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Governança Corporativa

NOCAUTE DA AGENDA ESG: O IMPACTO DA COVID 19 NOS MODELOS DE GOVERNANÇA

Desde dezembro de 2019, todas as instâncias de nossas vidas têm sido chacoalhadas por algo invisível, acelular, tóxico, agressivo, veloz e letal denominado Covid-19, o coronavírus. De forma silenciosa e surpreendentemente inusitada, esse vírus transformou o planeta em um campo de teste de resistência humana introduzindo o isolamento social, a utilização de máscaras e álcool em gel como os contra-ataques mais eficazes até agora percebido e recomendado. O antídoto, as vacinas que já estão sendo aplicadas e, mesmo já tendo passado a primeira e a segunda onda, começamos a nos aterrorizar com a possibilidade de uma terceira onda com diferentes variantes se fazendo presentes nas análises e perspectivas mais atuais.

Em maio de 2020, chamamos a atenção para os primeiros impactos do coronavírus nas instâncias de Governança em um artigo publicado neste mesmo veículo, intitulado “Os impactos do Coronavírus na Governança: transversalidade, resiliência, integridade e sincronicidade”, quando atentávamos para quatro fundamentos que passavam a ser percebidos no nosso dia a dia. A Figura 1 a seguir sintetiza de forma gráfica o que ainda pode ser comprovado.

Figura 1: Impactos do coronavírus em curto prazo: transversalidade, resiliência, integridade e sincronicidade

Fonte: SOLÉ, A. A.Os impactos do coronavírus na Governança: transversalidade, resiliência, integridade e sincronicidade. Revista RI,n. 241, p. 29, maio 2020.


A Covid-19 evidenciou de forma contundente a transversalidade entre a Governança global dos países corporativa, institucional, empresarial, atingindo todos os setores da economia mundial; impactando, inclusive, a dinâmica dos pequenos negócios e núcleos familiares. Transformou o planeta em um campo de prova, exigindo que organizações multilaterais, nacionais, corporativas trabalhassem em conjunto para minimizar o impacto e a expansão deste vírus.

Ao mesmo tempo, éramos, e de certa forma continuamos a ser, convidados diuturnamente a aumentar o nosso grau de RESILIÊNCIA. A cada expediente temos notícias inusitadas, de grandes magnitudes, com impactos nacionais e internacionais, cujas respostas não são claras e na maioria das vezes incertas, imprecisas e indefinidas. Se transferirmos essa situação para a Governança dos países, a variável Cultura toma parte desse contexto definindo o grau de fracasso ou de sucesso no combate ao vírus. Os países respondem de acordo com as respectivas culturas nacionais, com os respectivos ciclos de desenvolvimento socioeconômico, fortemente influenciados pela respectiva liderança política. Isso tem provocado respostas e efeitos diferenciados no combate à pandemia. E a questão Cultura nos interessa de maneira ímpar por ser um dos fatores determinantes e diferenciadores dos modelos de Governança efetivamente praticados no mundo atualmente.

Independentemente da dimensão que se queira levar em conta, pessoal, organizacional, nacional ou planetária, o grande desafio durante esta pandemia me parece ser garantir a INTEGRIDADE, o que considero como terceiro impacto causado pela Covid-19: passe o que tiver que passar, o planeta, os países, as organizações e cada ser humano terão que sobreviver e se manterem íntegros. No nível pessoal, o combate ao coronavírus tem chamado a atenção e estimulado cada pessoa a garantir a sua integridade física, mental, emocional e espiritual. Fomos obrigados a colocar o pé no freio no ritmo frenético e quase autônomo que estávamos. Desaceleramos, estamos distantes socialmente e lidando com um grau de incerteza absurdo, caracterizado por não conseguirmos prever sequer o que ocorrerá no próximo mês. Estamos sendo convidados a privilegiar o básico, o simples, o necessário, o possível no momento, e a pensar naquilo que realmente faz sentido no meio disso tudo.

Estamos percebendo que, embora distantes socialmente, a vitória contra o coronavírus dependerá da SINCRONICIDADE, nosso quarto impacto, das atitudes individuais na direção do entendimento de que SOMOS TODOS UM.

