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AVALIAÇÃO A VALOR JUSTO

Os Impactos e as Preocupações Fiscais com a Aplicação dos Ajustes Contábeis de Avaliação a Valor Justo ("AVJ") de Ativos e Passivos

Foi no contexto da tendência internacional em padronizar o processo contábil aplicado por empresas no exterior na elaboração de suas demonstrações financeiras, que no Brasil introduziu-se a Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, modificando a Lei das Sociedades por Ações (“LSA”) para migrar o padrão contábil então vigente no País (“Contabilidade Anterior”) para um novo regime (“Contabilidade IFRS”), baseado nas normas emitidas pelo International Accounting Standard Board (“IASB”), denominadas International Financial Reporting Standards (“IFRS”) e refletidas no Brasil por meio dos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”).

A Contabilidade IFRS altera significativamente os procedimentos contábeis de reconhecimento (classificação contábil dos eventos registráveis), mensuração (critérios de determinação dos valores dos eventos reconhecidos) e evidenciação (formas de evidenciação do reconhecimento e da mensuração) das contas de ativo, passivo e patrimônio líquido. Dentre as mudanças das normas de mensuração, destaca-se o critério da avaliação a valor justo (“AVJ”).

A relevância da AVJ evidencia-se pela total oposição ao racional do critério de registro pelo custo de aquisição, largamente utilizado na Contabilidade Anterior. Enquanto o critério do custo parte de um registro referenciado essencialmente em valor histórico, a AVJ baseia-se no conceito de valor justo, “como o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração” (pronunciamento nº 46 do CPC).

A introdução da AVJ nos registros contábeis impacta a demonstração de resultados e o patrimônio líquido de uma companhia, que passam a evidenciar também a essência econômica dos atos refletidos.

Como o conceito de lucro contábil tem relevância para fins de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”), é nítida a abrangência dos possíveis impactos que podem decorrer dos ajustes de AVJ. No sistema brasileiro, de tributação da renda de acordo com a sua disponibilidade jurídica e econômica, chega a ser chocante o desafio em alinhar essa premissa com uma lógica de mensuração com base em AVJ.

Para fins fiscais, não basta apurar um lucro com base em um ganho decorrente da aplicação de ajustes de AVJ, é necessário que esse ganho represente uma disponibilidade jurídica ou econômica. As regras fiscais são inspiradas por princípios da legalidade e da realização da renda, que, no mais das vezes, afastam, ou deveriam afastar, a tributação de renda estimada e não realizada.

Importante então tratar de certas questões fiscais que decorrem dos ajustes de AVJ, com foco na aplicação da nova Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, a qual veio revolucionar a sistemática de tributação corporativa (IRPJ, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ("CSLL"), Contribuições ao Programa de Integração Social ("PIS") e para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS"). O momento da revolução tributária chegou ao Brasil, como consequência da revolução contábil advinda em 2008 com a Contabilidade IFRS.

Isto porque a Lei nº 12.973/14 alterou significativamente a legislação da tributação corporativa, acomodando a Contabilidade IFRS ao universo tributário. Desde 2008, essa acomodação deu-se de forma provisória e até precária, por meio do Regime Tributário de Transição ("RTT"), o qual mantinha as empresas brasileiras na Contabilidade Anterior (vigente em 2007) para fins tributários, sem os impactos da Contabilidade IFRS.

Porém, a Lei nº 12.973/14 revoga o RTT a partir de 2015 (exceto os contribuintes que optarem pela aplicação da Lei já para o ano-calendário de 2014), e a Contabilidade IFRS passa ser o ponto de partida para a incidência dos tributos corporativos, exceto quando a própria Lei dispuser de forma diversa, determinando ajustes específicos para este fim.

Todos precisam se atentar portanto da relevância de um maior entrosamento entre assessores contábeis e tributários, bem como de um suporte contábil qualificado, sob pena de aumento de contingências fiscais desnecessárias, decorrentes de registros contábeis inadequados e tributação distorcida.

Nesse foco é que também deve ser tratado os ajustes de AVJ, um dos pontos mais diferentes da Contabilidade IFRS. Aos profissionais contábeis cabe a missão de aplicar adequadamente esse novo método de mensuração e aos profissionais tributários fica o desafio de evitar uma tributação de receitas e ganhos não realizados. Diante disso, esse artigo apresenta de forma breve certos impactos de AVJ na apuração do IRPJ, considerando a nova Lei nº 12.973/14. Esse artigo foca no IRPJ, mas os reflexos são iguais na CSLL. Para PIS e COFINS, há regras específicas não discutidas no presente.

Reconhecimento de Ajustes de AVJ
Em que pese a LSA prever a AVJ de ativos no artigo 183, mencionando a expressão “valor justo” no contexto dos instrumentos financeiros, o mesmo é aplicado em diversas outras situações conforme normas do CPC. Aplica-se AVJ então, por exemplo, pelo CPC nº 39 (Instrumentos Financeiros), CPC nº 28 (Propriedade para Investimento) e CPC nº 29 (Ativos Biológicos).

