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Espaço Apimec

O MEIO AMBIENTE & A ECONOMIA BRASILEIRA: O QUE MARIANA E BRUMADINHO NOS ENSINAM?

“A natureza estará sempre ao nosso dispor desde que tenhamos cuidado com ela, como parte dela.”
Seu Nonô

Seu Nonô é uma pessoa simples, morador da região metropolitana de Belo Horizonte que dedica parte precioso de seu tempo cuidando da recuperação de nascentes no lugar onde mora o quadrilátero aquífero da região que se interconecta com o quadrilátero de ferro de Minas Gerais. Grande parte dessas nascentes foram prejudicadas pela urbanização desorganizada e pelas atividades mineradoras. Ele tenta, pelos seus caminhos, mitigar o conflito entre segurança hídrica, urbanização e atividades mineradoras, que se completam, mas também competem entre si.

No mês passado escrevi para esta Revista e fui às origens do pensamento econômico e filosófico nos últimos 500 anos para tentar compreender nosso modelo de negócios e descompromisso com os limites do planeta. Seu Nonô não olha para traz e faz o possível para compensar a cultura de exploração dos recursos naturais. Ele tenta a seu jeito dar significado ao conceito de desenvolvimento sustentável. E com certeza, faz muito.

O conceito de desenvolvimento sustentável está permitindo debater negócios partindo de novas perspectivas de risco ambiental - clima, gestão de recursos naturais, reconhecimento da necessidade de não exploração de biomas terrestres e marítimos estratégicos, novas responsabilidades do setor financeiro, etc.

No caso do Brasil, essas questões deveriam estar no nível de prioridade máxima, pois nossa economia depende em larga escala da agricultura, do agribusiness, da extração de recursos naturais, da economia florestal e dos recursos hídricos. Além disso, temos a maior biodiversidade do mundo.

Enquanto isso não acontece, o elevado risco ambiental no Brasil acaba criando desastres, não importa o tamanho, como o de Rio Pomba Cataguazes; Mina Casa da Pedra em Congonhas/MG; Herculano Mineração em Itabirito/MG; Hydro Alunorte em Barcarena/PA, Mariana e Brumadinho/MG entre outros. Sem falar das várias barragens com alto poder de impacto sobre a natureza e a vida de importantes cidades.

Se no âmbito político, não há priorização das questões ambientais e sociais relevantes para a revisão do modelo de negócios, das políticas públicas de fiscalização e conservação, como cobrar transparência no nível microeconômico, se analistas e investidores não têm as informações adequadas à compreensão do problema? O custo de se compreender pela dor fica muito alto. O mercado exige transparência quando o assunto é controle da inflação, exige punição quando o assunto é corrupção, mas adota a mesma pegada quando o assunto é meio ambiente? Não.

O mercado baseia suas decisões de investimentos no preço, volatilidade, crescimento e taxa de desconto como as referências fundamentais para o cálculo da relação ótima de retorno-risco de um valor mobiliário. Mas para se chegar ao preço, a empresa precisa gerar caixa e lucro, que é função da capacidade de geração de receita de produtos e serviços que tenham custos compatíveis com as oportunidades e reais riscos do negócio, o que vão muito além do conceito risco – volatilidade, que fundamentam modelos CAPM e de DFCF e da hipótese de que todas as informações estão contidas no preço.

A natureza tem mostrado nos últimos 20 anos que não é nem será um agente passivo. Os eventos climáticos extremos são mera consequência das ações econômicas de alto impacto promovidas desde a Revolução industrial.

Temos de fazer esforços no sentido de refazer as hipóteses usadas na análise de investimentos. Precisamos compreender que o novo preço Triple Bottom Line é função do meio ambiente como restrição e dos objetivos econômicos e sociais viáveis. Precisamos compreender que decorridos 450 anos, o conceito de segregação Homem-Natureza não se sustenta mais.

