Entrevista

RICARDO AMORIM, ECONOMISTA, COMENTARISTA, CONSULTOR E PALESTRANTE

Pandemia ou pandemônio? Como serão as relações socioeconômicas pós Covid-19.
A crise global provocada pela pandemia do novo coronavírus trouxe impactos socioeconômicos negativos muito fortes e acirrou as tensões levando a outros problemas emergirem, como os protestos raciais nos EUA e o movimento anti-China. No Brasil, a tensão na questão política tem escala maior do que nos outros países, principalmente considerando que as eleições presidenciais ainda estão muito distantes e os grupos políticos estão tentando manipular a população, se colocando como vítimas e não como causadores desse processo. Ao mesmo tempo, a paralisação das atividades, a redução de riqueza e de renda geraram a necessidade de dois tipos de estímulos numa escala que a humanidade nunca viu: o fiscal e o monetário. Mas, manter políticas assim por um longo prazo leva a riscos elevados para a economia, como a insolvência dos Estados e o retorno da inflação. Ainda é cedo para saber como será a recuperação daqui para frente, mas já é possível perceber que a crise acelerou uma grande transformação social e também nos processos digitais.

Em entrevista exclusiva para a Revista RI, o economista mais influente no Brasil segundo a revista Forbes, Ricardo Amorim fala sobre o cenário atual, o retrocesso do processo de globalização e as novas tendências. Amorim - que recentemente conquistou o posto de primeiro influenciador fora da China e países de língua inglesa a ultrapassar a marca de 2 milhões de seguidores no LinkedIn - é comentarista do programa Manhattan Connection, da GloboNews e presidente da Ricam Consultoria, prestadora de serviços na área de negócios e economia global, em forma de consultoria e palestras. Acompanhe a entrevista.

RI: A pandemia provocou uma mudança radical nos hábitos da população em todo o mundo. Quais as mais significativas no aspecto socioeconômico? Tais transformações vieram para ficar?

Ricardo Amorim: Sem dúvida a pandemia mudou muito o hábito das pessoas, mas o interessante é que, na maioria dos casos, ela intensificou tendências que já vinham acontecendo. Por exemplo, na medida em que forçou as pessoas a ficarem em casa, a pandemia acelerou e muito o processo de transformação digital que já estava em curso há uns quatro ou cinco anos. Então, empresas que antes não tinham e-commerce, hoje têm; restaurantes que não tinham delivery, hoje têm. Os serviços de videoconferências hoje são generalizados. E não foram só mudanças nos hábitos, a pandemia também acelerou ações de regulamentação. A da telemedicina, que vinha se arrastando há anos, foi adotada. Neste exato momento, já tem médicos e hospitais, como o Hospital das Clínicas, que puderam ajudar no tratamento de centenas ou milhares de casos, inclusive, de pessoas no interior. Acelerou-se a regulamentação também para que pedidos de exames médicos possam ser feitos de forma digital. Outra tendência que já existia e se acelerou foi o movimento de reversão da globalização. Já havia sinais deste movimento, como a própria eleição do Donald Trump e o Brexit, mas o processo foi acelerado por um sentimento anti-China e pela necessidade das empresas de correrem menos riscos em sua cadeia de suprimentos e, por consequência, de ficarem menos globais e mais regionais. Talvez, a tendência contrária tenha a ver com o meio ambiente. Houve uma melhora brutal das condições ambientais e uma resposta muito rápida da natureza quando o homem passou a ter uma pegada de carbono menor do que a que ele tinha antes. Espero que esta seja uma tendência que veio para ficar.

RI: A crise acelera a transformação digital de muitas empresas, algo que já estava no radar. Mas também impacta no caixa das companhias. Como lidar com esse paradoxo. É preciso se reinventar sem recursos disponíveis para tal. Como você avalia isso?

