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Sustentabilidade

A AMAZÔNIA ESTÁ EMITINDO CO²: POR QUE TEMOS QUE NOS PREOCUPAR COM ISSO?

Em termos de eras geológicas, estamos vivendo no Antropoceno, considerada a época em que as atividades humanas têm modificado ecossistemas de forma irreversível. Estamos vivendo exatamente este momento em relação à Floresta Amazônica. O artigo publicado no último dia 14 de julho pela revista Nature, liderado por uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostra que, entre 2010 e 2018, a região passou a emitir mais gases de efeito estufa em função das queimadas do que a própria floresta é capaz de absorver. A região leste da floresta emitiu mais CO² do que a região oeste, com um saldo final entre absorções e emissões correspondente a 0,87 bilhões de toneladas/ano. A Amazônia deixou de sequestrar da atmosfera cerca de 0,19 bilhões de toneladas de CO² por ano e apenas 18% das emissões por queimadas estão sendo absorvidas pela floresta.

Os dados da Floresta Amazônica sempre impressionam. Ela abriga 25% de toda a flora e fauna terrestre e é a maior extensão de floresta tropical do planeta, com uma área de 5,5 milhões de km2 que abrange territórios em 8 países. A floresta não é o pulmão do mundo, já se sabe que o principal fornecedor de oxigênio do nosso planeta são os oceanos – igualmente em risco pela pesca predatória e poluição – mas podemos falar de sua forte influência no equilíbrio do clima na América do Sul e até globalmente.

Os impactos e preocupações a partir do resultado do estudo são muitos. Estudiosos como o professor Carlos Nobre, um dos principais conhecedores do tema, já apresentaram estudos que consideram que a floresta pode chegar a um ponto de não retorno (tipping point) com 20 a 25% de área desmatada, o que tornaria impossível impedir que ela se tornasse uma região de savana. A The Nature Conservancy, em matéria publicada no último ano, aponta que já perdemos 14,2% da floresta e que, se não agirmos no curto prazo, o ponto de não retorno seria atingido em 2039.

O fenômeno de savanização da Amazônia impacta severamente a biodiversidade, com perda de espécies nativas de fauna e flora relevantes para a indústria local e até mesmo para a economia brasileira, mas os impactos vão muito além. A regulação climática é fundamental para a atividade agropecuária que pode sofrer cada vez mais com a mudança de temperaturas e do padrão de chuvas, tornando inviável, por exemplo, a produção de grãos no Cerrado. Em âmbito nacional, os rios flutuantes, decorrentes da evaporação de água das árvores da floresta, são responsáveis pela regulação climática e de chuvas em outras regiões do país e pelo abastecimento de bacias hidrográficas, o que pode também comprometer a geração de energia hidrelétrica. Isso, aliás, já está acontecendo.

Uma das principais causas desse fenômeno é o aumento de queimadas na região do bioma amazônico. O monitoramento do INPE aponta que, nos últimos 3 anos, foi relatado o maior número de queimadas, com 15,7mil focos ativos. Em maio de 2021, as queimadas na Amazônia Legal aumentaram 49% em relação ao ano anterior. A principal finalidade das queimadas e do desmatamento na floresta é a mudança de uso do solo para atividades agropecuárias ou para o garimpo, geralmente ilegal, que tem efeitos sobre a preservação do bioma amazônico e, especialmente, contribuem para a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. As emissões por mudança de uso da terra são responsáveis por 44% das emissões do Brasil.

O desmatamento também apresenta dados preocupantes. O primeiro semestre de 2021 apresentou a maior área sob alerta de desmate da Amazônia dentro dos últimos seis anos. Foram 3.325,41 km² de área desmatada (INPE, 2021), conforme o gráfico abaixo:

Áreas sob alertas de desmatamento na Amazônia

Áreas sob alertas de desmatamento na Amazônia

Fonte: G1 | INPE.

O mercado financeiro brasileiro e internacional já entendeu que a pressão sobre a Amazônia pode ter impactos relevantes sobre a economia brasileira. Entre engajamentos de investidores, cartas de empresas e até mesmo negociações entre chefes de Estado, a Amazônia é um calcanhar de Aquiles.

Em 2019, 230 investidores, com um total de USD16 tri em ativos sob gestão, assinaram uma carta pedindo ações efetiva de combate às queimadas e ao desmatamento na Amazônia. O documento fazia uma solicitação direta às empresas, de observância e transparência na divulgação de informações sobre os impactos de suas operações e suas cadeias de valor sobre o desmatamento. O engajamento se repetiu em 2020 com uma segunda carta, nesta ocasião orientado ao Governo Federal, em que investidores institucionais ameaçavam desinvestir de títulos do governo brasileiro caso não fossem tomadas medidas de mitigação e prevenção ao aumento do desmatamento na Amazônia. O vice-presidente Hamilton Mourão, entre outras autoridades políticas e econômicas, recebeu o grupo de investidores para conversas sobre o tema.

