razoável que o acionista que ajuíza uma ação contra administradores e/ou controladores tenha uma participação na companhia por um tempo considerável. Também cabe uma reflexão sobre o valor do investimento na companhia sobre o total administrado pelo gestor de recursos, de modo que aquela participação tenha expressão econômica vis-a-vis o total da carteira do acionista para admitir o ingresso com tais ações judiciais.


Alfried Plöger
é presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
abrasca@abrasca.org.br


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