Em Pauta

NOVOS DESAFIOS & OPORTUNIDADES PARA A ÁREA DE RI

A taxa básica de juros em seu menor nível histórico tem atraído ao redor de 100 mil novos investidores por mês ao mercado de ações trazendo novos desafios às áreas de RI. Além da multiplicação da demanda por informações, é preciso sair do tradicional, mudar a linguagem adotada, os canais de atendimento e, principalmente, entender as ansiedades deste novo público formado pelos mais variáveis perfis. Qual a receita? Esta é uma pergunta cuja resposta está em constante reformulação e varia de caso a caso. Em suma, a essência do papel do RI de ajudar os investidores a conhecerem o suficiente sobre as empresas para tomarem as suas decisões cruciais de investimento, como dizia o guru, William Mahoney, não mudou. Mas sua importância cresce em um cenário até então inédito no Brasil.

O recente fenômeno da multiplicação dos CPFs registrados na Bolsa, intensificado no último ano, está sendo analisado com cuidado pelos profissionais, pois qualquer passo a ser dado deve ser sólido. De dezembro de 2018 a janeiro de 2020, o número de cadastrados cresceu 125%, com mais de um milhão de novos ingressantes. Em algumas empresas, o percentual de incremento foi ainda maior. Na Itaúsa, por exemplo, em apenas um ano, o número de investidores cresceu 180%. Em dezembro, do ano passado, a companhia contava com 364 mil investidores. No Itaú, o incremento no último um ano e meio foi de 150%. No Fleury, a base se multiplicou por 13 em 12 meses e por aí vai.

“A área de RI se tornou um departamento cada vez mais estratégico para as companhias, principalmente, pela forma de comunicação e atendimento aos acionistas, hoje com muito mais interações. Há mais demanda para atendimentos e conteúdo mais variado nas perguntas/dúvidas”, diz Gabriel Succar, gerente de RI da Via Varejo, uma das empresas que mais se destaca pelo crescimento do número de investidores pessoa física.

As empresas que mais registram crescimento são aquelas cujo produto é mais voltado para o varejo, pois os investidores se identificam mais com a marca. Também atrai as pessoas físicas as companhias boas pagadoras de dividendos, em geral, menos voláteis e que são percebidas como alternativas de investimento de longo prazo. “As pessoas físicas têm preferência pela Itaúsa por conta dos dividendos altos. Este é um atributo interessante, pois a ação passa a ser vista como uma forma de fazer poupança. As pessoas estão perdendo o medo de investir em ações”, explica Bruno Brasil, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) e gerente de RI da Itaúsa.

Listada há apenas três anos, a Movida é outra companhia que tem se destacado entre as preferências das pessoas físicas. De fevereiro de 2017, quando abriu o capital até o momento, o número de investidores individuais saltou de 800 para 42 mil. Na visão do diretor de RI e Tesouraria da Movida, Fábio Costa, o crescimento exponencial que fez as pessoas físicas passarem juntas a deter 10% do capital total da empresa e 20% do free float, está relacionado à proposta de valor da companhia. “Estamos no segmento de varejo. O investidor é nosso cliente. Além disso, a empresa é uma boa pagadora de dividendos e suas ações valorizaram bastante no último ano. É o conjunto da obra”, atribui.

O valor médio aplicado pelos acionistas da Movida é baixo e o perfil diversificado, com destaque para as pessoas com menos de 40 anos. “Estamos começando a mapear os perfis. Percebemos uma grande penetração entre os jovens. Quanto ao valor aplicado, temos investidores com mais de R$ 1 milhão em ações e muitos com R$ 1 mil. A tendência é que o número de pessoas físicas continue a aumentar, com a B3 atingindo três milhões de CPFs no curto prazo”, prevê Costa.

A manutenção dos juros na casa de um dígito é um dos grandes impulsionadores do maior apetite ao risco das pessoas físicas para a busca por ações. “Antes era fácil obter ganhos reais na casa de 9% na renda fixa, correndo pouco risco. Estes recursos estão migrando agora para outros mercados na busca por rentabilidade maior. O potencial é enorme. Imagina se 10% dos trilhões que ainda existem em renda fixa migrarem para ações”, ressalta o superintendente de RI do Itaú Unibanco, Geraldo Soares. Ele lembra que todas as empresas com ações negociadas na bolsa registraram aumento de investidores individuais, mas aquelas que privilegiam a distribuição de dividendos receberam um número maior ainda.

