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Educação Financeira

A NOVA VELHICE & A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Durante alguns anos as manhãs de domingo da minha infância foram marcadas por uma rotina. Junto com meu pai íamos até a casa dos pais dele onde meu avô invariavelmente estava sentado em uma cadeira de balanço, de terno e gravata, nos esperando para ir à missa. Ele era um velhinho que se movimentava lentamente e reclamava de não poder mais dirigir. Ao chegar da missa encontrávamos minha avó nos esperando para irmos ao culto da igreja Luterana.

Invariavelmente minha avó voltava apressada para preparar o almoço do meu avô. Alguns anos antes ele tinha sido diagnosticado com uma séria cardiopatia, parou de trabalhar e dirigir e, recebeu a recomendação de ter uma alimentação leve e evitar esforço. Minha avó engordava as galinhas que preparava para o marido no quintal. Logicamente não demorou para ele ter o derradeiro e fulminante infarto que lhe tirou a vida. Ainda lembro de pessoas conformadas em seu funeral afirmando que ele já era um homem muito velho.

Meu avô faleceu com 59 anos e eu estou prestes a completar 56. Na última edição desta revista não publiquei meu artigo. Estava de férias com minha esposa, ficamos um mês pedalando na França, foram mais de mil quilômetros com muitas subidas e muito vinho. Além da fantástica estrutura para os ciclistas fiquei impressionado com o número de ciclistas bem mais velhos do que eu que encontrei pelo caminho.

Muita coisa mudou neste último meio século, uma delas foi o aumento da longevidade o que não é novidade para ninguém. Um dos maiores demógrafos da atualidade, o americano James Vaupel, diretor fundador do Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica em Rostock, na Alemanha demonstrou que a expectativa de vida está aumentando em dois anos e meio a cada década. Foi essa descoberta que o levou a observar: "cada nove meses que você vive ganha três meses adicionais de graça".

Porém, quando pensamos em longevidade imaginamos que ficaremos velhos por muito mais tempo. Parece lógico: aqueles que vivem mais são velhos por mais tempo. Mas velhice ainda é considerado um período na vida que é preenchido com doença e enfermidade.

Vaupel, que aos 72 anos continua a trabalhar, afirma que não é apenas a expectativa que está aumentando, mas, principalmente o processo de envelhecimento que está sendo adiado. A velhice está chegando mais tarde porque as pessoas estão ficando novas por mais tempo. Porém, a sociedade ainda não compreendeu o que isto significa.

Isto fica claro quando vemos pessoas de 60 anos serem chamadas para embarcarem antes nos aviões, serem representadas como um senhor curvado com uma bengala ou de forma mais marcante com a enorme resistência que a sociedade brasileira vem demonstrando frente a reforma da previdência.

Uma parcela significativa daqueles que se colocam contra a reforma da previdência o fazem por ignorar o aumento da expectativa de vida ou por não entenderem princípios elementares de contas públicas ou fluxo de caixa. É a resistência por ignorância. Para estes talvez a informação possa fazê-los mudar de ideia. Porém, outra parcela da população, e um grande número de legisladores o fazem por má fé, por colocarem interesses próprios acima do interesse do país.

É inegável que os ganhos de longevidade e qualidade de vida não foram incorporados por todos. No Brasil, uma parcela da população tem expectativa de vida semelhante à de países europeus, enquanto outros estão mais próximos das estatísticas africanas.

Entretanto, é naquela parcela da população com melhores condições financeiras e maior expectativa de vida que temos as maiores resistências e os grupos de interesse mais aguerridos em manter o status quo. Se estes grupos vencerem esta batalha e a idade mínima de aposentadoria não for alterada agora, logo teremos uma nova reforma da previdência no congresso, e quanto mais tempo demorarmos para reformar, mais drástica a reforma será. A ignorância e a busca pelo próprio interesse podem até vencer esta batalha, mas não vencerão a guerra, pois o “inimigo” a ser vencido não é o governo atual, mas sim a sólida e velha matemática.

