Entrevista

PAULO GALA - ECONOMISTA, DIRETOR-GERAL DA FAR

Brasil espera a nova safra de IPOs
Cenário externo, novo Congresso, necessidade de reformas. Estes são alguns dos principais desafios que o novo governo irá se deparar. Do lado positivo, há o aumento da confiança do empresariado e do consumidor brasileiros, que por si só impulsionam a economia do país. O mercado aposta no melhor dos cenários e já precifica os ativos. IPOs saem das gavetas. Mas e os riscos fiscais? Nessa entrevista exclusiva à Revista RI, Paulo Gala, diretor-geral da FAR (Fator Administração de Recursos) fala sobre o cenário para a economia e o mercado de capitais do Brasil para 2019.

Paulo Gala é graduado em economia pela FEA-USP e mestre e doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP), onde é professor desde 2002. No âmbito internacional, foi pesquisador visitante nas Universidades de Columbia (NY) e Cambridge (UK) em 2004 e 2005. Acompanhe a entrevista.

RI: A própria definição das eleições parece que levou à tendência de que os investimentos das empresas comecem a sair da gaveta. Qual a perspectiva para o próximo ano quanto aos investimentos no setor produtivo?

Paulo Gala: Em termos de investimento produtivo, ainda temos uma enorme ociosidade na economia brasileira. Eu diria que estamos no menor patamar de utilização de capacidade instalada no Brasil de mais de dez anos, para não dizer 20 anos. O Brasil nunca esteve tão ocioso... e isso vale para os shoppings, prédios comerciais, residenciais, armazéns, fábricas e assim por diante. Existem vários índices que medem a capacidade ociosa da economia. Mas, pode-se dizer que, em geral, a capacidade de utilização está operando ao redor de 80%. No pico isso já foi a mais de 90%. Desta forma a indústria tem como atender a demanda. Até porque houve uma onda de investimentos entre 2010 e 2014. Este montante ficou ocioso, porque a economia brasileira caiu no buraco em 2015, o PIB recuou, praticamente, 10% e a base de capital está disponível para ser ocupada agora. Então, por esta ótica, o investimento produtivo vai demorar um tempo para reagir porque existe muita capacidade ociosa. Já, quando falamos de infraestrutura, há gargalos. No entanto, a questão da infraestrutura depende de resoluções regulatórias que não são simples. Existe uma chance de, no ano que vem, o investimento em infraestrutura começar a andar, porém não na velocidade que se imagina. Desta forma, é possível que o investimento no próximo ano comece a aumentar, mas este movimento ainda estará muito longe de ser uma onda de investimentos no Brasil.

RI: E em termos de investimentos financeiros e mercado de capitais?

Paulo Gala: Quando nos referimos à alocação financeira, o movimento é muito mais forte. Os ativos brasileiros estão se valorizando, a bolsa está subindo muito e atingindo máximas históricas. Há uma grande probabilidade de termos um grande volume de IPOs no próximo ano. Corremos o risco de termos o melhor ano de IPOs desde 2011 ou 2012.

RI: Mesmo assim, ainda estaríamos longe de 2007, quando foram mais de 60 ofertas iniciais de ações...

Paulo Gala: Bater este nível é difícil, porque naquela época estávamos numa fase muito eufórica, mas, certamente, teremos um dos melhores anos desde então. E isso se aplica para os ativos brasileiros de uma forma geral, inclusive com títulos públicos. É claro que este cenário não assume nenhuma catástrofe internacional diante da alta da taxa de juros do banco central americano. Assumindo que eles consigam conduzir um processo mais ou menos civilizado por lá, eu acho que teremos um bom ano para ativos financeiros. Além disso, teremos uma recuperação econômica. É possível crescer 3% no ano que vem, porém será uma recuperação muito mais ligada ao aumento de consumo e maior utilização da capacidade que já existe do que baseada em novos investimentos.

RI: Por que 2019 deve ser um grande ano de IPOs?