Com 132 mil CPFs, a base acionária do Grupo Fleury foi multiplicada por 13 em apenas um ano. Em uma conta simples, pode se dizer que um a cada 14 CPFs da bolsa tem ações da empresa. Para Fernando Leão, diretor executivo de Finanças e RI do Grupo Fleury, o aumento da base acionária está relacionado ao crescimento da empresa e ao conhecimento da marca. “O grupo é reconhecido pelo alto nível de seus serviços. Os próprios investidores atestam nosso atendimento. Há esta interação”, destaca.

O Bradesco, marca conhecida das pessoas físicas e uma das companhias que mais detém investidores individuais, dispõe de todos os canais para atender os investidores individuais. O foco do banco, entretanto, é mais amplo. “Nosso olhar é holístico. Não observamos apenas um grupo, mas nosso compromisso é atender a todos os stakeholders. Para isso, usamos todos os canais disponíveis levando em conta as características de cada um. No mundo digital, as mídias sociais aumentam de importância. Somos ativos nas redes e contamos com equipes de monitoramento”, resume o diretor Executivo do Bradesco, Leandro de Miranda Araújo.

Curva de aprendizado
Acostumadas a atender basicamente os investidores institucionais por muito tempo, a transformação do mercado, impulsiona ajustes rápidos nas áreas de RI, mas movimentos mais ousados ainda não ocorreram por cautela. Assim, o momento atual é de análise do cenário por parte dos profissionais que passam a refletir sobre como adequar sua comunicação institucional, visando contemplar os investidores individuais.

“O ingresso forte das pessoas físicas vai se acentuar. A tendência que se configura é clara, mas este é um fenômeno recente e, antes de agir, as empresas estão tentando entender a cadeia de valor. Estão buscando respostas sobre como atender melhor esse público. É preciso saber o que fazer. Já vimos empresas começarem uma iniciativa no passado e depois recuar, o que pega mal. Tudo o que envolve relacionamento com outras pessoas inspira cuidado”, explica Bruno Brasil, presidente do IBRI.

O executivo alerta para o risco de adotar iniciativas rapidamente, sem o devido estudo. A postura é mais reativa do que proativa. Assim, as empresas mais reagem ao aumento da demanda do que adotam iniciativas para aumentá-la. “Os passos precisam ser sólidos, pois mexem com a imagem da companhia. É preciso evitar modismos. Assim, os RIs tendem a ser mais reativos”, diz. Neste sentido, o IBRI tem sido o palco das discussões sobre quais são as melhores formas de atender ao novo público, onde as trocas de experiências se tornam fundamentais.

“As transformações começam a partir de ideias. Os profissionais de RI precisam compartilhar experiências, expor suas necessidades, lições aprendidas e melhores práticas e, sobretudo, apresentar suas idéias e soluções. A partir dessa construção coletiva de conhecimento realizada de forma contínua, o IBRI poderá atualizar e disseminar as melhores práticas conforme o mercado se transforma”, ressalta André Vasconcellos, diretor Técnico do IBRI.

Fora da Faria Lima
Enquanto iniciativas mais ousadas ainda estão em análise, algumas mudanças necessárias já mapeadas estão em curso. “Existe uma grande responsabilidade neste momento que é ajudar na educação financeira. O que vai ser deste mercado em dez anos? Sabemos que o mercado é cíclico. A questão é como estas pessoas irão reagir na primeira crise. Elas estão preparadas para isso?”, destaca Soares, do Itaú.

Uma das formas de auxiliar no entendimento da pessoa física sobre como funciona o mercado e o que influencia o desempenho das ações é a adaptação da linguagem. É preciso simplificar a linguagem. Deixar de falar somente para a “Faria Lima”, comenta Costa da Movida.

Neste sentido, concisão e clareza são as grandes armas. “É preciso ter didática ao informar com linguagem objetiva. Menos é mais! O desafio da concisão é grande, pois é mais fácil escrever uma lauda inteira do que apenas um parágrafo sobre o mesmo assunto. A questão não é mudar a mensagem, mas sim deixá-la mais clara”, avalia Soares.

Exemplos sobre a importância da linguagem mais acessível não faltam e os RIs sentem a importância disso na pele. Não é incomum que a divulgação de fatos relevantes que utilizam a linguagem mais técnica gere uma série de questionamentos no mesmo dia ou no dia seguinte. Ao adaptar o documento tornando-o autoexplicativo isto pode ser evitado.

