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PRATIQUE OU EXPLIQUE: TRANSPARÊNCIA AO EXPLICAR VALE TANTO QUANTO PRATICAR BOA GOVERNANÇA

Empresa transparente é aquela que disponibiliza as informações relevantes a todos os seus públicos, e não apenas aquelas que são exigidas por leis ou regulamentos. É também aquela que não restringe sua comunicação ao desempenho econômico-financeiro, mas contempla todos os fatores que geram valor para a organização, inclusive os intangíveis. E como podemos encontrar essas companhias?

A partir 2019, as mais de 400 empresas autorizadas a emitir ações no Brasil devem preparar e divulgar o informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas. No ano passado, somente as 95 emissoras das ações mais líquidas da bolsa de valores do Brasil, a B3, precisaram, pela primeira vez, produzir o informe.

A divulgação de informações desse documento segue o modelo “pratique ou explique”, presente em 44 de 49 jurisdições avaliadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Sendo assim, as empresas devem informar se ou justificar por que não aplicam as 54 práticas do código. Há grande expectativa sobre o conteúdo que será prestado. Não apenas porque o universo de empresas é maior, mas, especialmente, porque como todo novo processo ainda estamos na chamada curva de aprendizagem.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou que o informe seja feito anualmente, até o fim de julho. Isso significa que poderemos acompanhar, de forma regular, o nível de comprometimento com a transparência de algumas das maiores companhias do país. Será possível conferir como uma empresa com histórico de envolvimento em atos de corrupção, por exemplo, explica ao mercado sua estrutura de fiscalização e controle interno; e se políticas de remuneração de uma organização conhecida por distribuir bônus generosos passam por aprovação do conselho de administração.

As informações prestadas em 2018 revelaram aspectos inquietantes, como o fato de quase a metade delas não terem planos formais de sucessão para o CEO. Cerca de 40% não fazem avaliações de desempenho do conselho e de seus comitês. As pesquisas de análise quantitativa (https://bit.ly/2YYmQez) e qualitativa (https://bit.ly/2XBFBEb) dos informes realizadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em parceria com o Tozzini Freire Advogados e a EY, concluíram que, de forma geral, as explicações ainda não atingiram o objetivo de oferecer a transparência e a clareza desejadas sobre as estruturas de governança adotada pelas companhias.

Muitas das justificativas apoiaram-se na inexistência de obrigações legais para adotar determinadas práticas. Raras foram as que usaram o informe para sinalizar intenções futuras e planos para adoção de recomendações ainda não contempladas. Ainda assim, o resultado pode ser considerado positivo. O mercado brasileiro de capitais, ao adotar o modelo “pratique ou explique”, ingressou em uma importante trajetória de amadurecimento das práticas de transparência e de governança corporativa. Não podemos desconsiderar que o documento, além de ser uma novidade, aborda questões sensíveis, como acordos de acionistas, transações com partes interessadas e gestão de riscos.

A elaboração do informe por si só constitui um exercício para a evolução. A reflexão necessária para responder às questões sobre a adoção ou não de recomendações de boa governança possibilita identificar lacunas, mesmo que, em alguns casos, seja somente a percepção de que há melhorias a fazer ou de que algumas das medidas precisam ser formalizadas.

Nossas empresas precisam assimilar a ideia de que a transparência e a objetividade ao declarar o que praticam são tão importantes quanto cumprir os princípios de governança. Uma justificativa consistente para um desvio pode ser melhor do que uma resposta positiva vaga. A maturidade do modelo “pratique ou explique” não se traduzirá apenas na taxa média de aderência (64,6% no ano passado), mas muito mais nas explicações.

Temos ainda um caminho a percorrer para que o informe se torne, de fato, um instrumento de diferenciação entre as companhias que estão realmente dispostas a se comunicar com o mercado e as que preenchem o formulário apenas para cumprir uma exigência regulatória. Informações fiéis, relevantes e transparentes são capazes de promover confiança e gerar valor.

Heloisa Bedicks
é diretora geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
comunicacao@ibgc.org.br


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