Liquidez

O DILEMA DA LIQUIDEZ DE CAIXA

Competitividade mais acirrada, nível de crescimento da economia, inflação, perda do grau de investimento, juros elevados, muitos impostos e altos custos de produção. Todos estes obstáculos levam as empresas no Brasil a apegar-se a uma necessidade excessiva de segurança. 

É bem sabido que para que uma empresa mantenha seu fluxo de atividades no azul, é preciso ter a garantia de um caixa bem estruturado. Primeiramente, é importante ter dinheiro para que oportunidades de investimento não sejam desperdiçadas, assim como possibilidades de fusões e aquisições. Impossível realizar estas estratégias sem um bom nível de caixa e linhas de crédito. O dinheiro também é necessário para manter as operações e quitar dívidas de curto prazo. 

Além disso, quando não há um caixa fortalecido, é preciso recorrer a financiamentos, que muitas vezes possuem custos elevados, podendo inviabilizar as operações. Neste aspecto, alguns setores acabam ficando mais vulneráveis. A indústria, por exemplo, pode deixar suas máquinas como garantia do empréstimo. O setor de serviços, por outro lado, acaba sofrendo mais, tendo em vista que possui menos ativos tangíveis para dar como garantia - além do valor de mercado da empresa. Ou seja, acaba lidando com custos ainda mais altos para financiar o giro. 

É incontestável a necessidade de que as empresas tenham boa administração da liquidez para se manterem no mercado. Isso poderia levar alguns a crerem que ter excesso de dinheiro em caixa é positivo para as empresas.

Esse é o objetivo do levantamento empírico sobre o comportamento da liquidez para o período de 2010-2014, feito com base na amostra de 61 empresas de governança corporativa do Ibovespa de diversos segmentos, com exceção do setor financeiro. Assim, considerou-se dois planos de análise, como:

a) Avaliação da disponibilidade líquida: representa avaliar o nível da disponibilidade líquida (caixa + aplicações financeiras) confrontado o comportamento com:

1. Em relação ao endividamento de curto prazo mais os investimentos (gastos com capital fixo);
2. Em relação ao endividamento de curto prazo;
3. Em relação aos investimentos e;
4. Em relação ao endividamento total (curto e longo prazo).

b) Nível de geração de caixa: através da análise do fluxo de caixa operacional gerado pelas empresas a cada período, confrontando-o com:

5. O endividamento de curto prazo e;
6. Os investimentos.

Observa-se que grande parte das empresas pesquisadas mantem um volume de caixa excessivo, muito superior ao que seria necessário e razoável, deixando de investir na operação ou de retornar o dinheiro ao acionista (dividendos ou recompra de ações).

Das 61 empresas da amostra, podemos afirmar que ao menos 16 ou (26%) delas possuem liquidez em nível muito elevado (item 1 a seguir) e ao menos 21 ou (34 %) possuem excesso de liquidez quando se considera também com a geração de caixa operacional (item 5).

a) Avaliação da disponibilidade líquida
Compreende a análise do comportamento da disponibilidade líquida comparada com quatro indicadores demonstrados a seguir:

1 - Disponibilidade Líquida x Dívida de Curto Prazo + Investimentos
 
Considerando o indicador de disponibilidade líquida dividido pela dívida de curto prazo mais os investimentos realizados em cada ano, classificamos as empresas pela mediana do período. Na Tabela 1.1, apresenta-se esse resultado com as empresas que apresentaram o valor maior ou igual a um para o indicador analisado.

Tabela 1.1 – Disponibilidade Líquida / Dividas de Curto Prazo + Investimentos

Empresas Mediana 5 anos Empresas Mediana 5 anos
1-Celesc 17,24 9-Totvs 1,63
2-Grendene 4,61 10-Marcopolo 1,51
3-Embraer 2,85 11-Localiza 1,17
4-Brasilagro 2,40 12-Magnesita 1,15
5-Weg 1,81 13-Taesa 1,14
6-Hering 1,78 14-Gafisa 1,06
7-Randon 1,68 15-Pão Açúcar 1,04
8-Klabin 1,65 16-Gol 1,03

Dentre as 16 (26%) empresas na Tabela 1.1, a Celesc e Grendene apresentaram liquidez excessiva, cobrem ao menos quatro vezes o valor das dívidas de curto prazo somada aos investimentos. Outras duas (Embraer e Brasilagro) com liquidez de ao menos duas vezes e as demais 12 empresas possuem ao menos uma vez liquidez para bancar as dívidas de curto prazo e investimentos, ou seja, a maioria poderia avaliar a possibilidade de aumentar os investimentos fixos, visando ampliação de mercado ou mesmo a devolução dos recursos aos acionistas. Encontrou-se também, 25 empresas com o indicador inferiores entre 0,5 e 1,0, ou seja, que não conseguem cobrir as dívidas de C.P. e investimentos.
Em relação ao retorno financeiro das disponibilidades, ressalta-se que em torno de 90% das empresas da amostra não conseguem obter retorno financeiro sobre as disponibilidades equivalentes ao custo de capital-WACC, assim sendo, houve destruição valor ao acionista.