“Antigamente, a demanda dos RI era praticamente 100% voltada para atender analistas do sell side e investidores institucionais. Desde 2019, com o aumento de pessoas físicas na bolsa, passou a existir maior interesse dos investidores em falar com as companhias e entender os negócios. Na grande maioria, os investidores PF querem saber sobre dividendos e se preocupam com alguma notícia publicada sobre a companhia”, diz Marília Nogueira, gerente de Relações com Investidores da EDP Brasil.

Ela destaca a necessidade de ajustar a linguagem. “Muitas vezes, um discurso mais técnico sobre um determinado tema precisa ser explicado de uma forma mais coloquial. Aqui na EDP, desde o início de 2019, passamos a gravar vídeos sobre os Resultados Trimestrais, nos quais o CEO e CFO explicam de forma mais simples os principais destaques do período”, conta. Marília lembra que um dos desafios da empresa ocorreu ano passado, quando as distribuidoras da EDP passaram pela revisão tarifária, um tema relevante para a evolução dos negócios, mas muito técnico e complexo. “Nos vídeos, tentamos tratar o assunto com uma linguagem mais simples”. Para este ano, a meta da EDP é a criação de vídeos e temas específicos como ESG e Inovação, por exemplo.

Vídeos e podcasts se tornaram uma tendência neste quadro e a maioria das companhias já adota ou pensa em adotar este formato de comunicação. “A evolução tem ocorrido de forma muito rápida e a área de RI quer estar próxima deste investidor. Estamos abrindo cada vez mais informações. O investidor está no centro”, afirma Leão, do Grupo Fleury. Recentemente, o grupo fez uma parceria com o site Infomoney, que transmitiu ao vivo a divulgação dos seus resultados. Após a teleconferência, os executivos responderam as perguntas dos cerca de 3 mil investidores que participaram da transmissão através do site.

Influenciadores
Outra forma de se aproximar mais das pessoas físicas é o contato com os profissionais que usam das mídias sociais para falarem do mercado acionário: os influenciadores. Por empregarem uma linguagem mais simples ao falarem de investimentos, eles contam com um público grande de pessoas físicas que os seguem e são influenciadas por suas dicas para tomarem suas decisões de investimentos. “As pessoas físicas dificilmente procuram diretamente a empresa. Por isso, estamos estudando maneiras de estabelecermos uma comunicação mais efetiva com esse público”, conta Leão. Uma das iniciativas bem-sucedidas do Grupo foi um evento realizado no ano passado com o canal Primo Rico.

Além dos influenciadores, as empresas também têm se aproximado dos analistas - tanto de corretoras quanto das casas de análises independentes - que, assim como as pessoas físicas se multiplicaram no mercado. A busca é por se tornarem protagonistas da própria história. “Estamos com uma agenda ativa com as casas de análise independentes e com os influenciadores digitais. É um conjunto de ações que antes não existia nas áreas de RI. O mercado mudou. A demanda mudou e estamos buscando canais para atender a este novo mercado”, resume Costa.

Demanda
Muitas iniciativas vêm sendo testadas. Entretanto, alguns posicionamentos são cruciais para que o investidor pessoa física se sinta bem atendido. Na edição passada (Fev.2020), a Revista RI ouviu o lado do investidor. Em resumo: eles esperam transparência, interação com o RI, criação de valor da empresa e de sua ação, esclarecimento rápido e menos assimetria de informações.

“Atender a todos pessoalmente é impossível. As áreas de RI não têm braços suficientes para isso. Por esse motivo, é preciso alavancar o uso de ferramentas. Ter, por exemplo, um website competente que responda as dúvidas comuns como o pagamento de dividendos. As mídias sociais podem ser uma alternativa. De qualquer forma, a comunicação deve ser clara”, recomenda Bruno Brasil.

Muitas empresas reformularam seu site para torná-lo mais responsivo, facilitando o acesso a informações e respostas às principais dúvidas. Outras foram além e criaram bots que atendem às principais perguntas dos investidores. Tal tecnologia facilita o atendimento ao investidor, que tem a dúvida sanada na hora e reduz o volume de demandas diretas na área. A recomendação é se antecipar às dúvidas geradas. Agora, por exemplo, o assunto será a declaração do Imposto de Renda. Por que não colocar um destaque na home de RI que responda aos principais questionamentos?

Proximidade
Os eventos presenciais se tornaram ainda mais importantes dentro do quadro atual, com o aumento da participação das pessoas físicas. Este movimento levou às empresas a intensificarem as agendas de RI com a realização de reuniões públicas fora do eixo Rio-São Paulo. No caso do Itaú, o público contabilizado nos 16 eventos, conhecidos como Apimecs no jargão do mercado, realizados ao redor do Brasil registrou, em média, crescimento de 25%. Em algumas capitais, o aumento chegou a 40%. “As reuniões são uma forma de estarmos próximos às pessoas físicas”, observa Geraldo Soares.

