Gestão de Risco

BIODIVERSIDADE SE APROXIMA DO CENTRO DAS DISCUSSÕES ESG

Com a TNFD, a abordagem integrada de questões ambientais, sociais e de governança deve considerar aspectos da natureza

O tema da Sustentabilidade, que há alguns anos era um diferencial, atualmente é reconhecido como fundamental para a gestão de risco e criação de valor, tendo se aproximado cada vez mais do compliance e, em alguns casos, pré-requisito. Essa mudança de relevância tem sido notada por diversas organizações, principalmente as de capital aberto e/ou com sede ou operações relevantes na Europa.

A publicação da Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 193, que aborda a elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão da International Financial Reporting Standards (IFRS) S1 e S2, evidencia a relação com compliance.

O S1 trata dos requisitos de divulgação de informações sobre os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade e o S2 aborda mais especificamente informações sobre riscos e oportunidades relacionados com o clima. Vale destacar que o S2 foi concebido e estruturado em linha com a TCFD, Task Force on Climate-related Financial Disclosures.

As discussões sobre a TCFD tiveram início em 2015, tendo sua versão preliminar lançada em 2016. Desde então se tornou a principal referência para legislações ligadas às questões climáticas. Para quem ainda está no processo de conhecimento e aprofundamento na temática do clima, os ponteiros do relógio estão se acelerando.

No mesmo caminho, foi publicada em 2023 a TNFD (Task Force on Nature-related Financial Disclosures), abordando a temática da natureza. Assim como a TCFD se tornou uma obrigação de disclosure com o S2, a TNFD deve seguir o mesmo caminho, ampliando o escopo para abranger os impactos, dependências, riscos e oportunidades relacionados à natureza.

O que difere ambas, TCFD e TNFD, é a abrangência. O conceito de natureza, explorado pela TNFD é amplo. Envolve o mundo físico em sua totalidade, incluindo plantas, animais, paisagens e outros elementos da terra e busca entender impactos e dependências das organizações quanto à natureza. Diferente da objetividade que o cálculo do carbono proporciona à matemática do clima, natureza é tema complexo, necessita a abordagem local e é ainda mais urgente.

Nesse sentido, a TNFD reconhece a natureza como mais que um recurso, um ativo valioso que foi subvalorizado, alinhando-se com o Global Biodiversity Framework (GBF). O GBF estabeleceu metas ambiciosas, como a proteção e restauração de 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos até 2030 além de metas que ressonam sobre o mundo dos negócios e recursos financeiros.

Assim como a TCFD, a TNFD propõe uma abordagem estruturada e profunda para entendimento, compreensão e valoração da natureza nos balanços financeiros das organizações.

Por meio da abordagem LEAP (Localizar, Estimar, Avaliar e Preparar) para a avaliação de riscos e oportunidades relacionados à natureza, a organização precisa entender e se aprofundar em sua localização, reconhecendo que os impactos variam de acordo com a área geográfica. A TNFD, ainda, recomenda 14 divulgações abrangendo governança, estratégia, riscos, gestão de impacto, métricas e metas.

Assim como ocorre com a questão climática, a cadeia de valor da organização é parte fundamental da análise. Desequilíbrios ao longo de uma cadeia de valor podem resultar em perturbações na cadeia de abastecimento, litígios e perda de licença para operar.

Nesse sentido, a TNFD reconhece também a correlação natureza e direitos humanos, requerendo o engajamento com povos originários e tradicionais como parte integrante do LEAP. Contextos de alto risco para a biodiversidade tendem a ser de alto risco aos direitos humanos. As normas e orientações internacionais existentes reconhecem que as empresas em contextos de alto risco enfrentam uma maior possibilidade de envolvimento em graves violações aos direitos humanos.

Trazer a natureza para o processo de tomada de decisão não é obvio, tampouco fácil. Por isso a estratégia de aguardar as movimentações do mercado e só depois agir, não parece ser a melhor, principalmente para negócios que impactam ou são dependentes da natureza.

A estratégia de fazer mais um puxadinho, como muitas organizações fizeram com o clima, também não parece que funcionará. Assim como clima, a agenda é transversal e não endereçar de forma adequada pode trazer riscos e custar mais caro no futuro. Nesse sentido é importante que a organização faça uma reflexão sobre longo prazo e traga as temáticas da sustentabilidade de forma integrada para a estratégia.

Entendendo o desafio que a TNFD trará as organizações, os seguintes passos devem ser considerados para o avanço na agenda:

- Capacitar as lideranças: Para o processo de tomada de decisão consciente, conhecer a temática ambiental, com foco na natureza e suas nuances é fundamental.

- Avaliar o estágio atual da organização: Revisar os impactos e dependências das atividades corporativas relacionadas à natureza, incluindo o mapeamento da cadeia de valor para identificar onde estão as dependências em serviços ecossistêmicos, como água, insumos biogênicos, polinizadores para commodities agrícolas, e hotspots em risco. Revisar a base de dados quantitativos, identificar lacunas e como preenchê-las.

- Governança: Obter a aceitação e suporte da liderança, estabelecer uma governança de múltiplos níveis sobre os programas integrados da natureza, engajamento com a comunidade local e transparência.

- Colaboração: Engajar-se com pares da indústria, parceiros na cadeia de suprimentos e comunidades locais para uma abordagem tridimensional que inclua clima, natureza e questões sociais, buscando oportunidades de valor compartilhado a partir do envolvimento das partes interessadas afetadas na gestão destes.

- Planejar: Definir uma direção estratégica clara e factual, com áreas prioritárias de ação, para curto e longo prazo, em linha com o Global Biodiversity Framework. Estabelecer uma linha de base consistente para fazer gestão dos riscos materiais e monitorar o desempenho.

Em uma estimativa do Fórum Econômico Mundial de 2020 no relatório “Nature Risk Rising: Why the Crisis Engulfing Nature Matters for Business and the Economy”, há uma dependência moderada ou alta de mais de 50% do PIB mundial quanto à natureza, o que significa cerca de 44 trilhões de dólares.

Embora a dependência seja grande, o mesmo relatório traz que 32% das florestas do mundo foram destruídas, que cerca de 55% da área oceânica é coberta pela indústria pesqueira e que houve um declínio de 83% na população dos oceanos e 60% da população de espécies vertebradas desde a década de 1970.

Fato é que o atual estado do mundo pede mudanças urgentes e a agenda de sustentabilidade tem sido enxergada como um caminho para a transformação que o mundo precisa. Estar atento à agenda e aos ajustes de gestão necessários é fundamental para não colocar em risco a longevidade dos negócios.

Diante disso, os executivos precisam se preparar para responder aos investidores sobre os riscos e oportunidades da natureza, compreendendo a maturidade de gestão da organização e seu real impacto e dependência em relação à natureza. A TNFD, alinhada à TCFD, oferece uma estrutura sólida para guiar as empresas nessa jornada de sustentabilidade.

Você como executivo de uma organização está preparado para responder aos seus investidores sobre riscos e oportunidades da natureza? Tem clareza quanto à maturidade de gestão de sua organização na temática? Entende como seus projetos de capital beneficiam as pessoas, o clima e a natureza? Conhece o real impacto de sua organização e do seu negócio na natureza, bem como, sua dependência? Atua para melhorar a resiliência da sua cadeia de suprimentos para evitar perturbações?

Se a resposta a uma ou mais dessas perguntas acima for negativa é hora de acelerar sua jornada.


Felipe Nestrovsky
é sócio da ERM NINT.
felipe.nestrovsky@erm.com

Fernanda Britto
é sócia da ERM.
fernanda.britto@erm.com


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