Orquestra Societária

AS TENDÊNCIAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

Nesta e nas próximas duas edições, aprofundaremos no tema governança corporativa em relação à Orquestra Societária, que contempla as melhores práticas em sua configuração, conforme destaque da Figura 1:

Figura 1 - A Orquestra Societária e as boas práticas de Governança Corporativa



GOVERNANÇA CORPORATIVA: PASSADO, PRESENTE E PERSPECTIVAS PARA 2021
O propósito é desenvolver tópicos como: Governança Corporativa nos EUA e em outras regiões ao redor do mundo, com destaque para o Brasil, governança e ética - evolução concreta das organizações versus discurso para o ambiente externo, governança das empresas familiares e governança das empresas estatais entre outros. Adicionalmente, pretende-se refletir, de forma mais ampla, sobre a governança do Brasil, considerando os Poderes Constituídos, Ministério Público e mídia, bem como sobre as tendências para 2021, ainda que face às incertezas do ambiente político-institucional.

Esta edição focaliza especificamente, como preparação, uma entrevista com elevada densidade de conteúdo sobre os temas supracitados, realizada com Sidney Ito, sócio líder em Risk Consulting da KPMG Brasil e América do Sul.

Entrevista: Sidney Ito

Sidney Ito tem 32 anos de experiência com a KPMG, incluindo 2 anos de experiência internacional na KPMG Houston, nos Estados Unidos. É sócio líder responsável pela área de Risk Consulting da KPMG no Brasil e na América do Sul. É membro em diversas organizações dedicadas à prospecção e ao desenvolvimento das práticas de governança corporativa no Brasil, dentre elas, como chairman do ACI Institute e do Board Leadership Center da KPMG e membro do Grupo de Excelência em Governança Corporativa do Conselho Regional de Administração-São Paulo (CRA-SP) e do Comitê de Governança da Câmara de Comércio Norte-Americana (AMCHAM). Atua como instrutor e palestrante no IBGC-Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, onde também atuou como diretor executivo, no MBA de Governança Corporativa da FIPECAFI-USP, e nas instituições CRA-SP, IIA, ESPM e IBRACON. Teve atuação em diversos projetos de governança corporativa abrangendo implantação, restruturação e avaliação de conselhos de administração, conselhos fiscais, comitês de auditoria e outros comitês dos conselhos; organização de empresas familiares incluindo planos de sucessão, estruturação de conselhos de família e da gestão.

Foi sócio líder de diversos projetos no Brasil, na América Latina ou globais relacionados a avaliação e gerenciamento de riscos corporativos; compliance e regras regulatórias (CVM, SEC, SOX, FCPA); avaliação e melhorias nos processos operacionais e contábeis e respectivo ambiente de controles internos; avaliação e desenvolvimento da cultura corporativa, abrangendo as questões de ética e conduta. É Membro do Comitê de Auditoria da AACD - Associação de Assistência a Criança Deficiente e também em diversas organizações dedicadas à prospecção e ao desenvolvimento das práticas de governança corporativa no Brasil, dentre elas, como chairman do ACI Institute e do Board Leadership Center da KPMG e membro do Grupo de Excelência em Governança Corporativa do Conselho Regional de Administração-São Paulo (CRA-SP) e do Comitê de Governança da Câmara de Comércio Norte-Americana (AMCHAM).

Acompanhe a entrevista.

RI: Na história das organizações empresariais, como emerge e evolui, em linhas gerais e de forma sintética, até o momento presente, a governança corporativa, especialmente nos EUA, Reino Unido e Europa Continental?

