Legislação

PRINCÍPIOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil atual, promulgado em 2002, sucessor do anterior de 1917, deu enorme ênfase aos aspectos econômico-sociais das relações jurídicas. Quinze anos depois muitos dos princípios trazidos tornaram-se realidade pelo avanço tecnológico e a ampliação do sentido social do ser no mundo. A esse propósito já previa professor Arnold Wald, afirmando: quanto à nacionalidade de pessoas jurídicas diversas critérios surgiram. Enquanto alguns querem atender ao lugar da constituição da pessoa jurídica, outros preferem valorizar a nacionalidade das pessoas físicas (in Curso de Direito Civil - Introdução e Parte Geral).

Neste momento conturbado, porem, porque passa não apenas o Brasil mas o mundo, o direito, ainda que constituído de normas objetivas, possui um lado contra situações consideradas indesejáveis através do qual é necessário considerarmos a aplicação de atos de coerção.

Orlando Gomes, ao mencionar a classificação das características dos contratos pelas funções econômicas afirma que a disciplina dos negócios se particulariza de acordo com sua função prática. (In Contratos - Editora Forense).

Ao estudarmos as várias manifestações da doutrina verificamos então que há um certo consenso de que o Código de 2002 antecipou a modernidade , embora haja divergências que, cremos, estão sendo sanadas à medida que o tempo passa, não invalidando sua análise atual.

Como afirma Elizabeth Koury, doutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da UFMG: "Constituem igualmente fatos irrefutáveis as modificações no processo de desenvolvimento histórico, modificações estas que são ditadas pelas novas conquistas cientificas" (Editora Forense – Desconsideração da Personalidade jurídica).

Assim, dentro desse contexto iremos analisar os diversos princípios econômico-sociais do atual Código Civil.

A LIBERDADE DE CONTRATAR E A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
A ciência jurídica não é a única disciplina dirigida à descrição das normas legais. Outras normas são sociais. (Hans Kelsen - A Teoria Pura do Direito).

O artigo 421 do Código Civil dispõe que "a liberdade de contratar" será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Para o advogado os limites da função social do contrato devem balizar a liberdade de contratar. Segundo o Professor Miguel Reale os limites devem pautar-se não mais considerada ilimitada a fruição do direito, reconhecendo-se que este deve ser exercido em benefício da pessoa, mas sempre respeitados os fins ético – sociais da comunidade a que seu titular pertence (in artigo publicado no Jornal o Estado de São Paulo em 04/01/13 intitulado "O Espírito da nova Lei Civil").

Rudolf Van Jhering em sua obra "Evolução do Direito" dá ao homem a potência que domina a sociedade "A força que domina as engrenagens da sociedade humana é a vontade do homem e, diferente das forças da natureza, ela tem por si a liberdade". Assim a interpretação pelo Juiz desse principio na prática do dia a dia das decisões requer bom senso e equilíbrio para evitar que se introduza a incerteza nos negócios.

A BOA FÉ OBJETIVA
Outra questão trazida ao Código Civil, não cuidada no anterior, é a Teoria da Boa Fé Objetiva, expressa no artigo 422 do atual código, que dispõe "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução os princípios da probidade e da boa fé, quer no inicio de um negócio como em sua execução".

Sob esse aspecto o dispositivo aproxima-se da Teoria da Responsabilidade Civil pela Quebra de Promessa de Confiança exposta pelo Jurista Vitor Fernandes Gonçalves que conceitua a má fé como "Interesse Negativo" entendendo como passível de ressarcimento com vistas a indenizar a confiança (In Responsabilidade Civil por quebra de Promessas "Edit. Brasília Jurídica)"

Assim, quando determinada pessoa inicia uma negociação com outra, criando fundada expectativa de realizar um negócio, levando-a, inclusive muitas vezes a desistir de outras propostas e depois , sem razões plausíveis, desiste do negócio, pode-se entender que houve dano de confiança passível de gerar indenização.

Nessa última hipótese caso o juiz, provocado pela parte, considere abusiva determinada cláusula ou que a parte usou de má fé, astúcia e malicia ilaqueando a boa fé da outra parte estará frente à situação de aplicar a Teoria da Boa Fé Objetiva, para restabelecer a justiça e o equilíbrio do contrato ou se argüida pelo autor e provada a má fé, condenar o réu a pagar a indenização que couber no caso.

Enriquecimento sem causa
Art. 884 - Aquele que, sem justa causa, se enriquece à custa de outrem será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. O enriquecimento em causa é, portanto, doloso. Para resolver a questão, tratando-se de negócios correntes, a parte prejudicada precisa provar que não houve justa causa de outros citando exemplos de outros negócios semelhantes em que não ocorreu o enriquecimento.