O Bradesco também registrou incremento de 20% a 25% dos ouvintes de suas Apimecs. “Não fazemos distinções de praças, mas há algumas que, historicamente são mais demandadas que outras até mais que o eixo Rio-São Paulo”, diz Amaral, do Bradesco.

Dado não é informação
A informação é o ingrediente chave do processo de avaliação. É a qualidade da informação que faz a diferença entre uma boa ou má decisão de investimento e ajuda analistas e investidores a tomarem decisões mais bem fundamentadas sobre os fatores positivos e perspectivas fundamentais das empresas. A informação se traduz em conhecimento e discernimento e, portanto, não pode ser jogada de qualquer jeito.

“A percepção do valor da atuação do profissional de RI não é trivial. Além da informação necessária para a tomada de decisão, os investidores e aqueles que processam tais informações - como administradores de carteiras, analistas e consultores de valores mobiliários - precisam ter confiança na integridade do processo de divulgação e, sobretudo, devem ter a apresentação mais adequada às suas necessidades”, destaca Vasconcellos, diretor técnico do IBRI.

Em suma: dado não é sinônimo de informação. “As informações relevantes precisam ser destacadas, os fatores de risco precisam ser apresentados de forma inteligível, dentre outros imperativos cuja disseminação ainda é precária em muitas companhias. O profissional de RI tem uma responsabilidade perante os usuários da informação e sua atuação não pode se resumir no cumprimento formal das obrigações regulatórias. Um aumento na qualidade da informação gera valor para a companhia e para seus acionistas e o profissional de RI tem um papel central neste processo”, explica.

Desta forma, o fortalecimento da profissão requer a criação de uma cultura de conformidade e de excelência na qualidade das informações prestadas. A companhia e o RI atingem a satisfação dos seus investidores por meio da rentabilidade das ações e do desempenho dos serviços dedicados ao mercado de capitais, inclusive redes nas sociais e em eventos de mercado.

Jornada do Investidor e Inteligência Artificial
O uso de novas tecnologias como a Inteligência Artificial para conhecer melhor o perfil do investidor e sua jornada ainda é bem incipiente no Brasil, ou melhor, quase zero. Poucas companhias mapeiam o perfil de seus acionistas atuais e futuros e quase nenhuma utiliza a tecnologia para entender quais as ansiedades deste público. A prática, amplamente adotada no marketing para ampliar a cadeia de vendas, ainda não parece estar no radar das companhias abertas quando o assunto é mercado acionário e ainda deve demorar a ser utilizada, diante do receio e cuidado requeridos pela LGPD que entra em vigor este ano. “Ainda vejo esse tema embrionário no Brasil”, diz Marília Nogueira, da EDP.

Para entender a jornada do investidor e atender melhor à sua demanda por informações, entretanto, as companhias têm realizado pesquisas junto aos acionistas que frequentam suas reuniões públicas. Desta forma, é possível mensurar o próprio desempenho das áreas de RI e aprimorar o atendimento. “Existe e muito essa preocupação no RI. Sempre realizamos pesquisas dos eventos que organizamos e dos materiais que publicamos. Nos ajuda a buscar sempre uma melhora contínua”, comenta Succar, da Via Varejo. A mesma postura é adotada pela Movida e o Grupo Fleury. No caso do laboratório, a pesquisa de satisfação do público é abrangente e mede deste a temperatura do ambiente ao conteúdo abordado.

Vasconcellos lembra que a companhia e as áreas de RI, de modo geral, gerenciam as expectativas dos investidores por meio de pesquisas qualitativas e quantitativas nos diversos canais de comunicação da companhia, inclusive nas redes sociais e em eventos de mercado. “O RI, para atender melhor a este novo público, deve identificar as exigências e as expectativas dos agentes de mercado; monitorar e avaliar o desempenho dos seus serviços de RI e alinhar as expectativas e percepções dos investidores. O processo de materialidade também deve ser revisto periodicamente para atender a esses novos anseios para que indique quais temas e indicadores devem ser refletidos no relato corporativo”, explica.

Para André Vasconcellos, diretor do IBRI, entender o que deseja o investidor é mais que uma tendência, mas sim faz parte da profissão. “Informação é a principal matéria-prima do profissional de RI. É necessário mapear quais informações são relevantes para os investidores, como e quando serão divulgadas e qual o fluxo informacional em uma companhia”, afirma.


Continua...