Fórum Abrasca

É PRECISO RECOMPOR O ORÇAMENTO DA CVM PARA O BOM FUNCIONAMENTO DO MERCADO

A Abrasca, em nome das companhias abertas, e a Amec, em nome dos investidores no mercado de capitais, divulgaram carta conjunta, no final de janeiro, alertando sobre os efeitos nocivos do corte anunciado pela imprensa de mais de 50% no orçamento da Comissão de Valores Mobiliários para 2022. A medida representou uma redução de quase R$ 14 milhões para as despesas discricionárias da autarquia.

Com o corte, a disponibilidade de recursos para manutenção das atividades ficou em R$ 12 milhões, o menor orçamento nos últimos 13 anos. A área de supervisão do mercado, por exemplo, perdeu R$ 5,1 milhões e a de administração das unidades R$ 8 milhões, segundo dados do Sistema de Informações Orçamentárias Gerenciais Avançadas (SIGA Brasil), mantido pelo Senado Federal.

A preocupação manifestada pela Abrasca e pela Amec ocorreu por conta dos possíveis efeitos que esses cortes orçamentários que têm ocorrido de maneira sucessiva em vários exercícios – podem causar na dinâmica do mercado de capitais e das demais instituições inseridas em seu ecossistema. Há risco de comprometer seriamente os trabalhos da autarquia em 2022.

Portanto, é necessária uma reflexão sobre essa asfixia da autarquia que ocorre em um momento de disruptura do mercado de capitais no mundo e, particularmente, no Brasil. Nos últimos anos é notória a rápida transformação do sistema de negociação de valores mobiliários, no formato virtual. E é justamente a facilidade de comprar e vender ativos financeiros de forma on line que está popularizando as aplicações financeiras no país.

O resultado deste processo é expresso pelos dados divulgados pela B3, mostrando que, em janeiro último, havia 5 milhões de contas de pessoas físicas abertas em corretoras no Brasil. Um resultado muito expressivo considerando que, há pouco menos de cinco anos, o número de investidores pessoa física no mercado não passava de 400 mil.

Outro dado relevante divulgado pela Bolsa aponta que, ao longo de 2021, a média dos recursos investidos inicialmente foi de R$ 44, o menor valor observado desde janeiro de 2014. Essa informação, na avaliação da B3, sinaliza que o mercado de capitais está passando a fazer parte da poupança do brasileiro, atraindo a atenção de pessoas das mais diversas camadas sociais e de renda.

A retomada da Bolsa, no entanto, não está restrita ao investidor individual. Com as limitações impostas pelo governo para os empréstimos concedidos por órgãos públicos, como BNDES, as companhias abertas passaram a se capitalizar via mercado. Em dezembro, a CVM divulgou dados expressivos que marcaram 2021.

No ano passado foram captados R$ 722,2 bilhões em valores mobiliários no Brasil, a maior cifra da história. Outro dado chama atenção: em 2021, o conjunto de regulados pela CVM cresceu 16% em relação ao final de 2020, somando 71.756 participantes. Praticamente todas as categorias de regulados mostraram crescimento, com destaque para os Agentes Autônomos de Investimento (aumento de 30%), que somam 18.141 profissionais.

Esses números, ao mesmo tempo em que revelam um cenário muito positivo para a economia brasileira, também acendem a luz da advertência. Estamos diante de um processo crescente do número de operações em bolsa; recordes de aberturas de capital; aumento no uso de tecnologia por agentes de mercado; e a entrada de milhões de novos investidores. Esse contexto exige, portanto, a presença de um regulador forte e bem equipado, que consiga minimamente acompanhar essas evoluções em benefício da própria sociedade.

Tal preocupação é um ponto em comum tanto por parte das companhias abertas como dos investidores e agentes de mercado, que consideram primordial e muito relevante a atuação da CVM para ordenar o setor.

É ela que autoriza a atuação de pessoas interessados em operar no mercado; é o órgão que edita normas, orienta, monitora, fiscaliza, supervisiona e, em caso de irregularidades, também aplica sanções.

Essas funções estão na origem da autarquia, criada em dezembro de 1976, pela Lei 6.385, com a missão de fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil, tarefa que cumpriu com primor ao longo de mais de 40 anos de atuação.

Tanto a Abrasca como a Amec entendem que a CVM precisa contar com recursos para manter sua estrutura administrativa e dessa forma exercer a função que lhe foi outorgada. Assim, o corte orçamentário da magnitude que foi anunciada inviabiliza não só a gestão administrativa como também a manutenção das atividades-fim da autarquia, podendo paralisar, inclusive, os trabalhos que estão em andamento.

O ponto que chama atenção é a ausência de explicação para o corte do orçamento da CVM. É de conhecimento público que há anos a autarquia opera no limite: desde 2010, não faz concurso público. A falta pessoal é notória e preocupante diante das exigências impostas pelo crescimento vertiginoso do mercado.

A Abrasca e a Amec na carta ressaltam que a taxa de fiscalização cobrada pela CVM, bem como os termos de ajustamento de conduta (TAC) assinados pela autarquia em sua atividade fiscalizadora, produzem receita superior aos gastos do órgão, sendo que parte relevante dessas taxas – que deveriam estar custeando os serviços a que se destinam – são revertidas para a receita do Tesouro Nacional.

Em 2017, a autarquia chegou a propor a criação de um fundo de desenvolvimento do mercado, que ficaria com os recursos dos termos de compromisso e seria administrado pela CVM. A proposta não foi aceita pelo poder incumbente e o dinheiro continua direcionado para os cofres públicos.

Na carta enviada pela Abrasca e a Amec ao ministro da Casa Civil, ao presidente e ao relator da comissão orçamentária e aos presidentes da Câmara e do Senado foi ressaltado que o corte no orçamento da CVM pode enfraquecer o nosso mercado de capitais e o desenvolvimento econômico brasileiro. As duas entidades pedem que o Poder Legislativo reveja o drástico corte imposto ao orçamento da Comissão de Valores Mobiliários, enquanto é tempo.

Eduardo Lucano da Ponte
é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br


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