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A PREVIDÊNCIA SOCIAL SOB A ÓTICA DA SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade é o “ato de ser sustentável”, mas sua interpretação tem sido usada de diversas formas. Hans Carl von Carlowitz, até onde se conhece, usou pela primeira vez, em 1713, em seu tratado sobre florestas, “Syvicultura Oeconomica”, chamou a atenção para o “uso continuado e sustentado das florestas”, preocupado com o desmatamento na Alemanha.

Mais recentemente nos anos 60, foram lançadas as bases para o conceito de desenvolvimento sustentável, com o lançamento da publicação “Os Limites do Crescimento”, encomendada pelo Clube de Roma em 1967, que combinava crescimento econômico e demográfico e limites do ecossistema.

O que ambos conceitos chamam a atenção é para a importância do ‘uso dos recursos” seja de “forma continuada e sustentada” ou baseado nos “limites do ecossistema”.

Transplantando esses conceitos para uma visão de seguridade social, o que podemos ver é que o modelo previdenciário brasileiro, sob a ´perspectiva histórica, não se preocupou com o “uso continuado e sustentável dos recursos previdenciários nem com os limites dos recursos fiscais”.

A previdência complementar tomou como base a relação entre período ativo e inativo e se apoiou em padrões atuariais que acompanhavam a cultura brasileira de elevadas taxas de juros sem prever, no longo prazo, que o modelo fiscal brasileiro era insustentável e um dia ia se esgotar. A regulamentação através das leis Lei 6435/77 e 6462/77 tentou disciplinar alguns excessos mas ficou longe de sugerir taxas atuariais compatíveis com um padrão de desenvolvimento de longo prazo.

A Lei Elói Chaves de 1923 que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, considerada um marco na história das políticas de seguridade social no Brasil, combinava tempo de serviço, 30 anos, e idade mínima, 50 anos.

Essas Caixas de Aposentadorias e Pensões e depois, Institutos de Aposentadorias, funcionavam no regime de capitalização. Seus recursos eram destinados predominantemente ao financiamento imobiliário e empréstimos com taxas de juros fixas. O sistema tornou-se um grande banco habitacional.

Com a inflação emergindo no período de 1956-1964, o retorno dos investimentos imobiliários sequer cobria parte de suas metas atuariais. As prestações eram tão pequenas que os mutuários deixavam acumular 1 ano para pagar de uma vez e compensar o deslocamento.

O sistema tornou-se insustentável não apenas pelo problema de insuficiência de reservas, mas também pelo aumento da expectativa de vida, devido à revolução na área da saúde na primeira metade do século elevando de forma abrupta e contínua as expectativas de vida.

O regime de previdência mudou então, com a fusão dos institutos de aposentadoria e pensões para um regime de previdência social (servidores públicos não entravam) de capitalização para repartição simples, baseado na contribuição de empregados e empregadores. Desde então modelo de aposentadoria por tempo sedimentou-se nos 35 anos.

Lembro-me, nos anos 70, na minha época, no recém-criado Ministério da Previdência, quando os atuários (entre eles me recordo do grande atuário Silvio Pinto Lopes) já alertavam para os riscos do modelo de previdência do Brasil considerando-se a queda da taxa de natalidade e principalmente o aumento da longevidade que já se desenhavam. Se essa tendência persistisse, dizia Pinto Lopes, o modelo de previdência não se sustentaria até o final do século.

A outra questão refere-se à ascensão da mulher no mercado de trabalho, que se intensificou no bojo de uma série de movimentos sociais e de reinvindicação dos direitos das mulheres que contribuíram para a descoberta das pílulas de controle de menstruação, nos anos 50, cujo efeito colateral era a princípio a suspensão da fecundação. Este efeito colateral tornou-se a causa principal da revolução sexual dos anos 60 que iria impactar fortemente na queda da taxa de natalidade.

O quadro a seguir resume os efeitos da revolução sanitária na primeira metade do século XX e da ascensão econômica do sexo feminino na segunda parte do século.

Quadro 1 – Alguns dados sobre o desenvolvimento demográfico no Brasil desde 1940

Data Expectativa de vida ao nascer - idade Taxa de Crescimento Demográfico (%) Taxa de fecundidade (%) Taxa de mortalidade (%) PEA – Participação (%) total de mulheres
1940 42 1,5 6,2 2,5 19
1970 53 3,0 5,8 1,1 21
2010 73* 1,5 1,8 0,6 53
2040 Acima de 80 Tendendo para estabilidade 1,4 0,4 55

Fonte: IBGE
(*) expectativa de vida do sexo feminino 76,5 anos

Os dados acima indicam objetivamente que vivemos cada vez mais e nascemos cada vez menos, construindo assim uma sociedade cada vez menos jovem, com um padrão demográfico de país maduro pressionando de forma crescente as despesas públicas, a dívida interna e a capacidade de a economia suportar a crescente pressão na carga tributária.

