Voz do Mercado

JOGAR É SINÔNIMO DE INVESTIR? A RESPOSTA É “NÃO”!

Precisamos de Educação Financeira
O Brasil é um país de proporções continentais, com aproximadamente 210 milhões de habitantes, divididos em cinco grandes regiões, cada qual com as suas respectivas características e realidades. Com esses predicados, há de esperar no Brasil a existência de um Mercado de Capitais pulsante, promotor de crescimento econômico-social, com geração de emprego, renda e arrecadação.

O segmento regulado pela CVM cresceu exponencialmente nos últimos anos, em tamanho e em capilaridade, tanto nos grandes centros urbanos quanto no campo e no ambiente rural. Atualmente, nosso país celebra a participação de, aproximadamente, 5,3 milhões de investidores pessoas físicas na Bolsa de Valores. Sim, é uma marca que merece ser celebrada, em especial, pelo fato de ter sido atingida há, relativamente, pouco tempo.

Muitos de vocês, leitores, se acostumaram a ouvir, por um longo período, que a bolsa brasileira possuía 500 mil investidores. Porém, precisamos ser realistas (e otimistas): 5,3 milhões é um número ainda aquém das possibilidades do nosso Brasil, reconhecido internacionalmente como a grande potência dos Mercados de Capitais da América Latina.

A CVM e diversos agentes econômicos têm promovido um movimento coordenado de democratização para crescimento, com inclusão, no Mercado de Capitais. Este movimento busca, também, dar oportunidades para um número cada vez maior de participantes, tanto emissores quanto investidores. Inclusão de poupadores e tomadores de recursos que acreditam no potencial no Mercado de Capitais brasileiro como ferramenta para o desenvolvimento de políticas públicas de qualidade.

Neste contexto, revelam-se cada vez mais necessárias campanhas e ações de capacitação sobre Educação Financeira no Brasil, tanto em temáticas consideradas básicas quanto naquelas com nível mais elevado de complexidade.

Em um primeiro momento, precisamos ensinar e explorar os fundamentos essenciais da Educação Financeira, que estão associados à compreensão sobre a formação de poupança e investimento consciente. Um passo – firme e organizado – de cada vez, pois no Brasil há carências destes fundamentos essenciais muito para além dos usuários do Mercado de Capitais.

É preciso reconhecer que, assim como o nosso país é extenso e diverso, o público que acessa – e que pode vir a acessar – o Mercado de Capitais também tem diferenças entre si. Por conta disso, a CVM instituiu uma Política de Educação Financeira, que estabelece princípios e diretrizes para a atuação educacional da Autarquia, com o objetivo de formar públicos investidores capazes de tomar decisões financeiras conscientes e bem-informadas.

Se, de um lado, o mercado regular está cada vez mais empenhado com a Educação Financeira, a conscientização e a capacitação dos participantes, de outro, mercados não regulares apresentam cada vez mais desafios e pontos de atenção em uma abordagem social do Brasil.

Recentemente, pesquisa revelada pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) apresentou o resultado de que um determinado jogo de azar virtual, intitulado Fortune Tiger, conhecido como “jogo do tigrinho”, teria um número de usuários sete vezes maior do que o Mercado de Capitais regular. A pesquisa da ANBIMA sinalizou esse jogo em específico, mas é importante aqui frisar que, em uma rápida pesquisa na Internet, é possível identificar outros com os mesmos atributos. Tais jogos replicam características de um cassino e a experiência do uso de máquinas caça níquel (slot machines).

É necessário respeitar o regular Mercado de Apostas no Brasil e entender a existência de espaços específicos para tais práticas. É igualmente necessário compreender a urgência de um trabalho de conscientização da população a respeito da ilusão de promessas de enriquecimento fácil, por meio de jogos, com a certeza de que apostas não são investimentos. Reforço aqui: o Mercado de Apostas não deve ser comparável ao Mercado de Capitais, mas, sim, aos cassinos, às loterias e outros similares ambientes de entretenimento.

Acontecimentos como estes reafirmam a nossa percepção de que o tema da Educação Financeira é prioritário (i) em nosso país e no mundo, (ii) dentro do Mercado de Capitais e (iii) muito para além deste mercado, iniciando-se desde a educação básica até a formação dos hábitos comportamentais. Afinal, jogos – desde que regulares – devem ser encarados e reconhecidos como jogos, não como investimentos.

Por meio de consultas em buscadores de notícias na Internet, por exemplo, há notícias e relatos de pessoas que assumem dívidas e perdem patrimônio em jogos e apostas, que, ao serem realizadas sem moderação e compreensão dos riscos envolvidos, podem comprometer a saúde financeira de famílias inteiras.

O trecho que destaquei acima nos mostra que há espaço para a Educação Financeira. Ao mesmo tempo, reforça a percepção de que precisamos (i) simplificar a jornada do investidor do Mercado de Capitais, (ii) modernizar a linguagem utilizada, (iii) repensar os modelos e os formatos de comunicação com o ambiente regulado e (iv) tornar a experiência do usuário do Mercado de Capitais mais convidativa.

O caminho é longo, mas a pavimentação já foi iniciada.

A CVM tem aplicado recursos na implementação de projetos, publicações e atividades de Educação Financeira e de investidores de forma estruturada. As ações da Autarquia vêm, progressivamente, incorporando parceiros e colaboradores, tanto no Poder Público quanto na Iniciativa Privada, empenhados em exercer função educativa para fomentar a mudança de cultura, com aumento do planejamento financeiro e do grau de conhecimento dos investidores sobre produtos, serviços e estratégias.

Quero aproveitar esta coluna na prestigiosa Revista RI para convidar o público educador, bem como a todos aqueles com maior nível de proficiência nas temáticas relacionadas às Finanças, ao mundo dos negócios e ao Mercado de Capitais a se empenharem neste esforço coletivo de melhoria do comportamento financeiro dos indivíduos. Precisamos empoderar as pessoas, com uma educação financeira adequada, que dimensiona receitas e despesas, bem como alinha expectativas para formação de poupança em comportamento responsável e de longo prazo.

O cidadão, com noções básicas de educação financeira, irá compreender, por exemplo, que só deve comprar aquilo que ele pode pagar. Assim, ele não contrai dívidas nem corre o risco de ficar inadimplente. Baixos níveis de inadimplência no país são sinônimo de possibilidade de captação de recursos e obtenção de crédito.

Concluo esse material com uma certeza: a Educação Financeira é transformacional e deve ser vista como missão coletiva, capaz de reduzir as desigualdades sociais do Brasil e auxiliar o país na estratégia de crescimento econômico, com geração de mais empregos e renda para todos. Educação e capacitação promovem inclusão e redução de desigualdades, fazem a roda econômica girar e auxiliam para que todos saiam ganhando. #vamosjuntos?

João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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