Sustentabilidade

ENTRE CISNES VERDES & NEGROS: ELES SÃO REAIS!

De acordo com o último censo de 2022, somos pouco mais de 203 milhões de brasileiros. Em pesquisa recente, o Instituto Locomotiva e a PwC indicaram que nos últimos cinco anos, 49% dos brasileiros já enfrentaram algum alagamento onde moram ou trabalham. Portanto, o impacto social em decorrência de inundações é significativo e o medo da perda material, por ter a residência alagada demonstra que o imprevisto se tornou notícia corrente no dia a dia da população afetando pessoas de todas as classes sociais de forma semelhante no país.

Vivenciamos a catástrofe climática e ambiental, o aumento do nível dos rios causando enchentes sem precedentes no Rio Grande do Sul. Entretanto, anualmente no Brasil, se tornaram comuns, os eventos de fortes chuvas com intensidade muito superior à média mensal. Muitos estados do país como São Paulo, capital e litoral, Rio de Janeiro e Minas Gerais foram impactados por efeitos negativos na economia com interrupções de atividades produtivas, prejuízos materiais e até óbitos.

Há exato um ano, eu embarcava para o Collision Conference quando assisti Al Gore no relevante documentário “A verdade inconveniente” datado do final dos anos 80, alertando quanto aos efeitos do aquecimento global e crises climáticas. Naquela ocasião, ações essenciais já se faziam urgentes e estavam colocados como tema global.

A edição 273 da Revista RI abriu o 2o semestre de 2023 com artigos direcionados a necessidade de atenção de governos e iniciativa privada sobre os impactos das mudanças climáticas. No meu artigo “Capitalismo verde na balança, transformando a dualidade em caminhos sustentáveis”, meu posicionamento crítico indicou que apesar dos esforços governamentais, as últimas décadas de mitigação das mudanças climáticas são consideradas fracassos resolutos. Cenários desoladores, desmatamento em alta, incêndios florestais, ondas de calor recordes, clima errático e inundações ocorrem mundialmente. Complementaria agora, com as chuvas torrenciais. Nessa mesma edição, um dos artigos de capa citou o Banco Central que instituiu desde 2021, uma série de normas que culminaram no Relatório de Gestão de Riscos Sociais, Ambientais e Climáticos (GRSAC). O Cisne Verde representando o Relatório GRSAC apareceu também como destaque no blog do IBGC em set-21 informando sobre a publicação de normas para aprimorar regulação sobre riscos socioambientais no setor bancário o que representou um marco na agenda de sustentabilidade do setor, considerando a participação do Brasil em eventos mundiais importantes como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas ocorrida em 2021. Os cisnes verdes vieram em analogia aos cisnes negros para se referir à perspectiva de uma crise financeira causada pelas mudanças climáticas, e eventos com potencial de alto impacto que trazem perturbação extrema sob a ótica financeira. Por certo, todos os eventos climáticos extremos aumentaram sua frequência e magnitude, gerando grandes impactos financeiros explicados por prejuízos na capacidade produtiva pelas interrupções na produção, destruição de plantas fabris, plantações e na vida da população, afetando a sociedade indiscriminadamente.

A situação no Rio Grande do Sul me sacudiu como em um solavanco. Deparei-me refletindo sobre ameaças e oportunidades, perdas e ganhos em meios as alternativas de recuperação e avaliando possibilidades para transformar resiliência em anti-fragilidade. Tendo um horizonte crítico para interpretar a relevância do cenário atual daquela região, observo que empresas, e a população do RS em todas as regiões atingidas passam por esse ponto de inflexão. Na estratégia adaptativa, os pontos de inflexão são momentos que exigem mudança significativa na estratégia para responder a novos desafios ou oportunidades. Pensando em estratégia adaptativa, me deparei com uma publicação que fazia referência ao olhar do conselheiro consultivo considerando o impacto dos cisnes negros que desafiam o planejamento estratégico e a reação a imprevistos. Esses são possivelmente os momentos realmente cruciais na retomada em situações extremas como as consequências trazidas pelas crises climáticas. Sergio da Motta, conselheiro consultivo e meu então ‘mentee’ no Board360, impactou-me pela clareza no artigo “Preparando-se para o futuro: planejamento estratégico e gestão de riscos” que cito em parte. “As empresas ainda precisam refletir e preparar-se para o imprevisível, no que a referência ao livro A Lógica do Cisne Negro, de Nassim Nicholas Taleb , é uma referência fundamental. Taleb introduz o conceito de Cisnes Negros — eventos raros e imprevisíveis que têm um impacto desproporcionalmente grande. Ele argumenta que, embora esses eventos sejam extremamente improváveis, suas consequências são tão significativas que devem ser consideradas no planejamento e na estratégia de risco. A previsibilidade de que será necessário enfrentar o imprevisível é crucial para a gestão de riscos, pois enfatiza a importância de reconhecer as limitações dos modelos preditivos baseados apenas em dados históricos. A obra de Taleb nos desafia a repensar nossas estratégias e a incorporar a possibilidade de ocorrência de eventos altamente improváveis, mas potencialmente revolucionários ou devastadores, em nossos modelos de risco. Nos momentos em que as empresas, ou mesmos indivíduos, são confrontados com o imprevisível, Cisnes Negros ou não, é que missão, visão, valores, resiliência e os conselhos de administração e conselho consultivo serão testados ao seu extremo. Os cenários de planejamento, face a eventos de tamanha proporção, poderão quando muito ser referências, componentes que combinados podem sugerir alternativas de reação e esboços para os planos de recuperação e reconstrução.”

