Registro

15º CONGRESSO IBGC ABORDA CRIAÇÃO DE VALOR E QUESTIONA DOGMAS

Em meio aos debates sobre mudanças climáticas, sustentabilidade e pensamento integrado, a necessidade de se alterar o olhar sobre a criação e a destruição de valor pelas organizações na sociedade é evocada com veemência pelo Príncipe Charles, em vídeo de abertura especial à edição 2014 do Congresso IBGC de Governança Corporativa. “É hora de mudar”, conclamou.

Com a ideia de mudança e com questionamentos a teorias consagradas, nos dias 13 e 14 de outubro, em São Paulo, o evento reuniu público de mais de 600 pessoas, entre congressistas, palestrantes, moderadores e jornalistas. A iniciativa evidenciou o envolvimento de diferentes partes interessadas e trouxe, em suas nove plenárias e nove painéis simultâneos, temas transversais da Governança Corporativa.

A responsabilidade das organizações, o papel dos agentes da Governança, como controladores e acionistas, bem como valores e estruturas da Governança estiveram no cerne do debate (acesse o programa em http://goo.gl/Ll6j6m).

Durante toda a manhã do primeiro dia, a discussão abordou aspectos como o foco excessivo no retorno ao acionista, o fato de executivos e acionistas, de um modo geral, estarem preocupados com os resultados no curto prazo e como as crises financeiras e os escândalos corporativos contribuíram para a percepção de uma necessária adoção efetiva das práticas de Governança.

Para o sócio-fundador da Direzione Consultoria Empresarial, Alexandre Di Miceli, o objetivo maior da Governança não está sendo alcançado e este é um momento oportuno para se refletir sobre o assunto.

Ele sinalizou que a discussão está em movimento nos EUA há 30 anos, enquanto no Brasil, 20 anos, sendo tema-chave na agenda dos administradores, reguladores e partes interessadas mais fortemente em um contexto de turbulências. Como exemplo citou falta de transparência, má análise de riscos, remuneração distorcida, corrupção e problemas trabalhistas e ambientais. “No Brasil, diversas empresas listadas apresentaram falhas substanciais de Governança. Os casos mostram que para as empresas a Governança está sendo mais uma ferramenta de marketing do que de princípios sólidos”, afirmou ele. 

Como consequência, nota-se uma deterioração da percepção nos líderes empresariais, em que apenas 18% dos entrevistados confiam que eles tomam decisões éticas. O problema, segundo Di Miceli, está no foco excessivo para criar valor ao acionista e na redução à maximização do preço das ações. A saída seria uma empresa com perspectiva ampliada e não em um único público.

O também palestrante, professor do IBGC e da Fundação Dom Cabral, José Paschoal Rossetti, complementou: “a criação de valor provém de sistema de Governança competente para alinhar a estratégia das companhias a ambiente de negócios sem precedentes em dimensões, oportunidades e desafio, mas não se pereniza sem atenção equivalente a valores morais e a demandas legítimas de todas as partes atingidas por suas deliberações e iniciativas”.

Mitos e dogmas
Nesse caminho, a professora da Cornell Law School, Lynn Stout, chamou a atenção para o mito do valor ao acionista a fim de evitar que as companhias nacionais tenham o mesmo destino das norte-americanas. 

Stout sinalizou a redução drástica no número de listadas em seu país, passando de 9 mil para 4 mil. “Se fossemos uma espécie, estaríamos ameaçados de extinção.” Outros pontos preocupantes estão no desparecimento das grandes empresas, que décadas atrás ficavam no índice Forbes por 60 anos, enquanto hoje permanecem por 15 anos, e nas crises e problemas corporativos.

As causas não estariam nas más pessoas e sim nas más ideias empenhadas pelas empresas. “Isso que chamo de ideologia de criação de valor ao acionista”. Nesse sentido, Stout listou algumas das premissas que estariam equivocadas, como as empresas terem foco no preço das ações e de que a melhor forma de mensurar é por meio desse instrumento. 