Ricardo Amorim: A crise criou um desafio duplo. As empresas precisam sobreviver e, neste sentido, a necessidade número 1 é cuidar bem do caixa, ou seja, reduzir gastos, tentar aumentar e antecipar receitas, postergar pagamentos, ter acesso a linhas de créditos etc. Por outro lado, não basta isso. Porque, por ter acelerado uma série de transformações, começando pela transformação digital, ela também força as empresas a fazerem a lição de casa para estarem preparadas para um mundo que vai ser diferente do que havia antes da pandemia. A grande questão é quanto que cada uma dessas duas situações merece atenção. Isso depende fundamentalmente da situação de fluxo de caixa das empresas. Há aquelas que tiveram uma redução gigantesca de fluxo de caixa e, neste caso, a preocupação número um tem que ser a sobrevivência. Não adianta estar preparado para o futuro se você não vai chegar a este futuro. Mas há empresas que não têm esse tipo de risco. Estas provavelmente deveriam focar mais no processo de transformação e em impactar positivamente todo o seu ecossistema e sua cadeia de produção e ajudar as comunidades, onde estão inseridas. Em momentos muito marcantes como o atual, as pessoas tendem a lembrar de quem as apoiou e há uma chance de ganhar uma lealdade, talvez até eterna, de parceiros e clientes. Para empresas que não estão correndo risco de deixar de existir, esta é provavelmente a melhor estratégia.

RI: Como conciliar os aspectos sociais, agora tão necessários com os econômicos afetados pela crise? E no que se refere ao meio ambiente?

Ricardo Amorim: A sustentabilidade sempre exige o equilíbrio de um tripé: econômico-financeiro, social e de meio ambiente. O que aconteceu a partir da pandemia foi que em primeiro lugar, foram fragilizadas duas destas pernas, o lado econômico-financeiro e os aspectos sociais. Mas, houve um impacto positivo com relação ao meio ambiente. O que isso provavelmente significa é que a gente vai ter que reequilibrar o tripé ao longo dos próximos trimestres ou até dos próximos anos. Tendo a achar que isso significa, no curto prazo, aumentar a atenção para os dois lados fragilizados do tripé, ou seja, a sustentabilidade dos negócios e o aspecto social. Mas, por outro, acho que, talvez, a questão ambiental, que é vista mais a longo prazo, venha a receber uma atenção maior em função da crise de saúde que vivemos e que mostrou algumas fragilidades da forma como nós, como sociedade, estamos organizados. Pode ser que isso se torne uma oportunidade de tratarmos melhor outras questões. Além da saúde, eu diria a questão ambiental, de educação e de miséria. No caso específico do Brasil, há o fato de que metade da população não tem a acesso ao tratamento de esgoto. Enfim, são várias questões estruturais que acredito que, talvez, recebam uma atenção diferente, uma vez ultrapassados os desafios agora de curto prazo específicos da pandemia.

RI: Quais as principais consequências político-econômicas da Covid-19 para a economia global?

Ricardo Amorim: Do ponto de vista de política econômica, a crise causada pela pandemia, a paralisação das atividades, a redução de riqueza e de renda geraram a necessidade de dois tipos de estímulos numa escala que a humanidade nunca viu. Primeiro são os estímulos fiscais, uma série de pactos que governos no mundo inteiro têm feito para tentar minimizar o impacto negativo de redução de atividades, minimizar a quebradeira de empresas e o aumento do desemprego. Em paralelo, e com o mesmo objetivo, estímulos monetários muito significativos têm que vir, o que significa uma injeção de dinheiro no sistema também em escala que nós nunca vimos no passado. Isso já vem acontecendo e acredito que vá continuar no restante do ano e, possivelmente, se estender até parte do ano que vem. O problema são os riscos que isso traz a longo prazo. No lado fiscal, há o risco de insolvência. No Brasil, isso é particularmente importante. O segundo é o eventual risco de longo prazo de inflação, provocado tanto pelos estímulos fiscais quanto pelos estímulos monetários, principalmente, ao se chegar ao ponto de impressão de dinheiro e colocação maciça no sistema, como já vem acontecendo em alguns lugares .Pode ser que a escala disso aumente muito ainda se for necessário, dependendo a resposta da economia. Isso pode vir a gerar uma pressão inflacionária não neste ano porque não há demanda para isso, mas no futuro se os governos não forem capazes de reverter tantos os estímulos fiscais quanto os monetários no futuro. Do ponto de vista político, a piora da situação tanto econômica quanto social agrava as tensões políticas no mundo inteiro, aumenta a polarização, aumenta os conflitos e dificulta, por consequência, a adoção das medidas que são necessárias. Este é outro risco importante que a gente vai ter que acompanhar.

RI: O Brasil ainda vive concomitantemente uma séria crise política que afeta ainda mais a retomada futura do país e, inclusive, com impacto em sua imagem externa. Como avalia essa questão?