Além disso, o número de idosos dobrou de 1940 até o fim do século (8,6%) e a partir daí deve ter um percentual acima de 25% em 2040.

Considerando-se uma expectativa de vida ao nascer acima de 80 anos em 2040, podemos também grosseiramente inferir uma expectativa de vida na aposentadoria na faixa dos 90 anos, resultando em uma sobrevida de 50% para uma idade mínima de 60 anos e 38% para uma idade mínima de 65 anos sem considerar a maior longevidade do sexo feminino.

Quadro 2 – indicadores de Expectativa de Vida Globais

  1860-1880 1940-1960 2015
Mortalidade Infantil até 5 anos (por mil) 380 210 44
Expectativa de Vida ao nascer 30 48 71

Fonte: Our World in Data

Os dados mais recentes do Brasil indicam uma mortalidade infantil de 13,8 por mil nascidos vivos bem abaixo da média global e uma expectativa de vida de 75,5 anos.

Nesse contexto, o aumento da longevidade exigirá a adoção de estratégias orientadas para a adoção da idade mínima compatível com a expectativa de vida na aposentadoria.

É inegável que a retomada do desenvolvimento do Brasil depende da solução do problema previdenciário. Mas essa não será condição suficiente. Temos de encontrar a solução para os nossos baixos padrões de produtividade industrial, ausência de cultura tecnológica, política educacional inadequada às demandas de emprego do futuro, enorme burocracia, inflexibilidade do regime trabalhista, tributário e fiscal. Essas mudanças devem se orientar pelas premissas de aumento da produtividade e necessidade de aumentar a vida ativa per capita.

O Brasil está sempre preso aos problemas do passado sem perspectiva cultural de pensar o futuro, aumentando a dependência do setor de agribusiness e de tecnologia externa.

Se a expectativa de vida aumentou mais de 30 anos desde 1940, a aposentadoria por tempo de serviço passou de 30 anos para 35 anos. Os reflexos desta tímida evolução foram maiores em função de vários desequilíbrios estruturais, no século XX: aposentadoria do servidor público pelo valor do salário no dia de sua solicitação; na previdência complementar, predomínio dos planos de benefícios definido e taxas atuariais elevadas; possibilidade de aposentadoria da mulher aos 25 anos permitida pela benevolente constituição de 88, etc.

O Brasil insiste (e talvez continue) em ignorar que o novo padrão de comportamento demográfico desde os anos 60 não é compatível com políticas públicas paternalistas e só vai agravar os problemas fiscais crônicos típicos de nossa história.

Com uma baixa taxa de natalidade, atualmente, não muito superior ao padrão dos Estados Unidos, uma taxa de mortalidade infantil ainda superior à dos países desenvolvidos e uma baixa taxa de mortalidade, torna-se impossível um caminho sustentável da atual política baseada em tempo de serviço, salvo se mudarmos a escala da carga tributária para a casa dos 40% o que criará sérios problemas de competitividade a nível global.

O Sistema de Previdência Complementar, apesar de ter seu problema atenuado, pela instituição dos planos de contribuição definida, tem que se reestruturar para conviver com padrões de taxas SELIC abaixo de 10% e uma curva de juros de longo prazo sustentando esse padrão de 1 dígito. O último CUPOM já deve determinar em bases sustentáveis essa volta, apesar da crise institucional que vivemos.

Mudanças culturais serão inevitáveis: uma aposentadoria compatível com a renda auferida durante a vida útil, exigirá por princípio construir mentalidade de poupança de longo prazo. Para esse objetivo, o mercado de capitais deverá ter um papel fundamental. Compreender o risco será parte importante do processo (vamos falar sobre isso em outros artigos).

Qual o novo contexto de planejamento do futuro? Bem, sugerimos de forma simples a equação da previdência do futuro:

“Previdência social em um patamar compatível com o papel distributivo do Estado” (+) “Previdência complementar para aqueles que tiverem acesso a mecanismos complementares” (+) “Protagonismo pessoal na formação da renda adicional de longo prazo”.

Quanto maior o contingente populacional nas duas últimas parcelas, maior será a capacidade de geração de poupança e complementação de renda. E quanto menor for a necessidade de um Estado desempenhando esse papel distributivo, maior será a sua capacidade de investimento social.

Quanto mais o Mercado de Capitais tanto na renda variável quanto nos mercados de títulos corporativos se robustecer com mercados secundários fortes, teremos melhor condições de absorver essa poupança.

Essa é a equação de uma previdência social sustentável, com um outro Brasil que surge a partir da lava-jato e Governança.

 

Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Nacional.
eduardo.werneck@apimec.com.br


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