Com base nos pronunciamentos do CPC, há contrapartidas de ajustes de AVJ reconhecidas diretamente no resultado ou em conta de patrimônio líquido, conforme o caso. É fácil, portanto, vislumbrar que a ausência de um dispositivo legal que preveja ajustes específicos para tratar da AVJ na apuração do IRPJ pode desencadear impactos fiscais significativos, já que pela Lei nº 12.973/14 a Contabilidade IFRS passa a ser o ponto de partida para a tributação.

Assim, a Lei nº 12.973/14 buscou justamente identificar situações em que a AVJ poderia ter efeitos tributários em momentos não consistentes com o conceito de disponibilidade jurídica e econômica da renda, prevendo, no geral, mecanismos que recomponham essa consistência.

As principais previsões do tema são os artigos 13 e 14 da Lei nº 12.973/14, que lidam com os impactos fiscais decorrentes dos ganhos ou perdas de AVJ de ativos e passivos.

Nesse sentido, dispõe o artigo 13 da Lei nº 12.973/14 que os ganhos decorrentes de AVJ de ativo podem não ser tributados pelo IRPJ imediatamente, desde que o respectivo aumento no valor do ativo seja controlado em subconta vinculada a esse ativo. O mesmo ocorre com o ganho de AVJ de passivo.

Nota-se, com essa regra, a primeira de diversas disposições da Lei nº 12.973/14 que exige registro de “subcontas”, mecanismo completamente inovador. A legislação fiscal vem impor ao universo contábil um controle a ele não pertencente, vez que para a Contabilidade IFRS não há qualquer necessidade de destacar os valores correspondentes a AVJ.

De qualquer forma, por meio do controle da subconta, a tributação do ganho decorrente de AVJ pode ser diferido para quando houver realização do ativo (inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa) ou liquidação do passivo que o originou.

Ou seja, para gozar do benefício do diferimento, a companhia precisa acomodar, em subconta contábil, uma forma de identificação desse montante, para que o mesmo possa gerar tributação no momento em que se caracterize uma disponibilidade jurídica ou econômica.

Por outro lado, caso a pessoa jurídica deixe de efetuar o referido controle em subconta, o ganho de AVJ é tributado quando reconhecido. Logo, apesar de se garantir o diferimento, impõem-se uma penalidade para os casos em que esse diferimento não possa ser identificado e fiscalizado. A penalidade é ainda mais agressiva, pois a Lei nº 12.973/14 veda a possibilidade de o ganho de AVJ, não identificado em subconta, vir a reduzir prejuízo fiscal que a companhia estiver apurando no período correspondente. Assim, se a entidade deixar de efetuar a subconta, o ganho de AVJ deverá ser tributado imediatamente ou, em havendo prejuízo correspondente no mesmo período, na primeira oportunidade subsequente em que a entidade esteja apurando lucro tributável.

Já o artigo 14 Lei nº 12.973/14 dispõe que as perdas de AVJ somente podem ser deduzidas na medida em que o ativo for realizado ou o passivo for liquidado, contanto que a respectiva redução no valor do ativo ou aumento no valor do passivo seja evidenciada contabilmente em subconta vinculada a este ativo ou passivo. Na ausência de subconta, a perda será considerada totalmente indedutível. Logo, a subconta é praticamente uma obrigação no caso de perda de AVJ, pois na sua falta a companhia não deduz a perda em qualquer momento.

De qualquer forma, o legislador buscou privilegiar o princípio da realização da renda (justamente aquele que inspira as regras fiscais, juntamente ao princípio da legalidade), com o escopo de evitar a tributação de renda estimada e não realizada – prevendo que os ajustes sejam tributáveis (ou dedutíveis) somente quando seu valor for certo e realizado pelo contribuinte. Há, contudo, o ônus da subconta a ser observado.

Tratamento da AVJ no Âmbito de Reestruturações Societárias
As reorganizações, de uma forma geral, são neutras para fins fiscais, principalmente no que tange a operações de cisão, fusão e incorporação de empresas. A grande preocupação que surge é se isso ainda é possível quando se envolve a manutenção do diferimento de tributação de ajustes de AVJ comentado acima.

De uma forma geral, o artigo 26 da Lei nº 12.973/14 garantiu a manutenção desse diferimento nos casos de incorporação, fusão ou cisão, pois os ganhos e perdas de AVJ que continuarem evidenciados em subconta terão na sucessora o mesmo tratamento tributário que teriam na companhia sucedida, ou seja, garantindo os efeitos tributários apenas quando da realização do ativo ou liquidação do passivo.