Durante esse tempo, assistimos a algumas tendências corporativas se tornarem realidade praticamente da noite para o dia, como o trabalho home office e o meio digital se transformando como principal meio de interação, integração e comunicação empresarial.

Entretanto, para mim, o mais surpreendente foi o nocaute que o data driven ESG - Environment, Social e Governance aplicou nos direcionadores estratégicos que estavam sendo trabalhados pelas empresas:

  • GCR – Governança Compliance e Risco, que passou a ser o dever de casa empresarial mínimo como consequência dos processos de Compliance e Integridade nas empresas; e o
  • ASG – Ambiental, Social e Governance, quando as empresas começavam a se perceber parte de um território e que este território precisava ser tão desenvolvido quanto elas. A governança passava a levar em conta o território em todas as suas nuances: cultural, ambiental, econômica e social.

De uma hora para outra, a Covid-19 evidenciou como os Ecossistemas, o “E” do ESG: Environmental Social e Governance, são relacionados, interligados e interdependentes, afetando tudo e a todos do planeta, subvertendo a importância da inclusão dos stakeholders e do meio ambiente nas estratégias empresariais.

ESG e mudança climática, segundo a Harvard Law School (03/2021), tornaram-se os focos principais de curto prazo das empresas. O “S” do ESG, na direção dos funcionários e comunidades em que as empresas atuam, foi priorizado e continua sendo o fortalecimento do gerenciamento de risco frente a mudanças climáticas, prioritariamente na direção do carbono zero e no ativismo dos investidores com a bandeira institucional de “Say on Sustentability Vote”, influenciando as decisões dos Conselhos. Segundo o mesmo documento de Harvard, outros itens passaram complementarmente a serem percebidos no mundo corporativo influenciando os modelos existentes como:

  • Diversidade, equidade e inclusão: DE&I, sendo a diversidade de gêneros o discurso mais percebido e focado;
  • Convergência das normas internacionais de sustentabilidade buscando maior materialidade;
  • Gerenciamento do capital humano, sendo muito estimulado pelos investidores institucionais o fortalecimento de discussões nos Conselhos sobre cultura corporativa e nacional e esse tema;
  • Retorno do ativismo e aumento do dinamismo dos mercados de capitais; e
  • Reuniões de Conselho e Assembleias virtuais.

De acordo com Andrade e Rossetti (2014), existem seis modelos de Governança efetivamente praticados no mundo: anglo-saxão, alemão, Japonês, chinês, latino-europeu e o latino-americano; estes têm sido fortemente impactados pela Covid e Agenda ESG.

É importante pontuarmos inicialmente que não há um modelo único e universal de governança corporativa. Segundo esses autores, as diferenças resultam da diversidade cultural e institucional das nações, o que tem sido bem pontuado pelo novo perfil dos investidores institucionais. Decorrentes delas, estabelecem-se vários fatores de diferenciação da governança. Uns definem no ambiente externo as organizações e outros se desenvolvem internamente.

Entre os diferenciais externos destacam-se:

  • As proteções legais aos acionistas e outras categorias de regulação;
  • As fontes predominantes de financiamento das empresas; e
  • O estágio em que se encontram no país as práticas de boa governança.
  • Entre os diferenciais internos, os mais destacados são:
  • A separação entre a propriedade e a gestão;
  • A tipologia dos conflitos de agência;
  • As dimensões usuais, a composição e as formas de atuação dos Conselhos de Administração.

O quadro a seguir sintetiza os seis modelos efetivamente praticados de acordo com os 10 fatores de diferenciação escolhidos por Andrade e Rossetti.