Ricardo Amorim: Eu costumo brincar que o mundo vive a pandemia e o Brasil vive o pandemônio. O Brasil não é o único país nesta situação. Por conta da crise do coronavírus ter trazido impactos socioeconômicos negativos muito fortes, tensões foram acirradas e, por consequência, a gente viu outros problemas emergirem. Talvez os EUA sejam o exemplo recente mais óbvio, com as tensões, manifestações raciais e com o vandalismo, pois alguns se aproveitaram destas manifestações para vandalizar lojas e outras organizações. No Brasil, isso parecer ter escala maior do que nos outros países, principalmente considerando que as eleições presidenciais ainda estão muito distantes. Isso, sem dúvidas, dificulta demais, particularmente porque os grupos políticos foram muito hábeis em conseguir manipular a população e se colocar como vítimas e não como causadores desse processo. Por consequência, há um movimento muito marcante onde as pessoas ao invés de julgarem cada medida pelo seu próprio mérito, têm julgado pelo ponto de vista de quem as adotou. Isso é péssimo porque, ao invés de cobrar de todos os governantes que façam o que é certo, apóiam ou não quem tomou a medida.

RI: Vimos algumas empresas sofrendo retaliação de clientes por conta de sua postura ou a de seus CEOs durante a crise. O quanto o engajamento da sociedade pode levar a mudanças na gestão das empresas?

Ricardo Amorim: De fato empresas diferentes tiveram posturas muito diferentes em relação à crise atual e a reação dos consumidores em relação a elas também foi completamente diferente. Em particular, eu dividiria em dois grupos. O primeiro, assim que começou a crise, reforçou o ponto das dificuldades causadas, focou em demissão de pessoas e defendeu que era o que tinha que ser feito que não havia outra alternativa. E, basicamente, houve um segundo que falou olha a gente vai fazer tudo o que puder para não demitir as pessoas e para não agravar a crise social. Várias, inclusive, fizeram doações muito substanciais para tentar tratar dos impactos negativos que a crise traz do ponto de vista de saúde e social. A reação da sociedade a essas duas posturas distintas foi, como eu pessoalmente acho que deveria ser, muito diferente. Acredito que as questões de impacto que as empresas efetivamente têm na sociedade podem ser colocadas na lista de prioridades de mais empresas. Acho isso saudável porque a razão da existência das empresas, dos negócios, basicamente é impactar positivamente a sociedade. Isto não se pode perder de vista. E não necessariamente todas tinham uma visão tão ampla. Tende a acontecer uma polarização. Há aqueles que, por um lado, demonizam o lucro. E acho que isso é um engano, pois as empresas têm sim que lucrar. Mas também há o extremo oposto que é aqueles que vêem no lucro a única razão da existência de uma empresa. A questão é que a empresa não existe para virar lucro. Ela existe para servir a sociedade de uma determinada forma, seja num serviço, num produto, e, por fazer isso bem, tem que lucrar. Isso é o que vai dar sustentabilidade social para que todo o processo continue acontecendo. Agora não é o lucro o único objetivo, mas sim é uma consequência do impacto social, econômico e desenvolvimento de melhores condições de vida da população que ela gera. Acho que isso ficou mais claro por conta desta crise.

RI: Segundo os dados do IBGE, o setor de serviços foi o mais afetado pela Pandemia. O que isso implicará na transformação na forma de atendimento e postura das empresas?

Ricardo Amorim: O setor de serviços, em vários casos, é o que mais requer um contato direto de quem está sendo atendido e quem atende. Por isso, o impacto no setor de serviços foi maior entre todos os setores. Agora ficou claro que isso não necessariamente precisa ser verdade. Há outras formas, como as soluções digitais que permitem que esse atendimento possa ser feito, às vezes, de forma mais conveniente a quem está sendo servido. Acho que esse é um ponto fundamental, a grande lição que a gente vê deste cenário é que as empresas não têm que optar pelo físico ou pelo digital. Em minha opinião, o futuro é físico e digital porque, fundamentalmente, o que o cliente quer é mais conveniência. Do ponto de vista do cliente, às vezes é mais conveniente o físico e, em outras, é o digital. Nesse momento foi o digital porque o físico estava limitado, mas isso nem sempre vai ser verdade. Acho que isso será mais levado em consideração daqui para frente nas estratégias de todas as empresas, mas particularmente nas empresas do setor de serviços.

