IBGC Comunica

TRANSPARÊNCIA AINDA É UM GRANDE DESAFIO PARA A GOVERNANÇA DAS ESTATAIS

Poder público também precisa garantir a autonomia e a qualificação da alta gestão

Eficiência, moralidade, transparência e qualidade são valores perseguidos por profissionais direta ou indiretamente ligados à governança corporativa em qualquer local do mundo. Na iniciativa privada, há mecanismos consolidados para mensurar cada um desses princípios. Na esfera pública, esse acompanhamento depende, em grande medida, da legislação vigente em cada país.

A partir da sanção da Lei das Estatais (nº 13.303/2016), as empresas controladas pelo Estado aprimoraram suas estruturas e processos de governança corporativa. No entanto, alguns desafios devem ser superados para que as companhias controladas pela União, por Estados e por municípios adotem e exerçam as boas práticas previstas na legislação brasileira.

A falta de transparência permanece como um dos maiores desafios. Ainda é difícil para a sociedade compreender e fiscalizar quais políticas públicas podem ser executadas pelas empresas estatais do País. Em tese, cada uma delas foi criada a partir de objetivos relacionados a um determinado interesse coletivo. Como avaliar se esses propósitos estão sendo cumpridos? Como se define o orçamento de uma companhia federal, estadual ou municipal? Existem metas financeiras e não financeiras a cumprir? Como se dá a relação com acionistas minoritários em sociedades de economia mista?

Para facilitar tal acompanhamento, a Lei das Estatais determinou que essas empresas divulguem cartas anuais sobre políticas públicas e governança corporativa, com os recursos a serem empregados e os impactos econômico-financeiros para o alcance dos objetivos relacionados aos interesses da população e do País.

A pesquisa Governança Corporativa em Empresas Estatais Brasileiras, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), baseada em dados públicos de maio de 2021, mostrou que das 252 organizações analisadas, 32,1% não divulgaram nenhuma carta anual de políticas públicas e governança corporativa – percentual que sugere uma transparência ainda insuficiente. E, mesmo entre a maioria das que reportaram pelo menos uma carta entre 2016 e 2020, 29,8% não apresentaram os objetivos de políticas públicas.

Ao mesmo tempo, a maior transparência das companhias federais conta com a colaboração da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST) do Ministério da Fazenda. Anualmente, o órgão vem divulgando o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais, que contém alguns indicadores das controladas pela União e apresenta as políticas públicas dentro da esfera de atuação de cada uma.

Outros desafios para a completa adequação à Lei das Estatais são a qualificação e a independência dos administradores (diretores e conselheiros de administração), que podem ser comprometidas pela fragilidade dos processos de escolha e avaliação desses profissionais. 

Ao lado do incentivo à transparência, garantir a qualificação e a independência dos administradores é fundamental para assegurar e aprimorar a aplicação das melhores práticas de governança corporativa. Trata-se de medida que fortalece o conselho e o protege quanto às adversidades de ordem político-partidária.

A lei determina que todas as estatais com receita bruta anual superior a R$ 90 milhões contem com uma política de indicação baseada em critérios de seleção dos administradores. A legislação estabelece, também, que as companhias tenham um comitê para avaliar a conformidade do processo de indicação aos cargos e, ainda, que os analisem anualmente.

Apesar dos avanços, a pesquisa do IBGC evidenciou fragilidades em todos esses aspectos. A política de indicação, que serve para balizar a atuação do Comitê de Elegibilidade, existia em apenas 30% das empresas que deveriam contar com ela. Já o comitê estava presente em 80,9% das estatais obrigadas a instituí-lo. Os números sugerem que muitos comitês vêm atuando de maneira pouco efetiva, pois não se fundamentam nas políticas (inexistentes na maioria das estatais).

Com comitês pouco efetivos, o processo de seleção fica comprometido e surgem lacunas: os membros independentes deveriam representar pelo menos 25% dos integrantes dos conselhos das empresas com receita operacional bruta superior a R$ 90 milhões. No entanto, eram apenas 15,7%, de acordo com a pesquisa.

Há, ainda, uma fragilidade relacionada à avaliação do conselho, presente em 81,8% das empresas que deveriam realizá-la. Mesmo as que contam com essa prática não costumam compartilhá-la com outras instâncias e tampouco utilizá-la para subsidiar programas de educação continuada ou o planejamento de sucessão. 

O cumprimento integral da lei pelas estatais federais, estaduais e municipais deve estar no foco de atenção do poder público e da sociedade. Os avanços obtidos devem ser reconhecidos, mas não se pode perder de vista o trabalho que ainda há pela frente para o aprimoramento da governança dessas empresas, bem como garantir que seus objetivos se mantenham alinhados aos interesses da população.


Pedro Melo e Danilo Gregório
são, respectivamente, diretor-geral; e gerente de relações institucionais e governamentais do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
comunicacao@ibgc.org.br


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