Sidney Ito: Cada país, por ter a sua cultura, estruturas política, econômica e de mercado de capitais próprias, possui também características peculiares no desenvolvimento das suas práticas de governança. No Reino Unido e na Europa Continental, o movimento capitalista e econômico é mais antigo e consequentemente, as empresas são também mais antigas, com o destaque das empresas familiares. Muitas delas já se encontram além da 8ª ou 9ª geração. Além disso, há também uma preocupação da inclusão dos próprios funcionários dessas empresas na administração dos negócios, de forma que o conselho de administração é composto por representantes dos proprietários e representantes dos funcionários e ambos procuram atuar em harmonia na estruturação da governança, procurando equilibrar os resultados de curto prazo da empresa com a sua perpetuidade. Nos Estados Unidos, o modelo de governança é diferente, pois, boa parte das grandes empresas é aberta e com capital pulverizado e, aquelas que não o são, procuram esse objetivo. Dessa forma, não há a figura do controle e tanto o conselho de administração como a diretoria são profissionalizadas. A pressão por resultados de curto prazo é muito maior e a asseguração da perpetuidade da empresa fica sob a responsabilidade dessa administração profissionalizada, sob regras rígidas de governança estabelecidas pelos órgãos reguladores (exemplos: Lei Sarbanes-Oxley, Foreign Corrupt Practices Act - FCPA e Dodd-Frank Wall Street Reform).

RI: E no contexto nacional, como emerge e evolui, em linhas gerais, até o momento presente, a governança corporativa?

Sidney Ito: Há pouco mais de uma década, as empresas brasileiras intensificaram suas discussões sobre governança corporativa. Até então, o mercado dispunha de pouca informação e recursos para um conhecimento e análise mais profunda da estrutura e práticas de governança das empresas. Pode-se também considerar que o interesse também era menor por parte dos proprietários e investidores de uma forma geral. Alguns marcos contribuíram para uma mudança drástica nessa atitude, trazendo um maior ativismo por parte do desses investidores. Pode-se dizer que um grande marco para essa mudança foi a Lei norte-americana Sarbanes-Oxley em 2002 que, apesar de possuir um efeito direto somente às empresas abertas norte-americanas com subsidiárias no Brasil e as empresas brasileiras abertas nos Estados Unidos, fez das suas regras um direcionador sobre a importância de um ambiente de controles internos efetivos e sobre a severidade das suas punições no seu descumprimento. Outro marco foi a Lei nº 11.638 de 2007, determinando que as empresas brasileiras deveriam elaborar suas demonstrações financeiras de acordo com as normas internacionais de contabilidade (IFRS) e, dessa forma, permitindo uma melhor informação ao investidor estrangeiro. A implementação da Instrução CVM 480 em 2009, por seu turno, obrigou as companhias a publicarem anualmente o Formulário de Referência e assim, permitiu uma maior e melhor divulgação sobre as práticas e a estrutura de governança das empresas. Mais recentemente, em 2014, tivemos a aprovação da Lei Anticorrupção, no Brasil, que trouxe ainda mais mudanças no ambiente corporativo, exigindo um maior cuidado e atenção ao compliance e aos controles internos. As regras rígidas estabelecidas pelos órgãos reguladores sobre a maior transparência e prestação de contas dos atos dos administradores também vêm auxiliando a divulgar a importância das práticas de governança, à medida que punem os administradores e que não cumprem a legislação e assim, protegem o investidor. Enfim, um conjunto de regras e regulamentos, uma maior transparência e melhor divulgação, e a atuação efetiva dos órgãos reguladores trazem uma maior segurança ao investidor, independentemente da empresa ser aberta ou fechada. Obviamente, há ainda muito a se desenvolver, mas vale a pena lembrar que a economia brasileira é nova, as empresas familiares mais antigas ainda se encontram no máximo na 3ª ou 4ª geração e o nosso mercado de capitais se encontra num processo de solidificação e crescimento.

RI: Em sua opinião, para o contexto nacional, qual é o possível impacto da ética na governança das organizações? Trata-se de uma evolução concreta na qualidade do governo organizacional ou de discurso para o ambiente externo? Quais tendências podem ser identificadas, nesse sentido, para os próximos anos?