RI: É possível traçar alguns cenários e caminhos pós-pandemia?

Ricardo Amorim: As incertezas com relação a como será a recuperação da economia ainda são muito grandes. A única certeza que a gente tem é que em algum momento ela vai acontecer. Há duas dúvidas básicas. A primeira é essa recuperação vai acontecer num ritmo mais significativo e rapidamente, a tal da recuperação em V, ou se ela vai demorar mais para acontecer e depois virá com mas força, ou seja, uma recuperação em U. Uma outra possibilidade é que haja ainda recaídas depois da recuperação inicial: a tal da recuperação em W. A economia começa a recuperar, mas é abortada. Neste cenário de W, eu diria que o risco maior é se ocorrer algum segundo surto significativo, seja num país específico ou mesmo em termos globais. Alguns, os mais pessimistas, vêem o cenário L. Não só a economia terá uma contração gigante, mas também vai ainda ficar lá embaixo por muito tempo. Acho que este último cenário tem um risco muito pequeno. Me preocupo mais com os cenários de U e de W. Acredito que os dois juntos têm uma probabilidade maior de que uma recuperação forte e rápida de V, fundamentalmente porque o que determina a decisão das pessoas como consumidoras ou das empresas, do ponto de vista de contratar mais gente tem a ver com expectativa e confiança. Neste sentido, me parece difícil, mesmo com todo o estímulo que tem sido dado, que essa confiança vá voltar muito rapidamente e com muita força porque as pessoas vão ter duas preocupações neste momento. Numa crise econômica normal a preocupação é com o medo do desemprego. Neste momento, além disso, é possível que ainda haja uma preocupação com saúde por mais tempo. Por outro lado, há um efeito inicial que é o efeito do rebote de consumo que eu chamo de ‘eu mereço’. Depois de as pessoas passarem dois ou três meses em casa elas voltam e tendem a pensar em dois aspectos: o primeiro é já passei muita dificuldade e agora eu quero algo melhor. O segundo aspecto é uma preocupação que normalmente nós não temos, a percepção da mortalidade, que talvez fique mais clara. Com isso, talvez as pessoas pensem: eu vou aproveitar agora porque não sei se vou ter a chance depois. O fato é que particularmente se viu isso na China que é o país mais avançado nesse processo. Lá houve uma recuperação do consumo de automóveis e bens de luxo muito forte inicialmente. Vamos ver se ela vai se sustentar.

RI: Quais países/governos lidaram melhor com o problema e deveriam servir de exemplo, nesta atual conjuntura?

Ricardo Amorim: Visto com os olhos de hoje, os países que melhor souberam responder a crise foram aqueles que responderam antes e de forma mais agressiva ao risco da pandemia. Em outras palavras: os países que inicialmente avançaram mais, seja na parte da testagem e de monitoração, ou os que não conseguiram fazer isso, foram mais rápidos no processo de isolamento, com um isolamento mais agressivo, tiveram surtos menores e, por consequência, tiveram necessidade de paralização econômica por menos tempo. Por que eu digo isso com os olhos de hoje? Porque uma questão que não está clara é o risco de uma eventual segundo surto. Mais uma vez, visto com os olhos de hoje, a Suécia foi a nação que mais errou e é o país no mundo com o maior número de mortes per capita por coronavírus em função de ter sido muito mais leve nesse processo de isolamento social. É cedo para um julgamento definitivo, pois, em contrapartida, a Suécia deve ter em níveis de pessoas que já tiveram o vírus em relação a população muito superiores aos de outros países. Pode ser que eles não estejam sujeitos ao risco de um segundo surto e, por consequência, vão ter um impacto econômico talvez muito menor no futuro. Isto a gente só vai ter certeza mais para frente, mas olhando para hoje parece exatamente o contrário. Parece ter sido um país que fez a opção mais errada com custos mais altos. Isso levando em consideração que a Suécia tem um sistema de saúde excelente e tem naturalmente um nível de isolamento social muito maior que os outros países, porque o número de pessoas morando na mesma casa é o mais baixo que se tem no mundo inteiro. Por outro lado, quem parece ter feito um belíssimo trabalho para minimizar o impacto econômico e ao mesmo tempo reduzir a contaminação foram os países asiáticos que levaram uma série de vantagens. A primeira foi eles terem vivido antes a SARS e o MERS e, portanto, estavam mais preparados. O segundo, por uma questão cultural, os asiáticos tendem a valorizar mais os aspectos coletivos, enquanto, os ocidentais mais o individualismo e isso facilitou com que medidas impostas de cima para baixo por governos fossem mais adotadas e funcionassem melhor. O terceiro foi um uso mais intensivo de tecnologia para testar, monitorar e conseguir evitar que a transmissão fosse maior. Com isso tudo, eles conseguiram ter uma paralização econômica muito menor por muito menos tempo sem que isso colocasse em risco a sua população.