Desconstruindo para reconstruir, a catástrofe das inundações no Rio Grande Do Sul pode ser conectada a três referências pelo balé entre cisnes verdes e negros, que pode ser observado em 3 atos:

  1. O desastre no Rio Grande do Sul revela o conceito de justiça climática, mostrando efeitos devastadores entre a população mais vulnerável demonstrando suas consequências que deixam evidente a desigualdade tão presente em nossas cidades, especialmente nas comunidades e periferias ressalta Renato Meirelles presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva e membro do conselho de professores do IBMEC, para a Veja.
  1. O Cisne Verde representa a perspectiva de uma crise financeira causada pelas mudanças climáticas. Todos os eventos climáticos extremos, como as inundações em larga escala, os incêndios e furacões, trazem fortes prejuízos considerando os impactos na produção, PIB, paralização de unidades industriais, comércio e serviços impactando pessoas, empresas, instituição financeiras e governos.
  1. A alusão a lógica dos Cisnes Negros demonstra que não possuímos controle sobre o que não sabemos que desconhecemos e faz todo sentido revisitar a análise de risco com prática e disciplina para definir a estratégia de recuperação. Tal estratégia deve ser orientada as fontes relacionadas a infraestrutura com dependência cruzada de serviços essenciais, como a preparação das redes de águas pluviais, de energia e telecomunicações, transporte, perfazendo um plano de ação das políticas públicas com as empresas privadas atuando de forma colaborativa para a reconstrução de um ambiente arrasado.

O ápice no balé será um “gran finale” dramático que ainda está por vir. As vulnerabilidades entrelaçadas do cisne verde com o cisne negro demonstram que existirão impactos na saúde física e mental da população que exigirá empenho de toda sociedade brasileira. De fato, cisnes verdes e negros são reais sendo premente que façamos a nossa parte cuidando empaticamente dessa recuperação. Ao incentivar a economia da região sul através da aquisição de insumos regionais percebo uma forma de fomento a reconstrução pelo incentivo ao ambiente empresarial e ao consumo originário dessa região.

As empresas desempenham um papel crucial na gestão ambiental e social, especialmente em relação à mitigação e adaptação em resposta às mudanças climáticas contribuindo com a governança pela incorporação de políticas claras de sustentabilidade, a criação de comitês de gestão ambiental e social para atuarem em parcerias e colaboração governamental, com demais partes interessadas a fim de enfrentarem juntos os desafios de recuperação e a promoção de práticas sustentáveis na cadeia logística. Nesse ponto, as empresas e a população de outras regiões têm um papel fundamental na promoção de uma recuperação resiliente frente as catástrofes climáticas. Através de práticas de governança robustas e uma gestão ambiental e social eficaz, podemos contribuir para a construção de um futuro mais sustentável, resiliente e antifrágil.

Luciana Tannure
é especialista em estratégia de negócios, mentora empresarial e de desenvolvimento de lideranças, e palestrante. Board Member, Conselheira Consultiva certificada, Vice coordenadora da Comissão de Governança e Estratégia Empresarial pela Board Academy BR. Executiva com mais de 28 anos de experiência em empresas nacionais e multinacionais. Engenheira pela PUC-RJ com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e pós-graduação em Finanças Corporativas e Sistemas de TI.
luciana.tannure@gmail.com


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