A fuga de recursos internacionais, as sanções a produtos brasileiros e a perda de reputação internacional já são sentidos em alguns setores da economia, notadamente no agronegócio. A contradição é que o Brasil possui um Código Florestal robusto, empresas que adotam boas práticas, mas ainda falta demonstrar essas ações com maior clareza. Para o investidor, definitivamente à mulher de Cesar não basta ser honesta. Tem que parecer honesta e, indo além, demonstrar isso com mais clareza ao mercado.

Internamente, tanto os setores da economia real como as instituições financeiras se movimentam para endereçar a questão do desmatamento não do ponto de vista ambiental, mas estratégico e de negócios. O Conselho das Empresas Brasileiras pelo Desenvolvimento Sustentável, CEBDS, também reforçou este movimento no último ano por meio de uma iniciativa que teve a adesão de 70 CEOs de diferentes setores da economia, também endereçada ao governo federal. Da mesma forma, os três principais bancos que atuam no Brasil – Bradesco, Itaú e Santander – lideraram um movimento sem precedentes para criação de medidas de análises mais rígidas de risco socioambiental para concessão de crédito, bem como da criação de linhas atrativas para atividades e setores da economia que sejam compreendidas como contribuições ambientais e sociais positivas ao desenvolvimento sustentável.

Cobranças pela preservação da Amazônia também foram públicas e explícitas ao Brasil em abril deste ano, como ponto determinante para sua entrada na OCDE, movimento cobiçado pelo governo desde 2019 quando do início do mandato do atual presidente. A provocação feita nessa ocasião alçou o tema como premissa para acordos comerciais. Mais do que isso, a cúpula estendeu a responsabilidade para além do governo, trazendo a pauta para o setor privado como agente fundamental na viabilização de investimentos para preservação ambiental.

O papel das empresas e dos investidores é fundamental. Por um lado, das oportunidades de negócio, podemos direcionar capital e promover o desenvolvimento de atividades que impactam positivamente o desenvolvimento local, por meio de incentivo ao empreendedorismo e culturas tradicionais, valorização pelos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, condições comerciais mais atrativas a produtores que atendam regras de boas práticas ambientais e sociais. Isso reforça a robustez das cadeias de valor de grandes empresas, além dos efeitos do desenvolvimento social para o mercado de consumo, a geração de renda e o crescimento econômico. Por outro lado, do risco, considerando as condições de negócios como conhecemos e estamos acostumados, é responsabilidade das empresas ter atenção a seleção e monitoramento de sua cadeira de fornecedores, conhecer de onde vem os insumos que abastecem sua produção, a origem da madeira que abastasse sua fábrica, seu comércio ou até mesmo, a sua residência.

Ao fim, os fatores que nos fazem preocupar com a Amazônia podem ser descritos a partir de quatro vertentes:

(i) Limitações e consequências físicas: a limitação na disponibilidade de recursos naturais e consequências adversas das mudanças do clima, com potencial de colapso do sistema produtivo para alguns setores-chave da economia brasileira;
(ii) Aumento da pressão regulatória: embora tenhamos diretrizes e regulamentos claros a serem cumpridos, é urgente a necessidade do estado em reforçar o poder de fiscalização e o monitoramento através não apenas de investimentos em tecnologia e pessoal, mas também de governança, compreendendo a gravidade e priorizando a agenda;
(iii) Comportamento da demanda: mais do que a tendência local de consumidores tomarem decisões de compra mais conscientes, que consideram questões sociais e ambientais, já há critérios ambientais e sociais implementados por países desenvolvidos para importação de produtos brasileiros. É vital para a balança comercial brasileira que esses critérios sejam atendidos e bem representados;
(iv) Acesso a capital: Em uma perspectiva de mudança do padrão de comportamento da demanda, instituições financeiras relevantes e com disponibilidade de capital, ajustam gradativamente seus valores e tomada de decisão de investimentos aos valores da sociedade. Não teremos capital em condições competitivas se não abordarmos esses temas.

Podemos inverter o discurso e nos tornarmos mais proativos nas discussões ligadas à agenda ambiental, especialmente em relação à Amazônia. O risco de inação, neste caso, tem um custo bem maior do que a prevenção dos danos ambientais e suas consequências sobre a nossa atividade econômica e, claro, as condições de vida em diferentes regiões do Brasil. Não há uma solução única para um problema tão complexo, mas a colaboração entre os diversos atores da economia e a combinação dos indutores de mudança podem gerar caminhos para que não atinjamos o ponto de não retorno.

Nas nossas discussões sobre as questões ESG, dizemos sempre que podemos adotar medidas por convicção sobre a importância do tema ou pela conveniência em não ser o vilão nessa história. Independente do caminho adotado, o momento exige que tomemos medidas concretas. Aos que sobrarem, a adoção virá pela régua de compliance. 

Maria Eugênia Buosi
é economista, mestre em Finanças, e atua com sustentabilidade há 15 anos. É CEO da Resultante ESG, Escritório especializado em integração ESG, Research, Consultoria e Educacional para o planejamento e análise de riscos.
eugenia.buosi@resultante.com.br

Talita Daniela da Silva
é graduanda em Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo e trabalha na Resultante ESG, na área de Risco Socioambiental.
talita.daniela@resultante.com.br


Continua...