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A aprovação pela Câmara dos Deputados, no dia 3 de maio, do requerimento de urgência para tramitação do Projeto de Decreto Legislativo 94/22 tem sérias implicações para o desenvolvimento econômico do País. O propósito do PDL é sustar reajuste de tarifas de energia elétrica do Ceará, homologado pela Aneel, agência reguladora do setor de energia elétrica.
A justificação da medida não está sustentada por erro ou vício na decisão da agência reguladora. Simplesmente o reajuste homologado é comparado com índice geral de preço, no caso o IPCA, e ressaltado que ocorre “descompasso da resolução” (que homologa o reajuste) “com a situação socioeconômica da população brasileira em geral, especialmente, da população” da região afetada.
Índices gerais de preços, como o IPCA, são médias de aumentos de toda a economia. Eram usados na época da hiperinflação para indexar todos os preços tornando a rigidez inflacionária um pesadelo para as autoridades econômicas. Reajustes baseados em fatores específicos de custos passaram a ser utilizados exatamente para evitar a indexação generalizada. A lógica da justificação do PDL 94/22 é um retrocesso por voltar a utilizar como referência exclusivamente um índice geral de preços.
Além disso, o PDL susta o reajuste sem colocar nada no lugar. Apenas congela o preço, impedindo sua alteração. Não há nenhuma disposição ou esclarecimento sobre o que deve ser praticado doravante. Apenas um impedimento de que as regras vigentes produzam seus efeitos. E, como não propõe o congelamento das tarifas em toda a cadeia, condena a empresa da ponta, a distribuidora, à falência. Ela vai ter que arcar sozinha, sem repasse ao consumidor, com o custo da elevação dos preços das geradoras. A lógica econômica do decreto é demasiadamente rasa.
Os fatores e cálculos que são hoje considerados nas regras de reajuste dos preços administrados das concessões são extremamente complexos e trazem longo histórico de circunstâncias particulares de cada setor. A justificação do PDL não considera fatores específicos que fizeram as tarifas se comportarem excepcionalmente.
As bandeiras vermelhas, para desestimular o consumo em razão da crise hídrica, e a utilização de maior proporção de energia gerada por termelétricas, de maior custo de produção do que a hidráulica, são fatos que redundam em aumentos de tarifas acima da inflação, por causas naturais, entre muitas outras causas, inclusive medidas legislativas criando encargos novos. A MP 579/2012, que teve motivação eleitoral, trouxe uma determinação inacreditável: obrigou as empresas do setor elétrico a se endividarem para adiar aumentos de preços. O represamento de repasse de custos e as despesas financeiras desse endividamento, estimados em R$ 200 bilhões por especialistas do setor, foram pagos pelos consumidores por aumentos das tarifas muito acima da inflação em longos anos subsequentes.
Durante a pandemia, reajustes ficaram represados e créditos tributários das concessionárias referentes a ações judiciais por elas impetradas, arguindo tributos, foram utilizados para postergar reajustes. O setor energético fez a sua contribuição no momento mais difícil para a população. Todos esses fatores têm que ser considerados no cálculo das tarifas que seguem normas detalhadas estabelecidas nos editais de licitação das concessões.
Tais editais estabelecem regras que conferem direitos às concessionárias e são considerados por elas, na hora de fazer seus lances nas licitações. As empresas pagam ao setor público por tais direitos, gerando receitas para o Estado. Se as regras fossem outras, os valores oferecidos por elas nos leilões seriam outros. As regras de reajuste de tarifas fazem parte deste contrato. Não podem ser alteradas unilateralmente em função da “situação socioeconômica da população brasileira”. E é isso que o PDL procura fazer.
Esses reajustes também não podem ser objeto de negociação caso a caso. Tem que haver regras pré-existentes válidas a longo prazo, fundamentadas em critérios técnicos e transparentes. Concessões são investimentos de 20 a 30 anos. Há necessidade de estabilidade.
Se o poder legislativo decidir mudar essas regras, deveria ser apresentada uma proposta de marco legal novo, compreendendo todos os setores objeto de concessões em todo o País, respeitando os direitos das concessionárias que venceram licitações baseadas nas regras atualmente existentes. É um desafio de alta complexidade.
A aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 94/22 seria um golpe duríssimo na credibilidade das instituições brasileiras. Para os empreendedores privados representaria um caso muito relevante de insegurança jurídica, mesmo que a inevitável judicialização que ocorrerá possivelmente venha a reverter os efeitos do decreto. Até o fim do possível litígio, investidores e população amargarão a derrota pela insegurança jurídica: o primeiro pode escolher alocar seus recursos em outras aplicações, o segundo continuará pagando a conta mais cara no mercado – a da imprevisibilidade. E o investimento no setor de energia elétrica, permanentemente indispensável para sustentar o crescimento econômico do país, sofrerá uma grande retração.
Ou seja, caso ocorra, essa aprovação terá o poder de destruição de uma reação em cadeia explosiva da confiança indispensável às decisões de investimento privadas em concessões de infraestrutura. Os efeitos não serão apenas sobre a distribuição de energia elétrica. Saneamento, rodovias, portos, transportes, aeroportos, enfim, todos os setores de serviços públicos serão potencialmente afetados. Há que se ter cautela.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br