Quadro 1: Os seis modelos de Governança efetivamente praticados

Características definidoras Modelo anglo-saxão Modelo alemão Modelo japonês Modelo chinês Modelo latino-europeu Modelo latino-americano
Financiamento predominante Equity Debt Debt Debt Indefinida Debt
Propriedade e controle Dispersão Concentração Concentração com cruzamentos – KEIRETSU Concentração estatal Concentração Familiar concentrado
Propriedade e Gestão Separadas Sobrepostas Sobrepostas/Kansayaku Sobrepostas e frágil Sobrepostas Sobrepostas
Conflitos de agência Acionistas/direção Credores/acionistas Credores/acionistas Majoritários/minoritários Majoritários/minoritários
Proteção legal a minoritários Forte Ênfase crescente: ativismo em alta Fragilizada por várias classes distintas de ações Fragilizada por classes distintas de ações e concentração do capital
Conselhos de administração Atuantes, foco em direitos Atuantes, foco em operações Atuantes, foco em estratégia Monitorados pelo Conselho Supervisor do Estado Pressões para maior eficácia Em reconstituição
Liquidez da participação acionária Muito alta Baixa Em evolução Baixíssima Baixa Especulativa e oscilante
Forças de controle mais atuantes Externas Internas Externas/Governo Internas migrando para externas Internas
Governança corporativa Estabelecida Adesão crescente Baixa ênfase Frágil Ênfase em alta
Abrangência dos modelos de governança Baixa Alta Baixa Mediana Em transição

Fonte: Atualizado pela autora: ANDRADE, A, ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 7. ed. 2014, p. 344.


O objetivo deste artigo é pontuar o impacto da Covid-19 e da Agenda ESG nestes modelos:

Modelo Anglo-Saxão
Modelo representado por países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Baseado na ética calvinista, possui como financiamento predominante de suas empresas o equity, o mercado de capitais. Orientado para o mercado com foco muito forte no Acionista, shareholder, e tendo o CEO como o ator mais ativo. Códigos de governança pioneiros e em constantes atualizações, e o fator de cotação influenciado pela qualidade do processo de governança percebido. Agências de rating e investidores institucionais com influência crescente. E, atualmente, práticas analisadas e avaliadas migrando do GCR para o ESG.

Impactos da Covid-19 e da agenda ESG
EUA: Evidenciado o papel crítico de supervisão e direcionamento estratégico dos Conselhos na prevenção e resposta à pandemia nos negócios da empresa e nas partes interessadas, incorporando e avaliando a gestão de riscos na direção da saúde e do bem-estar dos funcionários, à preservação da reputação da empresa e aos relacionamentos com clientes, fornecedores e outras partes interessadas. Em recente pesquisa realizada pela PWC com empresas de tecnologia, 96% dos respondentes afirmaram que vão mudar a estratégia de segurança cibernética devido à Covid-19. O crescente foco quanto à agenda ESG tem sido conduzido de forma voluntária pelo mercado, de forma incremental e, na maioria das vezes, se enquadrando nas estruturas regulatórias existentes, que pode ser considerado um mosaico de regras e regulamento. A SEC tem sugerido às empresas a divulgação de dados ESG relevantes para os investidores, métricas para capital humano e riscos referentes a mudança climática sem ser de forma obrigatória. Forte ativismo dos três maiores investidores institucionais Black Rock, Vanguard e State Street se organizando na direção de DE&I.

Reino Unido: Sendo muito impactado concomitantemente pelo Brexit, principalmente no que se refere a regulamentos de boa governança. Foco nas empresas drones, diversidade nos Conselhos levando em conta gênero, etnia, competências e cultura. Buscando equilíbrio na divulgação dos fatores que tratam dos riscos de longo prazo da empresa com o desempenho de curto prazo no sistema de remuneração dos executivos, na busca de maior materialidade na medição dos fatores ESG. Divulgações financeiras relacionadas ao clima ganhando força e padrões para relatórios corporativos que atendam ao investidor institucional no foco ESG sendo criado.

Canadá: Mudança na Lei das S.A: meta de 40% de participação de mulheres em todos os Conselhos Institucionais e corporativos, como também participação de representantes da diversidade de gêneros. Fortaleceu a Incorporação dos fatores ESG na tomada de decisão quanto a investimento e robustez/segurança das estratégias de longo prazo. Foco maior em diversidade e inclusão, levando em conta comunidades BIPOC: Black, Indigenous, People of Color. Foco crescente em responsabilidade corporativa e sustentabilidade. A estratégia ESG até então era diretamente orientada pela Diretoria Executiva. Com a Covid-19, os relatórios externos e a comunicação mais relevante estão sendo direcionados para o Conselho e seus Committee.