2 - Disponibilidade Líquida x Dívidas de Curto Prazo

Ao analisar o comportamento das disponibilidades versus as dívidas de curto prazo, encontrou-se 10 empresas com o indicador acima de 3 vezes, das quais 5 dessas empresas constam da Tabela 1.1, como (Embraer, Celesc, Hering, Grendene e Totvs). Outras 12 empresas com o indicador acima de duas vezes, das quais 6 dessas também contam da Tabela 1.1, como (Klabin, Randon, Weg, Brasilagro, Gol e Marcopolo) e 18 empresas o indicador acima de uma vez.
Observa-se que as demais 21 empresas (34%) não possuem disponibilidades equivalentes as dívidas de curto prazo.

3 - Disponibilidade Líquida x Investimentos

Avaliando o comportamento da disponibilidade versus o nível de investimentos realizados, observa-se que 10 empresas possuem o indicador superior a 3 vezes, sendo que dessas 10 empresas, 9 constam da Tabela 1.1 acima, como (Celesc, Grendene, Weg, Randon, Totvs, Klabin, Embraer, Marcopolo e Pão de Açúcar), 5 com o indicador acima de 2 vezes, e 25 (41%) empresas entre 1,0 e 2,0.

4 - Disponibilidade Líquida x Endividamento Total

Na amostra, encontram-se 9 empresas com disponibilidades para cobrir o total da dívida (curto e longo prazo), sendo que 7 (11%) dessas empresas estão na Tabela 1.1, ou seja, também possuem disponibilidades suficientes para cobrir a dívida de curto prazo mais investimentos.

b) Geração de caixa operacional
No segundo plano da análise, avaliou-se a geração de caixa operacional obtida pelas empresas e ela foi comparada com o comportamento das dívidas de curto prazo e com o nível de investimentos, indicando novamente excesso de liquidez, conforme as informações a seguir:

5 – Fluxo de Caixa Operacional x Dívidas de Curto Prazo

Considerando o indicador de fluxo de caixa operacional pelas dívidas de curto prazo, classificou-se as empresas pela mediana do período dos últimos 5 anos (2010 – 2014). A Tabela 5.1 a seguir demonstra esse resultado para as empresas que apresentaram o valor maior ou igual a um para o indicador em questão.

 Tabela 5.1 – Fluxo de Caixa Operacional/Dividas de Curto Prazo

Empresas Mediana 5 anos Empresas Mediana 5 anos
1-Hering 13,09 19-Copel 1,59
2-Vale 6,37 20-Equatorial Energia 1,58
3-Eletropaulo 3,82 21-EDP 1,57
4-Localiza 3,09 22-Celesc 1,54
5-Totvs 2,88 23-Taesa 1,48
6-CardSystem 2,69 24-Duratex 1,46
7-Fibria 2,59 25-Arteris 1,45
8-Bematech 2,56 26-Lojas Renner 1,42
9-Gerdau 2,51 27-Natura 1,39
10-Magnesita 2,32 28-Cesp 1,33
11-LPS 2,32 29-Usiminas 1,27
12-Eternit 2,30 30-TransPaulista 1,20
13-M.Dias Branco 2,25 31-CPFL 1,16
14-São Carlos 1,98 32-Suzano 1,10
15-Grendene 1,98 33-Cemig 1,09
16-Copasa 1,74 34-Ultrapar 1,05
17-Embraer 1,72 35-Profarma 1,00
18-Sabesp 1,67    

Dentre as 35 empresas na Tabela 5.1, quatro (Hering, Vale, Eletropaulo e Localiza) apresentaram geração de caixa suficiente para cobrir ao menos três vezes o valor das dívidas de curto prazo. Temos outras 9 (Totvs, CardSystem, Fibria, Bematech, Gerdau, Magnesita, LPS, Eternit, M.Dias Branco) com geração de caixa de ao menos duas vezes e as demais 22 (36%) empresas possuem geração de caixa para bancar ao menos uma vez as dívidas de curto prazo.

Na Tabela 5.2 a seguir, 21 das 35 empresas da Tabela 5.1, além de apresentarem geração de caixa para cobrir a dívida de curto prazo, também possuem disponibilidade para cobrir os investimentos.

 Tabela 5.2 – Disponibilidades/Investimentos

Empresas Mediana 5 anos Empresas Mediana 5 anos
1-Celesc 16,59 12-Usiminas 1,44
2-Grendene 13,26 13-Magnesita 1,40
3-Totvs 5,11 14-Copel 1,32
4-Embraer 3,37 15-Eletropaulo 1,22
5-Fibria 2,56 16-CPFL 1,13
6-Ultrapar 2,2 17-São Carlos 1,12
7-Hering 1,93 18-Bematech 1,09
8-Localiza 1,73 19-Duratex 1,03
9-Equatorial Energia 1,59 20-Gerdau 1,00
10-Natura 1,56 21-Lojas Renner 1,00
11-Suzano 1,51    

Ou seja, é possível afirmar pelas informações da Tabela 5.2 que essas 21 (34%) empresas possuem excesso de liquidez apenas pela comparação das disponibilidades com investimentos, dado que, a geração de caixa delas já é suficiente para cobrir a dívida de curto prazo. Sendo assim, o saldo das dívidas de curto prazo poderia ser suprido pela renegociação dos financiamentos, tendo em vista que o dinheiro está parado e disponível no caixa.