RI: Haverá também retrocesso no processo de globalização?

Ricardo Amorim: Eu acho muito difícil que não haja um processo de retrocesso da globalização e vejo isso com preocupação. A globalização basicamente significa a capacidade da humanidade ter especialização em locais que tem vantagens competitivas para a produção de produtos de serviços diferentes e isso reduz o preço dos produtos e serviços a que todos nós temos acesso. Então, o retrocesso da globalização significa uma tendência de produtos piores e mais caros a todos. Por outro lado, por que ainda assim é inevitável? Em primeiro lugar por um movimento das empresas terem notado que a contrapartida de terem cadeias de suprimentos muito globalizadas é um risco grande de quebra dessa cadeia e eles devem tomar medidas para reduzir isso. E, principalmente, porque o movimento de reversão de globalização já vinha acontecendo e, numa sociedade onde aumenta o desemprego, a tendência é de que o protecionismo aumente também. Então, temo que vá acontecer um retrocesso da globalização.

RI: É possível dizer que haverá um retrocesso do liberalismo econômico para um estado mais intervencionista?

Ricardo Amorim: Com relação a um retrocesso do liberalismo eu acho que esse é mais temporário. Por quê? Faz todo sentido do mundo que, num momento de crise, o papel do governo aumente, porque o governo é o único ente de todo o sistema econômico que tem a possibilidade de fazer as duas coisas. A primeira é aumentar impostos e a segunda é imprimir dinheiro. Há exceções, mas o grande conjunto das empresas, durante a crise, tem uma queda brutal de receita e, portanto, a sua capacidade de impactar a economia cai. Já o governo, a priori, tem uma queda arrecadação, mas pode aumentar as alíquotas de impostos. A empresa não pode falar, eu estou ganhando menos e vou cobrar mais, porque se ela fizer isso é aí que vende menos mesmo. Além disso, nenhuma empresa e nenhum indivíduo tem a capacidade de imprimir dinheiro. Por isso tudo, é natural que o papel do governo, no momento de crise, cresça. O que é saudável é que ele seja grande em momentos extremos quando a necessidade e importante e, por outro lado, limitado em momentos normais, que são imensa a maioria deles. Exatamente para que ele tenha espaço para poder ser bastante agressivo ao estímulo nos momentos de necessidade. No Brasil, por exemplo, um fator que limitou muito a nossa capacidade de estímulos fiscais e monetários foi exatamente o fato de que nós já estávamos numa situação fiscal que não era ideal antes que a crise chegasse. Em segundo lugar, há o fato de nós temos um passado hiper inflacionário e uma série de mecanismos de correção monetária automática que tendem a retroalimentar a inflação. Por consequência, a gente precisa ser menos agressivo no estímulo monetário, pois há o risco que isso venha potencialmente gerar um futuro processo inflacionário mais forte é maior do que em países que não têm esses mecanismos de correção monetária. Então, tendo a achar que, sem dúvidas, nesse momento há uma reversão do liberalismo do estado mais intervencionista, mas para o bem da economia e de todo mundo, espero que os governos tenham clareza de que isso deve ser um movimento temporário. A gente recentemente viu no Brasil um caso claro de como a incapacidade de ver isso é grave. Quando houve a crise financeira global de 2008/2009, o Brasil tinha uma situação fiscal melhor. Houve uma expansão fiscal significativa naquele momento e que fazia sentido para reduzir a crise grave no Brasil, só que ela nunca foi revertida. Então, o estímulo feito no final do segundo mandato do governo Lula nunca foi revertido nos anos Dilma e acabou dando, pelo menos até agora na crise do coronavírus, na mais longa e profunda crise econômica brasileira dos últimos 120 anos. É esse o risco que o mundo corre se ele não for capaz de reverter esse crescimento do intervencionismo que é natural no momento de crise, mas que não pode ser mantido.


Continua...