Como dizia Roberto Campos: “A burrice, no Brasil, tem um passado glorioso e um futuro promissor...” então é bom nos prepararmos para que o problema seja empurrado com a barriga enquanto possível.

Problemas com a previdência oficial
Se você pensa como eu e não acredita que o governo vai resolver tudo, que não teremos um sistema social que vai amparar toda a população com dignidade, é bom estar preparado. Pois, quando a reforma da previdência for matematicamente impositiva ela será extremamente dura, então, é aconselhável ter um plano B para a renda da aposentadoria. As projeções revelam que as pessoas com mais de 60 anos, que representam hoje 12,5% da população, serão 29,3% da sociedade brasileira em 2050.

Considerando um regime de caixa simples, onde os empregados atuais sustentam os aposentados (sistema que previdência social usa atualmente), mantidas as regras atuais em 2050, teremos 120 milhões de trabalhadores na ativa para sustentar 70 milhões de aposentados. Serão necessários 1,75 trabalhadores na ativa para sustentar um aposentado. Isto se considerarmos que todos aqueles na idade ativa tenham emprego. Como não acredito na viabilidade dessa situação, aconselho a todos que se preparem para os novos tempos.

Como é possível se preparar para esse futuro e formar um grande pecúlio para a aposentadoria, se as necessidades de consumo são tantas, os juros estão em queda e tendo que sustentar o estudo dos filhos por mais tempo? É este o nó górdio que desafia a classe média.

Um plano de aposentadoria de 40 anos
Alexandre Magno sacou a espada e cortou o nó de uma só vez, mas não acredito que possamos resolver tais questões da mesma maneira. São necessárias cinco pequenas ações para construir a independência financeira futura:

  1. Adira a um bom plano de previdência privada, principalmente da parcela dedutível do Imposto de Renda.
  1. Vá além do plano de previdência. Crie o hábito de reservar uma parte dos seus rendimentos para fazer bons investimentos. Lembre-se que poupar é gastar menos do que se ganha e investir é fazer essa poupança render. Definitivamente, é preciso entender os conceitos de risco e retorno e aprender a conviver com mercados que apresentem maior volatilidade, como as bolsas de valores.
  1. Aloque um tempo da sua vida para educar-se financeiramente e, principalmente, para a educação financeira de seus filhos. Filhos sem educação financeira desestruturam as finanças dos mais regrados pais. Pais que não têm educação financeira serão enormes pesos no futuro de seus filhos.
  1. Pense longe. Com juros menores e mais tempo de vida é fundamental pensar em planos de aposentadoria que durem mais do que 30 anos. Ao aumentar o tempo de contribuição de 30 para 40 anos o valor dos aportes mensais cai 40%, considerando uma taxa de juros reais de 4% ao ano.
  1. Aposente-se aos poucos. Maior expectativa de vida significa aposentadoria cada vez mais distante. Sendo assim, pense em alternativas para melhorar e incentivar esse tempo extra de trabalho. Leis podem ser alteradas para permitir regimes de trabalho diferenciados para faixas etárias específicas, como dois ou três meses de férias por ano ou redução da jornada de trabalho para quem já passou dos 60.

Esses cinco passos não são, de maneira alguma, os únicos possíveis. Porém, acredito que precisamos entender que o sistema previdenciário atual não é sustentável e que as aposentadorias não são viáveis da forma como estão.

Precisamos entender que essas mudanças não são culpa do partido A ou B, do presidente passado, atual ou futuro. A verdadeira culpada é a medicina, que fez com que vivêssemos por mais tempo e com mais qualidade de vida. De minha parte, prefiro agradecer os verdadeiros culpados pelos problemas apontados. Fico muito feliz por ter ganhado quase 20 anos de expectativa de vida desde que nasci. 

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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