A CLÁUSULA "REBUS SIC STANTIBUS" (TEORIA DA IMPREVISÃO)
Nos contratos em que a execução é deferida se a prestação tornar-se excessivamente onerosa, com grande vantagem para a outra em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis poderá o devedor pedir a resolução do Contrato (art. 478). Alguns pressupostos são fundamentais para configurar a possibilidade de se argüir em juízo a Teoria da Imprevisão. A nosso ver é necessário para invocar a Teoria da Imprevisão a conduta dolosa do agente, porque poderá haver enriquecimento sem causa sem dolo o que pode ocorrer em situações de alteração da determinada política econômica , como aconteceu nos "planos econômicos", delineando-se então o Nexo Causal com o enriquecimento de um e perda financeira do outro.

Conclui-se:

a) Que haja um acontecimento extraordinário, provocando o desequilíbrio do Contrato.
b) Que tenha sido imprevisível à época em que o contrato foi lavrado.
c) Que determine dificuldade financeira de tal monta que o Contratante não possa cumpri-lo.
d) Que o contrato seja de execução diferida ou sucessiva.
e) Que o risco não era de essência do negócio.

Exemplo - Plano Real
Mudança de cálculo da TR (Lei 8.880/94 - Res. 2075 do BC) - Com a mudança no cálculo a TR passou a ter uma valorização bem mais alta comparando com os demais juros do mercado, à época, afastando as empresas cujo passivo estavam atrelados à TR. A mudança, tornou beneficiados os credores e prejudicados os devedores.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Esta talvez seja uma das maiores inovações trazidas pelo Código Civil de 2002. Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (o grifo é nosso).

O artigo não apena os controladores de uma sociedade mas também os administradores. Quanto aos primeiros o § 1º do art. 116, dispõe, com bastante clareza que o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e ter deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da companhia. (Lei das S.As – art. 116). Quanto aos administradores a matéria é tratada nos artigos 153 a 157 da Lei das S.As . Examinemos os termos do artigo 50 do Código Civil que caracterizam a aplicação da desconsideração da Penalidade Jurídica.

Desvio de finalidade – a resposta está no art. 54 que reza: O administrador deve exercer as atribuições que a Leis e os Estatutos lhes conferem para lograr os fins das companhias sendo-lhe vedado expressamente atos de liberalidade à custa da sociedade.

Confusão Patrimonial
Entendem-se por Confusão Patrimonial a utilização de bens da Sociedade para realizar também negócios particulares, como valer-se de sua posição para obter vantagens financeiras.

A desconsideração da personalidade jurídica em grupos de Sociedades foi tratada pelo Advogado Cesar Amendolara citando como exemplo: "Quando os credores da sociedade controlada tiverem que ver cobradas suas dividas notarão que não há bens em nome desta que garantam as dívidas".

Assim conclui o articulista "credores que tenham contratado com uma sociedade pertencente ao grupo da sociedade, no tocante à garantia de seus créditos poderão sentir-se mais protegidos tendo em mente que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser invocada".

Procedimento Processual no Novo CPC
O procedimento processual era uma das lacunas na aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica, tendo surgido questionamentos quanto à formação de pólos ativos e passivos e a forma probatória (In Jornal AASP Daniel Amansio). No Código anterior não houve inclusive previsão de procedimento para aplicação de desconsideração. Com o novo CPC os artigos 133 a 137 previram as regras para os procedimentos.

O Art. 134 do novo CPC prevê a possibilidade de instalação do pro incidente em qualquer fase do processo, inclusive no cumprimento de Sentença. O advogado Flávio Yarshell ao analisar as regras do novo CPC comenta que "segundo o art. 792 § 3º nos casos de desconsideração da personalidade jurídica a fraude tem como termo inicial a citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar e não a citação".

ESTADO DE PERIGO E LESÃO
Duas outras figuras jurídicas foram criadas no Código Civil de 2002 susceptíveis de invalidar o ato jurídico: Estado de Perigo e Lesão.

O art. 156 dispõe que configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra presente, assume obrigação excessivamente onerosa.

O legislador certamente inspirou-se no que concerne ao Estado de Perigo a uma situação extrema que coloca o individuo face àquela situação ou paga ou morre e, nessa hipótese assume uma obrigação que não faria em outras circunstancias.

Quanto à lesão foi introduzida a inexperiência como fato da pessoa assumir obrigação excessivamente onerosa. Nesse caso a prova em se tratando de maior e capaz deve ser bem formulada, para confirmar o estado de lesão.

 

Leslie Amendolara
é advogado especializado em Direito Empresarial e Mercado de Capitais
leslie@forumcebefi.com.br


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