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Educação Financeira

A MESADA DO CASAL

É comum as pessoas associarem planejamento financeiro com corte de itens supérfluos no orçamento. Eu discordo completamente deste senso comum. Em minha opinião, um bom planejamento financeiro precisa ter espaço para os itens supérfluos, afinal de contas, são eles que trazem sabor para a vida que, sem nenhum supérfluo fica muito chata. O que devemos combater é o desperdício, este sim é muito danoso a nossa vida financeira.

O problema é que um mesmo item de consumo pode ser considerado extremamente necessário para alguém e o exato oposto para outra pessoa – o que é natural e bastante positivo. Mas se essas diferenças acontecem entre cônjuges, é provável que ocorram conflitos na hora de traçar as prioridades do orçamento da família.

Vejamos um exemplo prático: água é um item fundamental para nossa vida, sem ela morremos rapidamente. Porém, ela pode ser um desperdício em uma torneira pingando, ou um item supérfluo enchendo uma piscina. Da mesma forma, uma bela camisa nova pode ser um item supérfluo ou um desperdício, se for comprada e não for usada.

Quando em um casal há opiniões divergentes sobre o que é supérfluo e o que é desperdício, todas as tentativas de fazer um bom planejamento financeiro familiar são ameaçadas.

Lembro de uma senhora que se recusava a colaborar com os esforços do marido em manter o controle financeiro. Quando a questionei sobre o comportamento ela justificou: "o meu marido é o maior chato, eu vou para o cabeleireiro, passo horas me arrumando, chego em toda bonita, e ele me olha de cima abaixo três vezes para me perguntar quanto custou". Podemos intuir que, nesse caso, todo o supérfluo acabou virando um desperdício - e pior motivo de briga entre o casal.

Já em outro casal onde o marido era quem se recusava a colaborar com o controle financeiro, ele reclamava que a esposa não aceitava que ele pagasse a mensalidade do seu clube de futebol do coração e que cada vez que saía para tomar um chope com os amigos tinha que ouvir um interminável sermão.

Como eles resolviam o problema das divergências? Simplesmente boicotando qualquer tentativa de controle. E aí muitas vezes chegamos a terrível situação em que cada um gasta o máximo porque acha que se não fizer isto o outro vai desperdiçar o dinheiro em coisas que, para ele, são irrelevantes. A consequência é que logo as dívidas se acumulam e começa o grande desperdício da maioria das famílias, pagar juros por tentar gastar mais do que se ganha.

Reduzindo os atritos
O sucesso financeiro do casal depende de uma correta adequação da visão dos cônjuges sobre o futuro. Costumo dizer que os casais geram forças vetoriais, aquelas que têm um sentido, uma orientação. Em uma soma padrão um mais um é igual a dois, mas em uma soma vetorial o resultado nem sempre é esse. Se os dois vetores estiverem apontando em uma mesma direção, o resultado é dois. Mas se estiverem apontados em direções opostas, o resultado é zero. Para uma família, quanto maior for a congruência dos objetivos, maior será a força.

Em quase três décadas como planejador financeiro, nunca atendi um único casal que tivesse os mesmos objetivos e o mesmo gosto. Já vi casais com visões bastante próximas, mas nunca iguais. Sempre existem diferenças de percepção e avaliações diferentes sobre o consumo.

A melhor forma de resolver as divergências é com muita franqueza e muita conversa em família. Existem situações em que o casal precisa discutir muito até que haja o convencimento de uma das partes.

Lembro que quando casei sonhava morar em São Paulo, opção que era totalmente descartada por minha esposa. Até hoje moramos em Florianópolis. Em compensação, ela queria morar em um apartamento – o que eu considerava inaceitável. Resultado: alguns anos depois de casados nos mudamos para a casa onde vivemos até hoje.

Na vida da maioria dos casais é assim, cada um precisa ceder um pouco em favor da harmonia conjugal. O que vale para prolongar amizades e sociedades também funciona para aumentar as chances de felicidade a dois. E para chegar a um acordo é preciso estar disposto a conversar e a se colocar no lugar do outro. Quando um casal consegue negociar e definir prioridades sem que um busque boicotar o outro, as chances de sucesso aumentam exponencialmente.

É evidente que em questões fundamentais alguém precisa ceder, mas as principais discussões acabam acontecendo por questões corriqueiras. As despesas no cabeleireiro, o gasto com roupas, o vinho, a ioga, a mensalidade do clube de futebol, os presentes que um ou outro dá. São detalhes que podem por a relação a perder, caso uma das partes sinta-se prejudicada frente à outra.

Com uma conversa calma, os dois poderão definir as prioridades e os papeis de cada um na gestão financeira da família. E para minimizar possíveis conflitos, o casal pode recorrer à receita de separar uma pequena parte do orçamento para que o marido e a esposa gastem livremente, sem a interferência do outro.

A mesada do casal é parecida com a mesada que os filhos costumam ganhar dos pais. O casal calcula quanto do orçamento pode ser gasto com o supérfluo e estabelece um percentual da receita global, algo que varia de 4% até 10%, que é deixado fora do orçamento e sobre o qual cada cônjuge tem total autonomia para decidir em que gastar.

Para dar um exemplo, um casal com renda de seis mil reais poderia separar R$ 240 para a esposa e outros R$ 240 para o marido gastar como quiser. Um orçamento mais folgado permitiria até R$ 600 para cada cônjuge. Sobre esse valor cada um tem total autonomia e não precisa sequer prestar contas de onde gastou. É o dinheiro para comprar aquilo que um considera supérfluo e o outro, desperdício.

É essa parte do orçamento que pode ser usada para comprar o presente do outro sem que seja preciso prestar contas do valor, preservando o romantismo. O casal deve estar de acordo quanto à liberdade dos gastos da mesada e, sob nenhum argumento, um pode se intrometer nos gastos do outro.

Se não houver divergência na hora de gastar, a mesada pode servir para possíveis surpresas românticas. Enfim, a mesada é um instrumento que reduz muito as tensões que envolvem o controle do orçamento, porque aqueles que querem controlar até o último centavo acabam se frustrando e sendo boicotados.

 

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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