6 – Fluxo de Caixa Operacional x Investimentos

Considerando a capacidade de geração de caixa cobrir os investimentos, quatro (Grendene, Hering, TransPaulista e Usiminas) empresas da amostra têm geração de caixa para cobrir ao menos três vezes os investimentos. Outras sete empresas (Natura, Fibria, Totvs, Profarma, BRF, Hypermarcas e Pão de Açúcar) possuem fluxo de caixa operacional suficiente para cobrir os investimentos em ao menos duas vezes. Outras 22 empresas ainda geram caixa na operação para pagar ao menos uma vez os investimentos realizados.

Logo, temos 33 empresas (54%) da amostra com capacidade de geração de caixa para cobrir os investimentos, com 21 delas (34%) conseguindo também a cobertura da dívida de curto prazo através da sua geração de caixa de caixa.

Em contrapartida, existem outras 11 empresas (18%) que possuem geração de caixa de para cobrir as dívidas de curto prazo, mas não para os investimentos. As 16 restantes (26%), não possuem geração de caixa suficiente para cobrir ou a dívida de curto prazo ou os investimentos.

Tendo em vista os resultados da análise, por que as empresas mantêm mais caixa do que o necessário? Em termos conceituais de finanças, diferentes autores (Brigham, 2014 & Damodaran 2007) costumam citar razões como: motivos transacionais (operacionais), motivos preventivos e investimentos e oportunidades futuras. Outros autores (Bates et al. 2006) ainda adicionam outras justificativas, como problemas de agência, saldos de caixa estratégicos e impostos.

Observa-se na Tabela 6.1 a seguir, um comportamento favorável na maioria das empresas, onde o crescimento real anual equivalente das vendas é relevante. Da mesma maneira e comparativamente, houve crescimento nos investimentos fixos no período, confirmando que a estratégia de expansão e de diminuição da liquidez devem ser consideradas.

Tabela 6.1 – Variação de Vendas e Capital Fixo no período de 5 anos

Empresas Média Equiv. Anual Empresas Média Equiv. Anual
Vendas Cap. Fixo Vendas Cap. Fixo
1-Celesc 6,0% -4,6% 9-Totvs 6,1% 3,5%
2-Grendene 2,9% 9,1% 10-Marcopolo 4,8% 9,2%
3-Embraer 0,6% 11,7% 11-Localiza 9,9% 9,4%
4-Brasilagro 16,3% -0,4% 12-Magnesita 0,4% 4,2%
5-Weg 6,9% 6,6% 13-Taesa 5,2% 14,5%
6-Hering 11,8% 0,4% 14-Gafisa -11,8% 0,1%
7-Randon 2,8% 6,7% 15-Pão Açúcar 16,2% 10,2%
8-Klabin 4,4% 6,9% 16-Gol 4,6% 9,7%

Conclusão

O excesso do conservadorismo ao manter níveis de caixa muito elevados resulta na destruição de valor da empresa, prejudicando os acionistas, dado que o baixo resultado financeiro das disponibilidades diminui de forma relevante o resultado efetivo das empresas e deve-se considerar ainda que as empresas possuem a obrigação de dar um retorno aos acionistas correspondente ao nível de risco que eles estão se expondo no mercado. 

Pelos dados da amostra, percebe-se que historicamente existe um superdimensionamento da liquidez pelas empresas. Com isso, os diretores financeiros e gestores têm o desafio de aprimorarem suas estimativas e gestão de caixa - o dinheiro deve ser aplicado de forma mais eficiente para otimizar os ganhos nas atividades operacionais, ou em não havendo oportunidades de investimento, devolver ao acionista o excesso das disponibilidades na forma de dividendos ou recompra de ações, aumentando o retorno aos acionistas e o valor da empresa no mercado. Neste caso, fica mais vantajoso aos acionistas cuidar do seu próprio dinheiro com aplicações conservadoras de renda fixa, rendendo o equivalente à taxa básica de juros do país e sem a necessidade de exposição a riscos maiores. 

Desta forma, a empresa demonstra que está ciente do compromisso assumido com seus investidores, e que não faz sentido manter o caixa com mais dinheiro do que o necessário para manter as atividades.

A sustentabilidade e a perenidade dos negócios serão consistentes se a empresa for capaz de gerar valor crescente e com solidez, aumentar o valor da empresa no mercado, desta forma, alinhando os interesses dos acionistas e gestores.

Oscar Malvessi
é professor doutor do Departamento de Finanças da FGV/EAESP e coordenador do Núcleo de VBM-Value Based Management do Instituto de Finanças da mesma instituição.
oscar@oscarmalvessi.com.br

Samy Dana
é professor doutor do Departamento de Finanças da FGV/EAESP e membro do Instituto de Finanças da mesma instituição.
samydana@gmail.com


Continua...