Austrália: Os Conselhos de Administração estão sendo chamados a se posicionar em relação às criptomoedas e blockchain, e, no caso de empresas familiares, de estimularem a Carta Familiar, que apoia a documentação legal envolvida na transferência intergeracional de riqueza. A Covid-19 também forçou as empresas a terem uma visão mais focada no operacional de curto prazo. Intensificou a discussão na direção da recuperação do verde e economia de baixo carbono, entendendo o quanto a pandemia vulnerabilizou a mão de obra. Os pontos mais percebidos da agenda ESG como foco dos Conselhos são: mudança climática, leis de proteção ambiental, aborígenes australianos, direitos humanos e legislação focada na proteção contra escravidão moderna.

2) Modelo Alemão
Modelo muito impactado por uma Alemanha pós-guerra, rejeitando toda e qualquer forma de liderança autocrática. Caracterizado por duas camadas de Conselhos Aufsichtsrat e Vorstand: Conselho de Supervisão e Conselho de Gestão. Claramente Stakeholder, cogestão e buscando a harmonização de interesses. As empresas são orientadas pelo Kodex, Código de Governança Corporativa da Alemanha, que possui a força de uma política de Estado. Foi duramente impactado pela fraude da Volkswagen em 2015, quando o reformularam, introduzindo o conceito de empresário honrado.

Com impactos da Covid-19 e Agenda ESG, percebe-se uma maior participação da Assembleia Geral dos acionistas na estratégia das empresas, institucionalizando como obrigação do Conselho Supervisor a de submeter à Assembleia Geral todas as questões sobre remuneração do Conselho Executivo, aumentando a responsabilidade do mesmo Conselho quanto a transações com partes relacionadas. Introduziu também obrigações adicionais, fortalecendo a transparência com os investidores institucionais. Trinta por cento da composição do Conselho Supervisor já responde à diversidade de gênero, e esta meta está em fase de desdobramento ao Conselho Executivo.

3) Modelo Japonês
Modelo também muito influenciado pela Segunda Guerra, quando foi bombardeado pelas bombas atômicas. O bem comum passou a ser o valor maior da nação japonesa e direciona todo o planejamento das empresas a partir de então. Em 2015, com a reforma da lei societária japonesa, a Bolsa de Tóquio lançou o Código de Governança Corporativa do Japão com força de política de Estado.

Dos modelos existentes é o mais específico, possuindo duas peculiaridades. Os KEIRETSU, participação cruzada entre as empresas, que blindam a indústria japonesa de take overs externos, e os KANSAYAKU, que podem ser entendidos como conselheiros com funções de controle e fiscalizatórias, com amplo acesso a todos os departamentos .Os Kansayaku ocupam posição de confiança e são entendidos como a bússola moral das empresas. Considerando o ano 2019, 67% das empresas listadas na Bolsa de Tóquio possuem participações cruzadas em investimentos, e 73% utilizam o sistema Kansayaku.

A Covid-19 evidenciou um grande problema trabalhista característico no Japão: o trabalho excessivo dos funcionários japoneses. Muitas companhias se tornaram mais conscientes da importância da segurança e de uma ambiência confortável para seus colaboradores, promovendo uma série de medidas e treinamentos remotos nessa direção e na prevenção da pandemia. Instituições educacionais sendo altamente impactadas pela insuficiência dos telessistemas educacionais. Quanto à agenda ESG, já é realidade a diminuição drástica de financiamentos para plantas industriais novas que utilizam carvão, a manutenção dos títulos verdes e o aumento dos títulos sociais e sustentáveis. Acontecendo lançamento em série de social bonds por várias instituições financeiras. Mudanças climáticas e diversidade de gênero são assuntos fortemente incluídos nos Conselhos de Administração.

4) Modelo Chinês
É o mais recente dos modelos. As bolsas chinesas só foram criadas no início da década de 1990. É caracterizado pelo forte controle do Estado nas empresas e processos de Governança e pela grande diversidade de ações existentes. Além das conhecidas ordinárias e preferenciais, existem ainda as relacionadas à propriedade, nacionalidade e localização de listagem. Ainda existem as ações não negociáveis, que pertencem ao Governo e às pessoas jurídicas. Os conflitos de agência existentes são entre acionistas majoritários e acionistas minoritários. As aquisições em sua maioria acontecem por acordo. O modelo também traduz aspectos da cultura chinesa baseada nos princípios de Confúcio, que influenciam todo o processo de Governança Corporativa Chinês, como a importância da rede de relacionamentos, GUANXI, entre e intra-agentes de mercado. Situações referentes à moral (MIANZI) são cuidadosamente evitadas.