O Brasil é um país de oportunidades com várias minas no caminho. Ignorar isso será continuar com mais desastres com barragens de minérios, na exploração de petróleo, com incêndios florestais, desertificação, furacões e inundações em cidades. Na contramão desse contexto negativo temos a China e a Índia usando, sim, carvão, mas adotando programas de reflorestamento em larga escala. A China também teve recentemente um desastre com barragens e grande quantidade de mortos, o Canadá idem, Califórnia e Alaska/Estados Unidos também. O que está evidente é que a gestão de resíduos está sendo feito dentro do princípio de menor custo e não da maior segurança. Qual o custo deste trade-off, quando as empresas têm padrões globais e a população cresce 8 vezes nos últimos 250 anos?

O desastre da BP resultou em prejuízos de US$ 65 bilhões. Que padrão de custos podemos esperar para Mariana e Brumadinho somados. Quais são os danos e as medidas de reparação de Mariana e de Brumadinho, além de perdas de vidas humanas? Essas questões precisam estar melhor informadas para analistas e investidores.

O desconhecimento gera incertezas, criando a sensação de que o tempo apaga o ônus, recriando-se a capacidade de geração de “bônus” no modelo “business as usual”. Existe uma ação judicial do Ministério Público, no caso de Mariana, que chegou a R$155 bilhões, está suspensa, mas pode ser retomada. O que Brumadinho representará adicionalmente ao impacto de Mariana, indo além da indenização das vítimas, pois as Bacias do Rio Doce e São Francisco estão impactadas e o suprimento de água para Belo Horizonte está comprometido.

Da mesma forma que a Indústria 4.0, com a robotização e digitalização, está exigindo profundas mudanças na estrutura econômica global, o meio ambiente está mostrando que outras mudanças profundas têm de acontecer.

A Task Force Climate Finance Disclosure – TCFD estabeleceu um conjunto de recomendações baseado na Governança das Organizações quanto às questões afetas aos riscos e oportunidades associadas ao clima contendo que deve conter uma Visão Estratégica representando os impactos atuais e potenciais dos riscos e oportunidades relacionadas ao clima nos negócios, estratégias e planejamento financeiro das organizações, a qual deve desenvolver uma Gestão de Riscos representando o processo usado para identificar, avaliar e gerenciar os riscos relacionados ao clima e para tal definir Metas e Métricas a serem usadas para avaliar e gerenciar riscos e oportunidades. O caminho está sendo construído.

É importante também rediscutir os limites do crescimento econômico, pois ultrapassá-los significa pressionar a pegada ambiental e nesse sentido, todos somos culpados de futuros desastres. Como dissemos em artigo anterior, William Nordhaus, Prêmio Nobel de Economia em 2018, criou a expressão “o ser humano está jogando dados com a natureza”.

Poluição, Florestas, Água, Recursos Minerais e Uso do Solo (Agricultura e Cidades) estão interconexos. Não adianta priorizar recursos minerais e uso do solo sem considerar a importância de processos de produção limpos, o papel relevante das florestas para a segurança hídrica e a preservação das nascentes de água que “Seu Nonô” tenta manter há 25 anos.

Em síntese, o futuro exige maior compromisso com a transparência no disclosure de informações ambientais e sociais para a correta precificação de valores mobiliários não só no Brasil, mas globalmente. Os acontecimentos recentes exigem mais atenção quanto à implementação de políticas públicas mais eficazes de controle externo sobre a atividade econômica, em especial nos setores e empresas de alto potencial de danos. Dessa forma, é possível dar significado ao princípio do crescimento sustentável e inclusivo, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

As questões ASG vão pesar cada vez mais no Risco Brasil por vários caminhos e quem fundamentar suas recomendações e decisões de investimentos acreditando que os preços se recuperam pois a poeira abaixa e a memória se apaga não vai obter sucesso no longo prazo.

Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Nacional.
eduardo.werneck@apimec.com.br


Continua...