Sidney Ito: A Lei Anticorrupção brasileira e os efeitos que todos nós conhecemos vêm trazendo um maior escrutínio pela população acerca da importância da conduta corporativa ética. A instituição da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica é um divisor de águas na forma das empresas conduzirem seus negócios e pode se tornar um grande problema àquelas que insistirem em ter normas de integridade e de conduta somente como instrumento de propaganda ao investidor e ao mercado. Se estruturas sólidas e efetivas de controle não existirem na prática para garantir a integridade e a ética nas atividades de uma empresa, as penalidades por um ato ilícito poderão abalar a imagem reputacional e a saúde financeira de uma organização, podendo afetar até a sua continuidade, além dos seus próprios administradores e investidores. As questões de ética e conduta precisarão estar enraizadas nos valores da empresa, na visão e atuação dos seus administradores e em cada atividade dos negócios da empresa. Um código de ética e conduta que reflita a integridade da empresa e os valores esperados dos seus profissionais, um ambiente de controles internos efetivo, a atuação da auditoria interna, um canal de denúncias que permita a comunicação de qualquer profissional ou de terceiros sobre conduta inadequada de qualquer profissional da empresa e principalmente a atuação do conselho de administração para garantir o cumprimento de toda estrutura e punir a quem não o faz, tudo isso fará parte da estrutura de governança das empresas.

RI: Refletindo sobre a governança das empresas familiares e estatais – como avaliar suas evoluções no Brasil? E como poderão evoluir até 2021, início da próxima década?

Sidney Ito: De modo geral, é possível observar um esforço crescente das empresas familiares brasileiras em alcançar um maior nível de profissionalização, buscando fortalecer seu modelo de governança em nome do crescimento, lucratividade e perenidade do negócio. Preocupações como a separação dos interesses da família e do próprio negócio, a capacitação dos membros das próximas gerações pensando num processo de sucessão e uma maior conscientização dos membros das famílias e herdeiros sobre a importância de incentivar o negócio e visualizá-lo como um investimento deixam claro que as famílias proprietárias de empresas vêm percebendo mais nitidamente e rapidamente, a importância das boas práticas de governança. Seja para manter o controle do negócio com a própria família, ou para uma venda futura da empresa na forma de abertura de capital ou a um investidor, ficam claras as vantagens financeiras das boas práticas de governança. De acordo com a pesquisa recente da KPMG – Retratos de Família, Um Panorama do Histórico e Perspectivas das Empresas Brasileiras – menos de 20% das empresas familiares no Brasil conseguem chegar à 3ª geração. Todavia, com este cenário e atuação, esse percentual deverá crescer significativamente nos próximos dez anos. Fonte: https://home.kpmg.com/br/pt/home/insights/2016/04/retratos-de-familia.html. As empresas de controle governamental têm desafios adicionais, além dos obstáculos que qualquer negócio precisa superar para prosperar e continuar a existir, como: atender os interesses sociais da população na sua atividade e os interesses do negócio da própria empresa, muitas das vezes dos seus investidores. Diferentemente das empresas privadas, as empresas estatais precisam atender de forma igualitária os seus proprietários (shareholders) e àqueles que tem interesse ou necessidade do seu negócio (stakeholders). Mais desafiadora ainda é a situação de uma empresa estatal aberta: como atender as expectativas de resultados dos seus investidores, sem afetar as suas responsabilidades nos programas sociais e de políticas públicas? Frente a esse cenário, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou em 2005 diretrizes de governança para as estatais, com o objetivo de assegurar uma contribuição positiva para a sua eficiência econômica. No Brasil, os efeitos da operação Lava Jato e a performance negativa de muitas empresas abertas de controle estatal reacenderam o debate sobre a necessidade de elevar o padrão das práticas de governança nestas empresas. Assim, em 2015, a BM&FBovespa lançou um programa voltado à governança das estatais, focando na imagem e na credibilidade dessas organizações, por meio de uma maior transparência na divulgação das informações aos acionistas, aprimoramento dos controles internos e dos processos de seleção e avaliação dos administradores. De modo similar, a recente sanção da Lei da Responsabilidade das Estatais estabelece regras mais rígidas para nomeação de diretores e dos membros do conselho de administração, visando a profissionalização da gestão destas empresas. Com regras e regulações mais rigorosas e um maior ativismo dos investidores e do público em geral, é certo que presenciaremos transformações significativas sem precedentes nos próximos anos. E com certeza, mudanças positivas.