Paulo Gala: Nós viemos de um período de vacas magras muito forte. Este ano foi marcado pelas eleições mais incertas do que se imaginava e o cenário externo foi bem mais complicado. A grande ameaça é o cenário externo, mas, para Brasil a expectativa é mais positiva.

RI: No início de 2018, muitos economistas projetavam um crescimento para a economia brasileira, entre 2,5% e 3%, o que acabou não se concretizando. Quais são os riscos de o mesmo acontecer no próximo ano?

Paulo Gala: O primeiro risco está relacionado ao mercado internacional, com o processo de alta de juros nos Estados Unidos, que pode se desdobrar de forma mais tumultuada, com queda das bolsas mais pronunciadas, desaceleração forte da economia americana, acirramento das relações comerciais com a China. Na verdade, o que acabou decepcionando as projeções deste ano foi o cenário externo, porque havia uma visão no início do ano de que o cenário externo seria bem melhor do que foi. Este problema permanece no cenário atual. A gente precisa da economia externa contribuindo para que a economia brasileira consiga retomar algum crescimento. O segundo risco é a relação do governo com o Congresso. Ainda não está muito claro como o novo governo vai lidar e se articular com o Congresso para aprovar o que tem em mente.

RI: O pacote de maldades...

Paulo Gala: Existem vários pacotes. Tem o de maldades, o de bondades, tem muitos pacotes.

RI: A grande dúvida é que o Congresso teve uma grande renovação.

Paulo Gala: Exato. Mas tem a questão de que este governo é diferente. Ele não se comporta como um governo tradicional que a gente está acostumado, nem do PT, nem do PSDB. Ele funciona de forma diferente. Nem a gente sabe como ele vai funcionar, nem o próprio governo. Então, vamos descobrir isso no próximo ano. A maneira de fazer política está mudando. Não digo que isso é bom, nem que é ruim. Estou dizendo que isso mudou e a mudança causa incerteza. É isso que temos na mesa: a articulação entre o novo governo e o novo Congresso. Este novo governo não foi montado nos moldes dos governos anteriores. Por isso, há uma incógnita de como se dará a articulação com essa nova forma de governar. A mudança vem menos pelo fato de o Congresso ser novo e mais pela nova forma de governar. Um dos aspectos, por exemplo, é a negociação por bancada e não por partido. Mas, ao mesmo tempo, é um governo que colocou nos cargos chaves menos políticos e mais técnicos e militares. Por exemplo, quando olhamos a equipe econômica vemos que ela é composta por técnicos. Isso não é bom ou ruim, mas a questão é como isso vai desenrolar no dia a dia.

RI: Nós já vimos como o tecnicismo esbarra na política. Basta lembrar a presença de Joaquim Levy no governo Dilma....

Paulo Gala: É um belo exemplo. Uma série de medidas ficaram no papel por conta de negociações políticas, por conta do Congresso.

RI: E quanto aos desafios desta equipe nova que está chegando...

Paulo Gala: O desafio é grande. Há muito perfil técnico e ao mesmo tempo, há a questão de que é preciso lidar com o setor público. A falta de experiência com o setor público pode atrasar também a maneira pela qual as coisas devem ser feitas. Quando você nunca esteve na máquina, as coisas podem ser mais demoradas.

RI: Este novo governo precisará achar cerca de 3% ou 4% o PIB para fazer o ajuste fiscal....

Paulo Gala: A grande aliada do governo é a recuperação econômica. Se você olhar os últimos dados, é possível ver que houve um aumento real de arrecadação de 4% em outubro. O governo vai ser favorecido por essa onda de recuperação da atividade econômica. Agora, por outro lado, o governo vai ter que realizar cortes, que são impopulares e dolorosos, tanto os relacionados ao Teto de Gastos e funcionamento da máquina pública, quanto àqueles relacionados à Reforma da Previdência. Mas a consequência da Previdência está mais relacionada às expectativas futuras sobre a solvência fiscal do que em relação à economia de curto prazo mesmo.

RI: Há uma confiança do mercado de que o que deve ser feito, será realmente feito?