A ascensão dessa ideologia produziu duas consequências, segundo Stout, sendo uma delas relevante também ao Brasil. A primeira está no ativista-acionista, liderados por fundos de hegde que ficam com ações por menos de dois anos e, portanto, com visão de curto prazo. Situação não comum ao cenário nacional, já que grande parte das empresas brasileiras possui controle definido. A segunda consequência está na visão de que retorno ao acionista é uma boa prática de Governança.

Outro ponto levantado por ela foi a questão legal, em que os acionistas não são os donos das empresas e sim, de suas ações, não sendo, portanto, o requerente residual. Este seria a própria organização.

Como alternativa ao atual dogma, Stout indica incentivar a transparência aos stakeholders externos e internos, não condicionar a remuneração dos executivos ao desempenho das ações e, aos conselheiros, recuperarem seu poder discricionário. “Para mim, há um entendimento maior que os conselheiros têm uma posição única e precisamos confiar na sua honra e retidão. A chave é selecionar profissionais da mais alta integridade e não criar tentações”, sintetizou ela.

Conselhos fortalecidos
A ideia e as recomendações para o aprimoramento e fortalecimento dos conselhos de administração (CA) estiveram nos quatro painéis seguintes: Direcionamento Estratégico na pauta do CA, Gestão de Talentos, Tomada de Decisão no CA e Secretaria de Governança.

Como guardião das boas práticas de Governança, cabe ao conselho buscar o alinhamento contínuo entre o colegiado, gestão e acionistas, por meio de pontes formais e informais, bem como olhar mais para o ‘para-brisa’ do que o ‘espelho retrovisor’. Para atender essa demanda, os palestrantes Thilo Mannhardt, diretor presidente do Grupo Ultra, e Carlos Julio, empresário e professor, sinalizaram a necessidade de haver uma mistura adequada de diferentes competências e conhecimentos do que somente especialistas.

A atenção a questões puramente operacionais deve ser transposta para as estratégicas, sendo uma delas a gestão de talentos e sucessão dos principais gestores. Para os palestrantes da 4a sessão, Marcio Fernandes, presidente da Elektro, e Francisco Amaury Olsen, conselheiro profissional, ‘pessoas’ é um tema crucial, mas pouco debatido nos colegiados. Eles evidenciam que é preciso coragem para arriscar no reconhecimento de talentos, mesmo que ainda não estejam “prontos”.

Os palestrantes destacaram as principais atribuições dos conselheiros na criação de modelos adequados de sucessão e no incentivo de um processo de gestão e desenvolvimento de talentos não restrito ao principal executivo.

Fernandes afirmou que o quesito retenção de pessoas foi retirado do planejamento estratégico da Elektro e, em seu lugar, foi inserido como meta o encantamento. “O nosso custo com ‘algema de ouro’ caiu incrivelmente. Logicamente, perdemos algumas pessoas interessadas no ganho a curto-prazo, mas isso é normal. Agora, estamos investindo em sucessão”, afirmou o presidente.

Decisões sábias
A tomada de decisão foi considerado outro aspecto essencial para um conselho eficaz. Os palestrantes da 5a sessão - o executivo da Prada Administradora de Recursos e presidente do CA da BM&FBovespa, Pedro Parente, o presidente do CA da WEG S.A., Décio Silva, e o vice-presidente executivo da Suzano Holding e vice-presidente do Conselho da Suzano Papel e Celulose S.A., Claudio Sonder - listaram pontos e práticas consideradas relevantes que contribuem para a tomada de decisão nos CA.

Em comum, elencaram questões não só ligadas a monitoramento, a exemplo da importância de se avaliar conselho, seus integrantes e o principal executivo, como também questões práticas, sendo citados a importância da distribuição prévia do material do conselho, o cumprimento da agenda de temas na reunião e até a quantidade de reuniões anuais e de membros. Também ressaltaram a importância da divergência e do contraditório para os conselheiros tomarem decisões mais bem informadas e refletidas.

