Em Pauta

CASOS SANTANDER E EMPIRICUS: CENSURA?

EM FASE PRÉ-ELEITORAL, BRASIL VIVENCIA POLÊMICAS SEM PRECEDENTES ENTRE ANALISTAS DE MERCADO E O GOVERNO

O banco Santander enviou, no mês de julho último, junto com o extrato de cerca de 40 mil clientes do “Select”, segmento de renda acima de R$ 10 mil, um informativo com o título “Você e Seu Dinheiro”, que relacionava a subida da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais à um cenário de desvalorização do real, alta dos juros e reversão das altas recentes na bolsa. O que era para ser um comunicado rotineiro se transformou em crise e acendeu um debate no País, em período que antecede as eleições, sobre a liberdade de expressão dos analistas e o dever fiduciário das instituições financeiras.

O texto do banco foi divulgado pela imprensa e compartilhado nas redes sociais, onde os comentários dos internautas continham o calor da disputa. O governo e o Partido dos Trabalhadores (PT) reagiram prontamente. O Santander encaminhou um primeiro pedido de desculpas aos clientes, esclarecendo que o conteúdo do texto não refletia o posicionamento da instituição. Na ocasião, a presidente Dilma chegou a comentar que esse pedido de desculpas foi bastante “protocolar”, não era suficiente, e que iria conversar com o banco a respeito. O Santander se desculpou, então, pela segunda vez, enviando um outro comunicado aos correntistas. O episódio resultou na demissão da analista Sinara Polycarpo Figueiredo. Sem mencionar o nome dela, o afastamento foi comunicado pelo próprio presidente global do banco espanhol, Emilio Botín, que ressaltou ter havido uma “falha”.

Para o economista Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria Empresarial e apresentador do programa Manhattan Connection, na nota do Santander aos clientes Select não havia nada que contrariasse a legislação eleitoral, que justamente existe para coibir qualquer tipo de manipulação. Segundo ele, o que houve foi uma atitude do governo para coibir uma análise. “Fico preocupado com esse movimento que limita a liberdade de expressão no País. O governo usou o peso que tem como portador de negócios, inclusive financeiros, e pressionou o banco”, ressalta. Segundo ele, a instituição financeira deveria ter apoiado a análise. “Mas no mundo real, é muito difícil resistir à uma pressão que vem da presidente da República”, diz Amorim.

Nessa mesma linha, Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, o governo e o PT não precisavam ter se manifestado de forma tão contundente. “Ao reclamarem, chamaram mais atenção à uma pequena nota que não tinha tanta importância. Passaram recibo de autoritários, de que censuram as ações do banco. Não houve lucro político com isso”, comenta o sociólogo e cientista político.

Na outra ponta, Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos conselheiros da presidente Dilma Rousseff na área econômica, enfatiza que o conteúdo da análise divulgada pelo Santander não foi adequado. “Foi um texto puramente político eleitoral e claro que tem significado econômico porque aumenta o pessimismo”, enfatiza o economista e professor. Conforme ele, o governo não feriu a liberdade de manifestação e o que houve foi apenas uma crítica à opinião que tinha conotação eleitoral. “O governo apenas respondeu ao que a analista escreveu e discordar não é impedir a liberdade de expressão”, afirma. Belluzzo avalia ainda que a forma como o comunicado foi escrito representou outro erro porque ficou parecendo que era uma visão do banco, que tinha caráter institucional. “Foi outro ato de amadorismo da analista que comprometeu o banco com uma opinião que oficialmente não é dele”.

O professor Roberto Romano, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, também considera que a nota foi mal redigida. “O enunciado foi claramente político, mas a reação da presidente foi autoritária em demasia como se fosse proibido criticar a política do governo que está notoriamente ineficaz para enfrentar uma crise do tamanho que estamos entrando”, enfatiza Romano. A decisão do banco ao demitir a profissional e pedir desculpas aos clientes duas vezes agravou o problema. “Ficou a impressão de que a instituição não tem confiança em si nem na democracia”.

O professor de economia do Insper Otto Nogami destaca que as volatilidades de ações, taxa de câmbio e juros estão sempre correlacionadas a eventos. “Neste caso, as volatilidades ocorrem em função de resultado de pesquisa eleitoral”, explica. Política e economia andam de mãos dadas. O período eleitoral e a piora dos indicadores macroeconômicos podem ter criado um ambiente de desespero político, fazendo com que o governo reagisse de tal forma, avalia Nogami.

As correlações feitas pela analista são concretas tecnicamente, sob o olhar da economia e finanças, escreveu o ex-economista do Santander, Alexandre Schwartsman, em um de seus artigos na Folha de S.Paulo. Ele lamentou que a análise que foi disparada pelo banco aos correntistas tenha sido, posteriormente, renegada pela instituição. Schwartsman argumenta que aquela pequena nota não fez julgamento se a política governamental eleva ou reduz o bem-estar dos variados segmentos da população. Esse julgamento, são os eleitores que devem fazer. A analista fez uma avaliação dos efeitos das medidas governamentais sobre os preços de ativos. “A continuidade da atual política econômica terá efeitos negativos sobre os preços dos ativos, em particular no mercado de ações, em que prevalecem empresas controladas pelo governo, cujos resultados tem sido prejudicados por medidas equivocadas, como controles de preços, em razão da incapacidade de lidar com a inflação”, argumentou.

De acordo com Ricardo Amorim, quando o cenário político impacta as decisões financeiras é obrigação do banco e do assessor financeiro alertar seus clientes. O informativo do Santander cumpria essa função. O economista ressalta que os números mostram que o desempenho do Brasil é ruim. É um fato a deterioração dos indicadores macroeconômicos. A inflação está próxima do teto da meta – nos últimos doze meses chegou a 6,37% , e o Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Focus, crescerá 0,79%. Os índices de confiança do setor da construção, indústria, serviços e comércio estão baixos. Amorim diz ainda que as constantes mudanças nas regras fizeram com que os empresários se retraíssem e investissem menos. O governo, por sua vez, tem investido somente 2% do PIB.

“A economia está desacelerando, agora, é preciso ter cautela para concluir que vá para recessão porque do jeito que as coisas vão o debate fica muito em cima da eleição”, pondera o economista Luiz Gonzaga Belluzzo sobre algumas análises que vem sendo divulgadas. Entretanto, ele reconhece que há uma perda na força do consumo. “Todos os efeitos de ascensão das classes C e D começam a se atenuar”. E, ao mesmo tempo, os investimentos estão em patamares reduzidos. Quanto à inflação, Belluzzo comenta que deverá permanecer abaixo do teto da meta este ano. Mas em 2015, será preciso resolver o reajuste da gasolina e os impactos recairão sobe o próximo governo.

O papel dos analistas

Quando as repercussões do caso Santander começaram a ganhar fôlego, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional) divulgou uma nota com objetivo de esclarecer à sociedade que a atividade de analista de valores mobiliários é regulada pela instrução 483 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os analistas são certificados, seguem um Código de Conduta - têm compromissos de isenção, ausência de conflito de interesses e independência - e são fiscalizados. Os profissionais emitem opiniões de investimento e tem o dever fiduciário.


Continua...