Paulo Gala: Eu não posso falar sobre como o mercado está vendo este cenário, mas posso falar sobre como o preço dos ativos está reagindo. O dado de que o mercado está reagindo bem pode ser visto com a bolsa que está se comportando próximo à máxima. Já o câmbio está sofrendo mais por conta do cenário externo. Se a gente olhar bolsa e títulos públicos, a mensagem do mercado é de que ele está confiando. Não é que as pessoas do mercado estejam dizendo isso, mas sim há o fato de que os preços dos ativos estão reagindo bem.

RI: O ano que vem depende somente da Reforma da Previdência ou há outros fatores que podem compensar sua não aprovação?

Paulo Gala: O próximo ano será mais fácil para o governo porque há hoje uma onda de relativo otimismo no Brasil. Esta onda tem a ver com a própria mudança de governo e com a perspectiva de que esse governo possa fazer alguma coisa diferente. É claro que se a Reforma da Previdência não passar, isso vai ser uma grande decepção. Uma reforma mínima já é suficiente para manter este estado de otimismo. A onda está favorecendo o governo. Eu não jogaria todas as fichas na Reforma da Previdência. Não é isso. Há uma onda de otimismo se formando. Não é nada eufórico, mas é possível enxergar isso em indicadores como o da confiança do consumidor e do empresariado que exibem altas significativas, o que não se via há três ou quatro anos. Isso demonstra que passada a incerteza eleitoral, na prática, há um aumento dos índices de confiança.

RI: Com relação aos EUA, o Trump está “Dilmanizando” a economia americana, ou seja, dando incentivos fiscais em época de crescimento. Assim, quando for necessário, o governo terá menos bala na agulha para atuar. Qual o risco?

Paulo Gala: Em termos de política monetária, já há uma gordura a ser revertida, se houver problemas. Ele está gastando muito munição na parte fiscal, com déficit elevado, na casa de US$ 1 trilhão. As medidas se voltam à redução de impostos e aumento de gastos. Nesse sentido, acho que sim, ele está gastando fichas. Por outro lado, na área monetária, existe uma reserva que, caso a economia desacelere demais, pode-se interromper o processo de alta de juros e até cortar a taxa novamente. O momento dos EUA é de política fiscal expansionista e monetária contracionista. Se houver problema, é possível adotar uma política monetária expansionista também. Mas isso, é mais posicionamento do Fed do que do próprio Trump, que está gastando. Os elevados gastos levam ao risco de pressionar demais a economia americana que já se encontra em pleno emprego. Esta é uma postura arriscada.

RI: Com relação à política comercial dos EUA versus China, quais são os riscos para o Brasil?

Paulo Gala: O Brasil tem sido beneficiado porque substitui as exportações dos EUA com produtos como, por exemplo, a soja. Estamos registrando um recorde de exportações de soja para a China. Não estamos nos saindo tão mal. Porém, o risco é de desaceleração da economia mundial. Este é o grande problema. Estamos vendo sinais de desaceleração na Europa, na Ásia, desaceleração do comércio mundial. Neste cenário, de desaceleração do mundo todo, o Brasil sofre.

RI: Qual o potencial crescimento do nosso PIB?

Paulo Gala: Muitos economistas já morreram ao tentar fazer esse cálculo (risos). Mas é possível crescer tranquilamente 3% em 2019 e mais 3% em 2020, sem incorrer em inflação.

RI: Há o risco de o Brasil voltar à década de 80 por conta dos problemas fiscais?

Paulo Gala: Não. Isso é muito difícil porque há uma ociosidade gigantesca. A ameaça fiscal na inflação só vem quando a economia está muito acelerada e há pouca ociosidade e o dólar está se valorizando muito. Estamos num momento da economia em que sobra reserva, sobra dólar, a conta corrente está quase zerada e há uma ociosidade muito grande, o que é um cenário completamente distinto dos anos 80. Então, apesar do cenário fiscal ruim, o nosso quadro externo é um dos melhores da história e temos uma das mais elevadas ociosidades. Além disso, o consumo ainda está muito abaixo do pico.


Continua...