Como impactos da Covid-19 podemos qualificar algo referente a Hong Kong, que enfatizou a questão interna de proteção aos funcionários e participação solidária com as comunidades onde as empresas atuam. Quanto a Agenda ESG, foi definido como áreas estratégicas e focos de médio/longo prazo: forte gerenciamento de risco ligado às questões climáticas, divulgação de informações ligadas à questão climática que facilite a tomada de decisão dos investidores, encorajar inovação e pesquisas na direção da causa sustentável e verde, e transformar Hong Kong como centro de financiamento mundial para causa verde.

5) Modelo Latino-Europeu
Modelo representado pelos países França, Portugal, Espanha e Itália. Possui acionista majoritário bastante concentrado e caracterizado por vários sistemas de governança, podendo coexistir em um mesmo país três modelos: o unitário, o dual e o híbrido. Os princípios valem mais que as regras. Acompanham o racional de integração do Euro. São influenciados pelos direcionamentos da União Europeia. Quanto à estrutura de governança, podemos dizer que na Espanha há a predominância do modelo único, com uma única instância de Conselho. Na França, é opcional o modelo único ou modelo de duas instâncias de Conselho; e na Itália e em Portugal, encontramos os três tipos de Conselho.

Mudanças climáticas e outras prioridades ambientais
No final de 2019, a UE apresentou o “Acordo Verde”, e em 2020 viu a proposta de uma nova lei climática para alcançar emissões líquidas de carbono zero até 2050. Na UE, o "E" de ECOSSISTEMAS do ESG atualmente ofusca o "S" e o "G.”: Para alguns países e investidores (particularmente os nórdicos), a proteção da biodiversidade está emergindo como uma alta prioridade em conjunto com a redução de carbono. Embora a maioria dos conselhos não esteja nomeando cientistas do clima ou especialistas em sustentabilidade, eles precisam nomear Conselheiros que saibam como supervisionar a transição para uma economia de baixo carbono. Os acionistas estão cada vez mais insistentes para que as empresas mostrem as maneiras pelas quais estão levando em consideração os riscos das mudanças climáticas e estão cada vez mais preparados para votar contra os conselheiros quando houver uma falha coletiva em fazê-lo.

Padrões comuns em relatórios ESG/sustentabilidade
Um foco agudo na sustentabilidade trouxe consigo uma necessidade urgente de harmonizar o grande número de metodologias alternativas de relatórios. O pedido dos investidores é de “números, não palavras” para ajudar na comparação ao longo do tempo e setores e na verificação independente de dados ESG. Também há um interesse crescente em ver a remuneração dos executivos vinculada ao cumprimento das metas ESG (amplamente definidas).

Direitos dos acionistas e soluções propostas
A Diretiva de Direitos dos Acionistas II (SRD II) entrou em vigor na maioria dos países membros da UE em 30 de setembro de 2020. Os objetivos do SRD II são aumentar o nível e a qualidade do envolvimento dos proprietários e gestores de ativos com suas empresas investidas, fortalecer os direitos dos acionistas (incluindo o escrutínio da remuneração e transações com partes relacionadas) e facilitar as informações da cadeia de investimento internacional (por exemplo, voto).

Independência do Presidente do Conselho
Na França, a Legal & General Investment Management (LGIM) anunciou que votaria contra indivíduos que ocupassem um cargo combinado de presidente e CEO, alegando que esse acordo causa uma fraqueza fundamental na supervisão de risco.

Figura 2: Modelo latino-europeu, coexistência de três modelos em um mesmo país

6) Modelo Latino-Americano
Representado pelos países da América Latina, tendo o Brasil como Benchmarking pelo tamanho do seu mercado e bolsa de valores.

