Ponto de Vista

2019: O ANO DO AJUSTE

Décadas de políticas públicas de governos de orientação social-democrata e socialista resultaram num Estado gigantesco e fraco, pois não consegue cumprir obrigações básicas como a segurança pública, mas cuja presença se faz sentir em várias dimensões. A coexistência no balanço de pagamentos do país de uma conta de capital aberta com o fechamento ao comércio internacional de bens e serviços é exemplo não muito percebido dessa onipresença.

As boas práticas globais recomendam que se faça primeiro a abertura ao comércio internacional e só depois a da conta capital. No Brasil, ficamos só na abertura da conta capital, exatamente porque é importante para o financiamento dos gastos públicos. Mantivemos a economia fechada à competição para proteger uma clientela beneficiária da intervenção do Estado, mesmo que isso implique custos significativos para o desenvolvimento econômico.

Estamos no quinto ano consecutivo de déficit primário, o endividamento público é considerável, a razão dívida/PIB é crescente e a mais elevada entre as principais economias emergentes.

Neste ano de eleições presidenciais, temos visto várias propostas de reequilíbrio do orçamento do governo, e, com raras exceções, apontam, o que é bom, a necessidade de reformar a previdência. Algumas vão mais além e sugerem medidas para viabilizar um período de transição até que os efeitos dessa reforma sobre as contas públicas se materializem, como a flexibilização do teto de gastos ou da regra de ouro e o aumento temporário de impostos.

Propostas de suavização de restrições a gastos públicos não são definitivamente o que se poderia considerar como boa ideia. Primeiro, tais medidas tendem a produzir impacto negativo sobre as expectativas, ao sinalizar postergação de um ajuste inevitável, dada a necessidade de preservar a sustentabilidade intertemporal da dívida pública. Segundo, o foco é equivocado, ao mirar nos efeitos – riscos de paralisação do governo e/ou de prisão de policy makers – e não na causa, a indisciplina sistemática dos gastos públicos.

A proposta de alta temporária de tributos parece ingênua diante da experiência brasileira, onde nesse campo o que é transitório tende a se tornar permanente. Ademais, já temos muitas distorções provocadas por um sistema tributário assemelhado a uma colcha de retalhos. É hora de reformá-lo e não de colocar mais um retalho.

A opção por um ajuste fiscal gradualista tende a prolongar a ação dos efeitos do desequilíbrio orçamentário: a contaminação da política monetária, a fragilidade diante de choques externos, o “crowding out” dos gastos privados, taxas de juros reais elevadas e as distorções na alocação de recursos que impactam a produtividade e o crescimento econômico. Ademais, o gradualismo dá oportunidade para os beneficiários do status quo se organizarem e pressionarem para bloquear o ajuste fiscal.

Um novo governo possui no início de seu mandato capital político suficiente para aprovar medidas que encontrariam forte oposição política em outro contexto, o que viabilizaria a aplicação de tratamento de choque para o desequilíbrio fiscal. Não há tempo a perder com soluções criativas, mas protelatórias. O ano de 2019 pode ser um divisor de águas na reestruturação do Estado brasileiro.

Simultaneamente à aprovação de uma profunda reforma da previdência, a nova administração deve endereçar imediatamente quatro questões: cortes significativos de subsídios de crédito e gastos tributários, reforma da administração pública, maior flexibilidade na gestão das despesas orçamentárias e amplo programa de privatização, com inclusão obrigatória de Petrobras, Eletrobras, BB, Caixa, Basa, BNB, Correios, Infraero, Casa da Moeda, CBTU e Companhias Docas.

A devolução adicional de recursos do BNDES e a venda da carteira de ações da BNDESPar podem gerar algo perto de R$ 250 bilhões, o que daria algum alívio ao Tesouro no curto prazo.

Existe potencial para ajuste no corte dos gastos tributários da União, que somaram R$ 270 bilhões em 2017, equivalentes a 4,1% do PIB. Boa parte dessas isenções fiscais criam regimes tributários diferenciados e, portanto, geradores de distorções em troca de quase nenhum benefício social.

O Simples (R$ 76 bilhões) é um caso típico, pois a evidência empírica sugere a inexistência de efeitos significativos sobre a formalização de empresas nem tampouco sobre o emprego. O tratamento fiscal diferenciado concorre para garantir a sobrevivência de uma cauda de pequenas empresas muito pouco produtivas, travando a realocação de recursos e o crescimento da produtividade.

Os subsídios de crédito já estão em declínio após o pico de R$ 145 bilhões em 2015, tendo alcançado R$ 84 bilhões em 2017. Há, porém, espaço para cortes adicionais via diminuição do tamanho do BNDES e outras medidas, tais como o fim do Fundo de Marinha Mercante e a reformulação dos fundos constitucionais.

Simultaneamente à extinção de ministérios, outros órgãos da administração federal e cargos em comissão, a máquina pública precisa passar por profunda reestruturação. Isto deve compreender restrição da estabilidade no emprego a determinadas carreiras, avaliação sistemática de performance de funcionários, fim de privilégios, como os chamados “penduricalhos”, e o estabelecimento de critérios específicos para titulares de cargos de gestão – à semelhança da Lei das Estatais – para evitar a politização do serviço público, prática danosa intensificada nos últimos governos e em alta na administração Temer.

O novo governo disporá de oportunidade histórica para transformar a economia brasileira, implementando reformas que substituam a presença do Estado por uma iniciativa privada vibrante e capaz de liderar uma longa fase de prosperidade. Disparar um poderoso ataque contra o desequilíbrio fiscal será um excelente começo. 

Nota: Reprodução do artigo publicado originalmente em 29/05/2018 no jornal Valor Econômico.

Roberto Castello Branco
é economista, pesquisador do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da Fundação Getúlio Vargas (FGV), recém nomeado novo presidente da Petrobras no governo eleito de Jair Bolsonaro.
castellobranco.roberto@gmail.com


Continua...