Um tipo de reorganização que merece uma atenção é o caso de utilização de bens com AVJ para aumentar o capital social de outra sociedade. Em princípio, o artigo 17 da Lei nº 12.973/14 permitiria um certo diferimento se a subconta de AVJ do ativo contribuído para a outra sociedade for registrado na conta do investimento realizado. Se observado esse mecanismo, o valor do AVJ será tributado (i) se o investimento capitalizado for vendido; (ii) se a investida que recebeu o bem o alienar ou baixar por meio de depreciação ou amortização; ou (iii) em um período de 5 anos, se a investida não alienar ou baixar o bem recebido. Nota-se aqui que o diferimento concedido pelo legislador teve um prazo limitado, o que faz com que as empresas avaliem cuidadosamente a possibilidade de transferir um bem com AVJ para aumento de capital em outra entidade, pois podem ter um efeito tributário nessa transação. Além disso, há dúvidas se essa regra do artigo 17 se aplicaria a contribuições com bens que já estão com ajustes de AVJ registrados ou seria para novos valores de AVJ registrados no momento da contribuição ao capital.

Com a situação acima, começa-se a perceber que as reestruturações societárias passam a demandar uma atenção especial das companhias, com muita avaliação prévia dos impactos tributários aplicáveis. Reorganizações mais complexas que envolvam empresas que registram investimentos com base no Método de Equivalência Patrimonial (“MEP”) também passam a ser mais delicadas, pois pode haver reflexos tributários decorrentes de ajustes de AVJ reflexos, como analisado a seguir.

Os Efeitos da AVJ no MEP
Regra geral, os investimentos em coligadas ou controladas são avaliados pelo MEP, o qual se baseia na variação do patrimônio líquido contábil da investida, conforme o percentual de participação detido pela investidora. Este procedimento implica o reconhecimento, na sociedade investidora, não apenas dos resultados apurados na sociedade investida, mas também de todas as outras modificações no patrimônio líquido desta.

De forma geral, não houve mudança significativa na forma de apuração e registro dos valores dos investimentos registrados pelo MEP, mas há ponderações fiscais a serem consideradas.

Nos termos da Lei nº 12.973/14, as contrapartidas de ajuste de MEP nas investidoras são geralmente neutros (receitas não tributadas se positivos e despesas indedutíveis se negativos). Porém, nem todos ainda se atentaram que essa neutralidade não é total como ocorria antigamente, sendo que em alguns casos podem gerar efeitos tributários adversos na investidora.

Por exemplo, caso a investida tenha feito ajustes de AVJ que aumentem o seu patrimônio líquido, a parcela desses ajustes refletida no MEP deve ser tributada na investidora, exceto se a investidora registrar em subconta. Ou seja, em regra, o reflexo na investidora da AVJ da investida não aumenta o custo de aquisição do investimento correspondente para fins fiscais.

Na prática, se a investidora fizer a aludida subconta de AVJ e mantiver o controle sem baixar essa conta, possibilita-se o diferimento da tributação para o momento em que o investimento em cada investida for baixado ou alienado, pois também não se permite que esta parcela do MEP aumente o custo de aquisição na investida para fins fiscais em um primeiro momento.

Por outro lado, caso o ativo objeto de AVJ seja alienado pela investida e o respectivo ganho seja por ela tributado, a subconta da investidora poderia ser baixada sem nova tributação, passando então o valor do MEP correspondente a AVJ ser efetivamente isento.

Por conta desse novo efeito de AVJ reflexo, é essencial que as companhias avaliem suas estruturas societárias e verifiquem a efetiva necessidade de terem empresas holdings ou vários níveis de sociedades, pois nesses casos pode haver efeitos tributários em casos de reorganizações societárias, ou mesmo em cenários de alienação de investimentos.

Conclusão
Há regras fiscais relevantes na Lei nº 12.973/14 que norteiam a questão dos ajustes de AVJ, tema bastante novo no mundo tributário e que precisa ser cuidadosamente considerado pelas companhias. No geral, a possibilidade de dar efeitos tributários em momentos em que os valores de AVJ não sejam mais estimados e possam ser considerados realizados para fins fiscais exige das empresas uma disciplina em termos de registro em subcontas.

É nítido que a Lei nº 12.973/14 buscou acomodar a nova realidade da Contabilidade IFRS à realizada tributária e do seu conceito de renda. No entanto, é possível que, em alguns casos, essas acomodações não sejam perfeitas e possam trazer efeitos tributários não esperados, até mesmo em processos de reestruturações tributárias, motivo pelo qual as companhias devem avaliar o tema com mais atenção, principalmente verificando procedimentos que possam ser tomados para mitigar eventuais consequências decorrentes dos ajustes de AVJ.



Andrea Bazzo Lauletta
é advogada, sócia do escritório Mattos Filho Advogados, atuando na assessoria tributária, com vasta experiência em questões tributárias de transações de mercado de capitais, mercado financeiro, investimentos estrangeiros no Brasil e de empresas brasileiras no exterior, contratos internacionais complexos, operações societárias diversas, incluindo fusões e aquisições, operações de dívida, operações estruturadas, financiamento de projetos. É membro da International Fiscal Association (IFA) e International Bar Association (IBA).
abazzo@mattosfilho.com.br


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