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Educação Financeira

QUE HERANÇA VOCÊ PRETENDE DEIXAR?

Uma grande herança para os filhos atualmente é chegarmos ao ocaso da vida com condições físicas, emocionais e financeiras de ter uma rotina autônoma. Assim nossos filhos poderão herdar a habilidade de projetar suas carreiras, tempo livre para cuidarem de seus próprios filhos e energia para construir seus patrimônios.

No último mês publiquei neste espaço o artigo “Trabalhar para quê?”, em que refletia sobre os motivos que levam pessoas que já acumularam muito dinheiro a continuar trabalhando intensamente. Entre os motivos apontados para continuar a trabalhar, não citei a herança. Alguns leitores escreveram para questionar esta ausência. Neste artigo, vou buscar refletir sobre este tema complexo.

Herança, sem dúvida, é um dos assuntos mais controversos em finanças pessoais. As conversas sobre este tema costumam despertar discussões com posições diametralmente opostas, mesmo entre os especialistas.

Muitos bilionários americanos dizem que querem doar a maior parte de suas fortunas para instituições filantrópicas. Entre eles: Bill Gates, Ted Turner, William Barron Hilton, Warren Buffet e Michael Bloomberg. Este último afirmou que cria os filhos com a expectativa de que “o cheque do coveiro pode voltar”.

Porém, enquanto alguns dizem que vão doar tudo que construíram, muitos recorrem a seus bankers tentando montar estruturas complexas para transferir suas fortunas de forma segura para filhos e netos. Mesmo quem tenta com todo cuidado ordenar suas heranças não livra os herdeiros de possíveis disputas acirradas.

A herança muitas vezes é o ponto de partida para desentendimentos familiares e, por isso, frequentemente é tema de romances, peças de teatro e novelas. São incontáveis as famílias que rompem os laços de fraternidade na discussão da divisão do patrimônio. Porém, também é inegável que ele pode ser o elo entre gerações de uma família.

Filhos bem educados podem ter na herança uma forte alavanca para ter uma vida de mais conforto ou até mesmo para conseguir iniciar um negócio próprio. Por outro lado, também há filhos que crescem com a certeza de que um dia vão receber uma grande herança - e acabam não se esforçando tanto para construir o próprio patrimônio.

Ontem e hoje

Como tantas coisas na vida, o desejo de deixar uma herança transcende o aspecto meramente racional. Na aristocracia a propriedade era da nobreza, que se perpetuava com a transmissão do patrimônio. Na meritocracia, as famílias incorporaram a ideia que cada um deve ter aquilo que seus méritos lhe permitem. Mas buscaram o direito de transmitir herança para os filhos, o que antes era restrito aos nobres.

A herança não nasce do altruísmo da aristocracia agrária e da burguesia. A herança nasce de um pacto tácito entre as gerações: os filhos tinham a expectativa de receber uma herança quando os pais viessem a falecer e os pais, por sua vez, cobravam um preço por esta expectativa de ganho: os filhos deveriam cuidar deles caso ficassem velhos e sem condições para o trabalho.

A herança foi um recurso da imprevisibilidade da vida. Se os pais vivessem pouco, os filhos recebiam a herança. Mas se vivem muito, os filhos precisavam assumir o ônus de sustentar os pais.

Este pacto, que é tácito por não estar descrito em nenhum documento, está entranhado na nossa cultura contemporânea. Acontece que ele é um pacto caduco. Fazia muito sentido em um passado recente, mas foi posto em cheque pelo aumento exponencial da expectativa de vida e pela redução do número de filhos por família.

Em meados do século passado a nossa expectativa de vida girava em torno de 50 anos. Ou seja, só a metade das pessoas vivia mais de 50 anos. Era grande a chance de os filhos receberem ao menos parte da herança quando estavam na casa dos 30 anos, fase em que o dinheiro fazia enorme diferença em suas vidas.

Com o aumento da expectativa de vida, a probabilidade é que a herança chegue muito depois dos 50 ou 60 anos. Receber uma herança aos 30 pode ser um tremendo impulso para a formação de um patrimônio ou para a melhoria da vida. Após os 50, o impacto tende a ser muito menor.

Outro fator contrário ao antigo pacto á a redução do número de filhos. Em uma família numerosa a tarefa de cuidar dos velhos é dividida entre muitos. Já em uma família pequena a tarefa se concentra em poucos - quando não em apenas um. É o caso de uma amiga minha que já passou dos 50 anos. Ela é filha única e cuida da mãe, do pai e de uma avó com mais de 90 anos. Divide ainda a tarefa de ajudar a cunhada nos cuidados com a sogra.

O novo pacto

Se o pacto antigo não é mais conveniente, outro precisa substituí-lo. Muitas pessoas perguntam minha opinião sobre fazer planos de previdência para o estudo dos filhos. A pergunta que faço é se estas pessoas têm um bom plano de aposentadoria. Muitas respondem que não - o que pode significar que o filho acabará se tornando ele mesmo o plano de aposentadoria.

Muito melhor do que deixar uma herança para os filhos é tentar manter uma boa fonte de renda que permita uma velhice com conforto financeiro. É preciso também cuidar da saúde física e emocional para chegar à terceira e à quarta idade como uma pessoa que aproxime as outras pelo prazer da convivência e não por obrigação ou por pena. Como escreveu Cícero, os homens são como vinho, a idade apura os bons e azeda os maus. Em uma sociedade com muitos velhos, é fundamental não azedar.

A herança foi fundamental para a consolidação de uma aristocracia agrária, e muito importante na era industrial. Mas na era do conhecimento o mais importante é a educação de qualidade. Educação é o patrimônio mais pessoal e seguro – e nesse ponto todos os educadores financeiros concordam.



Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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