Governança Corporativa

GOVERNANÇA NOS CLUBES DE FUTEBOL

A Medida Provisória 671/2015 (conhecida como “MP do Futebol”) foi sancionada no dia 04 de agosto de 2015, transformando-se na Lei nº 13.155. Referida lei tem o objetivo de estabelecer princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol.

A lei resulta da constatação geral da necessidade de implementação de melhores práticas de governança corporativa na administração dos clubes de futebol do País, bem como das entidades organizadoras das competições, diante dos malefícios impingidos a este esporte – em sua qualidade de valor nacional – e à preocupante condição financeira dos clubes pelas generalizadas má gestão e práticas pouco transparentes verificadas ao longo das últimas décadas no setor e que, muitas vezes, flagelam nossas agremiações desportivas.

É neste contexto que se insere a criação do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT, que busca promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiro dos clubes, os quais somente poderão manter-se a ele vinculados – e, consequentemente, aderir ao programa de parcelamento fiscal e previdenciário previsto na norma – mediante a adoção de uma série de boas práticas de governança, dentre as quais: fixação do período do mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos em até quatro anos, permitida uma única recondução (em contraste com o continuísmo administrativo que testemunhamos recentemente em vários clubes de futebol no país); comprovação da existência e autonomia do seu conselho fiscal (visando a fiscalização do efetivo emprego dos recursos das agremiações em seus devidos fins, de maneira proporcional e clara); publicação das demonstrações contábeis padronizadas e auditadas por auditor independente (dando publicidade das contas do clube, notadamente a seus patrocinadores, sócios e torcedores); regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias federais vencidas a partir da publicação da lei (levando em conta os onerosos montantes dessa natureza devidos por quase todas as agremiações); proibição de antecipação ou comprometimento de receitas referentes a períodos posteriores ao término da gestão ou do mandato, salvas exceções (também em contraste com as antecipações sem limites que ocorrem atualmente; situação que acaba por fragilizar a independência dos clubes no momento de negociar seus direitos de arena); e previsão estatutária de afastamento e inelegibilidade de administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária.

Particularmente no tocante a um dos males mais comuns que impactam de maneira adversa os clubes brasileiros de futebol, a gestão temerária, a redação da lei determina expressamente que os seus dirigentes terão seus bens particulares sujeitos aos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, na forma do artigo 50 do Código Civil, respondendo solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou desvio de finalidade, contrários ao previsto no contrato social ou estatuto da instituição. As hipóteses de atos de gestão irregular ou temerária são exemplificativamente descritas no texto legal, abrangendo, dentre outras, a aplicação de créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros; a celebração de contrato com empresa da qual o dirigente, seu cônjuge ou companheiro, ou parentes, sejam sócios ou administradores; e o incremento de certos níveis de comprometimento de receitas e de déficit. Constatada a responsabilidade, o dirigente, além das demais sanções cabíveis, será inelegível por dez anos em qualquer entidade desportiva profissional.

Ainda segundo a lei, a fiscalização do cumprimento dos requisitos acima e demais exigências caberá à Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFUT, do Ministério do Esporte. Por oportuno, é válido ressaltar que algumas destas obrigações, tais como a publicação e auditoria das demonstrações contábeis, a instalação do conselho fiscal e a limitação do mandato dos dirigentes, também se aplicariam a entidades de administração do futebol (como é o caso da Confederação Brasileira de Futebol – CBF e das Federações estaduais) ou liga que quiser usufruir dos benefícios da lei para organizar competição profissional de futebol, o que pode vir a tornar-se outro fator que contribuirá para uma melhor visibilidade da administração do futebol nacional e da seleção brasileira.

Alguns clubes brasileiros já adotaram, antes mesmo desta lei, em seus estatutos sociais, recomendáveis elementos de governança corporativa. Por exemplo, o Flamengo vem efetivando, desde 2013, mudanças estatutárias que incluem aquelas constantes da lei, visando tornar o clube apto a cumprir com a nova legislação. O Corinthians, por sua vez, já proíbe a reeleição de seu presidente, vedando sua candidatura por dois mandatos consecutivos após sua eleição e adotou práticas que vão além da lei, como a publicação de relatórios de sustentabilidade e medidas para evitar conflitos de interesse e promover a transparência.

Espera-se que, com a promulgação desta norma, a regulamentação e a adoção de melhores práticas de governança corporativa no meio futebolístico tornem-se efetivas ferramentas para a moralização e reconstrução do futebol como valor nacional (além de funcionar como um atrativo para investimentos), aperfeiçoando sua condição de veículo promovedor de ascensão social e preservando-o contra inaceitáveis práticas de má gestão verificadas nas últimas décadas, criando melhores condições para o desempenho esportivo e um exemplo para outras modalidades e para a sociedade como um todo.

Marta Viegas
é conselheira de administração do IBGC.
mviegas@tozzinifreire.com.br

Carlos Eduardo Lessa Brandão
é coordenador do Grupo de Estudos de Governança e Ética do IBGC.
celb77@uol.com.br

Luiz Renato Okumura
é sócio na área de Fusões e Aquisições na TozziniFreire Advogados.
lokumura@tozzinifreire.com.br


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