A contribuir com o bom funcionamento do sistema de Governança, em especial do CA, a secretaria de Governança encerrou o primeiro dia de evento. O painel contou com o depoimento da presidente da Associação Internacional de Secretários Corporativos (CSIA, na sigla em inglês), Carina Wessels, que trouxe um comparativo global, e da gerente de GC da CPFL Energia, Gisélia Silva. A função, de um modo geral, ainda está nascendo no Brasil e pode ter um papel de protagonista na aplicação efetiva das melhores práticas, pontuaram ambas.

Frentes ampliadas
Já no segundo dia, as trilhas temáticas se destacaram com discussões voltadas para empresas de capital aberto, empresas de capital fechado e familiares, e outras organizações (saúde, cooperativas e 3o Setor). Nestes debates, temas como o papel do acionistas controladores nas empresas estatais, programas de compliance, sucessão e relato integrado ficaram em evidência. 

As sessões gerais do segundo dia chamaram a atenção do público por discutir a criação de valor com uma visão de longo prazo e a relação entre os valores e princípios, que devem estar na base da organização. Conforme ressaltou o sócio fundador do IBGC, Lélio Lauretti, “valores e princípios éticos não são sinônimos, cada um tem sua competência e significado”.

Enquanto o primeiro configura a identidade corporativa, “o que caracteriza a empresa”, os princípios éticos podem ser entendidos como cultura corporativa, explicou e emendou que em comum “ambos correspondem à demanda de uma sociedade cada vez mais bem informada e exigente. São ambos os temas relacionados com as melhores práticas de Governança”. 

Pala ilustrar esse contexto, nos 10o e 11o painéis foram apresentados três casos: a Unilever, pelo vice-presidente jurídico, Newman Debs, a Masisa Brasil, pela presidente da empresa Marise Barroso, e a PepsiCo, pelo executive vice president, government affairs, general counsel and corporate secretary, Larry Thompson.

Debs e Paul Polman, o presidente da Unilever, em vídeo ao Congresso, ressaltaram que o “business as usual” não está mais funcionando, sendo preciso que as empresas lidem com questões antes consideradas externalidades. Ambos propuseram uma mudança de conceito, ao recomendar a troca do termo “cadeia de valor” por “cadeia de prosperidade”.

Nessa linha, Barroso também chamou a atenção à prática e ao ideal da sustentabilidade, em especial no ‘resgate ao princípio da vida’, enquanto Thompson falou sobre responsabilidade e o papel da empresa na sociedade. “Os interesses (entre os públicos empresa e sociedade) são interdependentes”.

Público na pauta
Muito debatida a prática da Governança no âmbito das organizações, a Governança pelo Estado, por sua vez, começa a ganhar palco. Traçando um paralelo a uma empresa, o embaixador do Brasil, Marcos Azambuja, lembrou que a Brasil SA possui mais de 180 milhões de acionistas, o que traz grande complexidade a sua organização.

“Creio que estamos fazendo um esforço. Essas ideias [de Governança Corporativa] não são plantas nativas, não nasceram na nossa cultura”, e para ilustrar citou palavras anglo-saxãs utilizadas nesse contexto, como compliance, disclosure e accountability. Na busca por melhorias, Azambuja apontou documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a necessidade de se começar as ações na municipalidade. “O Brasil não se faz por gestos gerais, mas por somatórios de decisões acertadas que pouco a pouco se amplia ao País”, sintetizou.

Tema do 15º Congresso é assunto de livro anual
Durante o Congresso IBGC de Governança Corporativa, o Instituto lançou o livro “Governança Corporativa e Criação de Valor”. Organizado pelos professores Joaquim Rubens Fontes Filho e Ricardo Pereira Câmara Leal, em parceria com o IBGC, o livro reúne 28 especialistas em cinco seções, que avaliam o real significado da criação de valor pela Governança, as contribuições auferidas por ela, e identificam seus beneficiários diretos e indiretos.

Ciclo de comemorações do IBGC inicia no 15º Congresso

A superintendente-geral do Instituto, Heloisa Bedicks, durante o Congresso Anual, deu início ao ciclo de comemorações dos 20 anos do IBGC, a completar em novembro de 2015. O marco foi celebrado com apresentação de vídeo comemorativo sobre os avanços da Governança e do IBGC ao longo do período. Assista em goo.gl/oe7F63.


Continua...