De acordo com as 10 características diferenciadoras, o Quadro 2 a seguir sintetiza as principais características:

Quadro 2: Características diferenciadoras do modelo latino-americano

O MODELO LATINO-AMERICANO
1. FINANCIAMENTO Predominam exigíveis. Valor de mercado: 80,5% do PNB (mundo: 97,3%). Poucas empresas abertas.
2. CONTROLE Concentrado: Em 2017, no Chile, os conglomerados detêm 70% das instituições não financeiras listadas, e um controlador médio detém 67% das ações das empresas investidas. Na Colômbia, os acionistas controladores detêm mais de 2/3 do total de ações das empresas. No México, grupos empresariais familiares detêm boa parte das ações em circulação no mercado.
3. GESTÃO Acionistas majoritários. Crescente participação estrangeira. Grupos familiares e consórcios.
4. CONFLITOS Entre acionistas. Ações sem direito a voto, 37%. Expropriação.
5. PROTEÇÃO Tag along não universal. Regulação burocrática. Baixo enforcement.
6. CONSELHOS Afetados pela sobreposição controle-gestão. Poder reduzido: proforma. Raros comitês. Postura consultiva.
7. LIQUIDEZ Mercados especulativos. Retenção de grandes blocos. Negociações quatro vezes menores que emissões.
8. FORÇAS ATUANTES Capital institucional: poder crescente. Códigos. Instituições de mercado.
9. GOVERNANÇA Melhores padrões exigidos. Códigos. Ativismo. Requisitos para ADRs.
10. ABRANGÊNCIA Prevalecem modelos shareholders. Evolução para múltiplos interesses.

Fonte: Atualizado pela autora: ANDRADE, A, ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 7. ed. 2014, p. 381.

Quanto aos impactos da Covid-19, temos um afastamento dos investidores institucionais estrangeiros principalmente por questões ambientais na região e a Agenda ESG está ainda na infância. Os principais temas referentes a esse direcionador estratégico estão demandando mais tempo nos Conselhos, que não sabem direito como lidar com isso. As principais mudanças giram em uma maior ênfase na divulgação dos fatores de risco socioambientais e climáticos. Os conselhos estão sendo convidados a pensar em compromissos sociais mais amplos, questões culturais que afetam a saúde e a segurança dos funcionários e como isso tudo se relaciona com a estrutura de gerenciamento de risco. Enquanto a mobilização para melhorar a diversidade está focada no gênero, há um reconhecimento lentamente crescente em torno da necessidade de maior representação racial/étnica tanto nos conselhos quanto na gestão.

De forma geral e de acordo com a OECD: set. 2020 – ESG Investing: Practices, Progress and Challenges e ESG Investing: Environmental Pillar Scoring and Reporting, o Ecossistema financeiro ESG tem evoluindo bem, com os investimentos ESG crescendo rapidamente na última década. Hoje o portfólio gerenciado ultrapassa U$17,5 trilhões globalmente, e o investimento comercializado em produtos ESG excede a U$1 trilhão. Esses investimentos atraíram o interesse do setor público, através dos bancos centrais, privilegiando sistemas financeiros na direção de economias mais verdes e de baixo carbono.

O nocaute da agenda ESG reforçado pela pandemia em cima das estratégias corporativas atuais é inegável. As notícias mais recentes não deixam dúvidas sobre a força desse nocaute, como o fundo ativista em ESG Engine N1 ter conquistado dois assentos no Conselho da ExxonMobil e o inusitado julgamento em que a Shell foi considerada “parcialmente responsável” pelas mudanças climáticas, sendo obrigada a reduzir suas emissões de carbono em 45% até 2030.

Os modelos de Governança sobreviverão adaptando-se a novas tendências e suportados no que faz realmente sentido: as respectivas culturas corporativa e nacional. Toda essa dinâmica de evolução exigirá dos Conselhos de Administração empresariais e institucionais competências plurais e integradas capazes de suportar o contraditório e dispostos a saírem de sua zona de conforto, mergulhando corajosamente numa arena desconhecida, em que tudo pode acontecer.


Adriana de Andrade Solé
é Conselheira da SCGÁS, da Editora Fórum e certificada pelo IBGC. Membro do GGC Brasil: Grupo de Governança Corporativa Brasil. Engenheira Eletricista, Autora, Professora, Palestrante e Consultora em Governança Corporativa.
adrianasole2021@gmail.com


Continua...