RI: Refletindo, de forma mais ampla, sobre o Brasil, como se pode avaliar, no presente, a governança do País, considerando os Poderes Constituídos, Ministério Público e mídia – por vezes tratada como quarto poder?

Sidney Ito: Entendo que há uma grande similaridade entre essa governança do nosso País e as práticas de governança corporativa. A atuação do Ministério Público (MP) procurando assegurar os interesses da população se assemelha a atuação de um órgão regulador das empresas, assegurando a proteção dos seus investidores e stakeholders. A mídia faz um papel muitíssimo importante em ambos os casos, no sentido de divulgar as regras, a atuação dos órgãos reguladores, permitir a comunicação, o debate e, muitas vezes, a interpretação e o aprendizado daquilo que deve ser feito e principalmente, de apresentar as denúncias ao não cumprimento dessas regras e as punições que são impostas pelos reguladores. As boas práticas de governança, sejam de um país ou das empresas, só funcionam com a liberdade de informação e a atuação de reguladores ou do governo para garantir o seu cumprimento e punir àqueles que não as cumprem.

RI: Reconhecendo a atual dificuldade de elaborar cenários, face às incertezas do ambiente político, em sua opinião, o que precisaria evoluir para que a governança do País tivesse um salto de qualidade até 2021?

Sidney Ito: Qualquer crise, seja ela econômica ou política, traz insegurança aos investidores e reflexões sobre o futuro. Nos muitos anos que tenho atuado no tema governança corporativa, tem sido comum ouvir comentários ou conclusões do tipo “governança corporativa acabou”, “tudo isso foi modismo”, “isto é feito para inglês ver” (sic). Ouvi isso quando surgiram as fraudes contábeis nos Estados Unidos (Enron, Worldcom), na crise econômica global de 2008, nas perdas significativas de algumas empresas com derivativos, na crise atual econômica, nos anos em que ocorreram quedas significativa nos preços das ações negociadas em bolsa, no Lava-Jato e em outros escândalos de corrupção ou toda vez que uma empresa “quebra” ou tem um grande prejuízo. Todavia, em todos esses momentos, o nosso mercado de capitais se manteve, investidores estrangeiros continuam no Brasil, muitas empresas continuam crescendo e se perpetuando. Além disso, nunca se falou tanto sobre o tema governança corporativa. Seja entre o público em geral, no interesse dos proprietários, no ativismo dos investidores, na agenda dos conselhos de administração, na preocupação dos gestores. Momentos difíceis ou de grandes perdas trazem grandes reflexões e discussões. A economia não morre ou para e nem as empresas. Elas se adequam, fazem uso das lições aprendidas. Reguladores e investidores também. Há 10 anos atrás, o assunto governança corporativa com certeza, não traria o interesse e a preocupação que temos agora, pois todos hoje são conscientes que as boas práticas trazem valor às empresas e a sua perpetuidade. Com certeza, daqui a dez anos, este interesse e preocupação será muito maior e maior serão também as nossas empresas e o nosso mercado de capitais.

Mais informações sobre a Governança Corporativa e o Mercado de Capitais Brasileiro podem ser encontradas no estudo da KPMG: Um panorama atual das empresas abertas, com base nos seus Formulários de Referência 2015/2016 - https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/pdf/2016/04/br-governanca-corporativa-mercado-capitais-2015-2016.pdf

Convidamos nossos leitores à contribuírem com seus conhecimentos sobre a evolução da Governança Corporativa até 2021 nas duas próximas edições.

 

CIDA HESS
é sócia diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cidahess@kpmg.com.br

Mônica BrandÃo
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br

 


Continua...