Ponto de Vista

VALE A PENA COMPRAR DÓLARES?

Em 1958, quando comecei a trabalhar na Deltec, pioneira na área de investimentos, fui encarregado de treinar os vendedores sobre valores mobiliários, principalmente ações, para apontar as vantagens comparativas versus aplicações imobiliárias, que na época tinham a preferência dos poupadores. Os títulos do governo estavam desmoralizados e fora do mercado, pois não pagaram os juros devidos no seu vencimento e não tiveram resgates honrados. Viraram peças de decoração (ainda tenho alguns desses no meu escritório).

Os bancos não ofereciam opções nas aplicações e os depósitos a prazo pagavam juros simbólicos e, portanto, não dispunham de recursos para empréstimos de longo prazo.

O argumento básico para venda de ações estava centrado na sua maior liquidez, divisibilidade e rentabilidade através dos dividendos. Ações preferenciais das empresas que abriam seu capital via Deltec ofereciam 12% sobre o valor nominal e se não fossem pagos dentro do exercício eram cumulativos para o ano seguinte.

A compra de moeda estrangeira, particularmente o dólar, ficaria mais evidente somente quando da percepção de que a inflação estava corroendo o valor da nossa moeda e muitos buscaram nele refúgio pela sua disponibilidade nas casas de câmbio. Aplicações em moeda estrangeira não eram reguladas pelas autoridades monetárias e grande percentagem dos aplicadores não as incluíam em suas declarações anuais do IR.

Obviamente, as viagens ao exterior também implicavam na compra de dólar e eram muito utilizados os Traveller's checks, emitidos pelos bancos, principalmente o Citibank.

Todo esse processo de percepção de necessidade de busca de proteção do patrimônio acentuou-se com a depreciação de nossa moeda com a construção de Brasília (Governo Juscelino Kubitschek) onde os gastos tiveram forte impacto inflacionário. Nos anos 60 também apareceram as letras de câmbio, emitidas com deságio e que ofereciam rentabilidade mais atraentes e compensadoras. O Banco Mercantil de São Paulo foi pioneiro com a criação da Finasa, e os bancos comerciais criaram subsidiárias para atender à crescente demanda por financiamento para suprir a necessidade de financiamento da indústria automobilística, eletrodomésticos e outras modalidades de consumo. Presente no mercado de forma crescente, passaram a ganhar preferência dos investidores. Mais tarde, com a correção monetária, os títulos do governo voltaram a ser procurados passando a ter participação crescente no mercado, assim como a caderneta de poupança.

Além do dólar, em escala menor, eram procurados também francos suíços (estimulado pela estabilidade de sua moeda), a libra esterlina (muito popular nos tempos do Império) e mais tarde o euro, moeda do mercado comum europeu, que passou a ocupar maior espaço na medida em que ampliava sua liquidez.

De forma crescente os aplicadores passaram a investir também em títulos de dívida (Bonds) emitidos por empresas estrangeiras de primeira linha. A Deltec oferecia as chamadas “dólar notes” emitidas por companhias estrangeiras e também brasileiras. Na sequência, fundos de investimentos (hedge funds) passaram a ter lugar em sua carteira. principalmente como aplicação em moeda estrangeira.

Esse grupo de investidores também se achavam melhor protegidos comprando barras de ouro, que de forma crescente foram disponibilizadas, assim como as criptomoedas.

Para evitar a ocultação, em passado mais recente, as autoridades monetárias e o Bacen passaram a permitir oficialmente aplicações no exterior, devendo inclusive incluí-las obrigatoriamente na declaração de imposto de renda e em relatórios anuais.

Ganhos não realizados passaram também a ser taxados. Aqueles efetivamente realizados tinham tributação diferenciada se fossem ou não repatriados.

Os agentes financeiros e corretoras de bancos quem vem se dedicando de forma crescente à gestão de portfólio, passaram a ter departamentos totalmente dedicados ao desenvolvimento de serviços de aplicações no exterior, com anúncios nos jornais e em outros meios de comunicação passando ostensivamente a oferecer esses serviços.

O Banco Central exige ser informado no ano subsequente a respeito da posição no estrangeiro, tanto para pessoas físicas como jurídicas, que deverão ser trimestrais ou anuais a depender do montante mantido no exterior. Com isso, aplicações no exterior não mais são ocultadas e os principais gestores de fortunas recomendam que percentual do patrimônio individual aplicado no exterior, seja por questão de rendimento ou proteção de portfólio.

Voltando às origens, as cadernetas de poupança, que não tinham grande presença no mercado vieram a ter preferência dos brasileiros de pequena e média renda quando da introdução da correção monetária.

A disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e China, hoje claramente evidenciada, poderá ter implicações no comportamento do dólar, moeda padrão para as operações comerciais e como reserva de valor. Os chineses vêm fazendo tentativas para o uso mundial de sua moeda, YUAN, nas transações comerciais. Até agora, nessa área, nossas operações estão consolidadas no uso do dólar como moeda nas transações comerciais. Não será fácil desbancá-lo. Os países que formam os Brics, poderão considerar a moeda chinesa e estimulá-la, principalmente se sua liquidez estiver assegurada.

Nossas reservas cambiais equivalem a mais de 250 bilhões de dólares. A existência dessas reservas cambiais é importante proteção importante contra a especulações cambiais. Outrossim, possíveis alterações em nossa balança comercial e consequentemente no balanço de pagamentos, a performance do setor agroindustrial pode afetar sua participação, principalmente se a China reduzir suas importações, nosso maior parceiro comercial.

Outro fator que vem afetando o comportamento do dólar é a política do Federal Reserve Bank - FED quanto a alteração da taxa de juros que vierem a ser fixadas em suas sessões do Comitê de Política Monetária. Finalmente, também serão importantes as pesquisas eleitorais para as eleições de novembro. A escolha entre Kamala Harris e Donald Trump terá impacto em diferentes mercados, e como sabemos, o comportamento da economia norte americana é fator determinante

A globalização, que se intensificou no início dos anos 2000, vem sendo afetada por um protecionismo crescente e, obviamente, com forte implicação no curso das moedas nos mercados internacionais.

Não respondi se vale a pena investir no dólar ou em moeda estrangeiras que tenham liquidez. Os experts têm sido surpreendidos, e errado em suas projeções sobre o comportamento do dólar com a nossa moeda. Como enfatizamos, vários fatores internos e externos afetam seu comportamento, desde questões macroeconômicas internas e externas, como também comportamento erráticos, declarações desencontradas, interesses diversos, etc... forçando altas ou baixas.

O conselho que posso deixar registrado é que aqueles que queiram comprar dólares, ou outras moedas, que o façam gradualmente, a menos que circunstâncias especiais requeiram compra urgente. Também, caso já tenha moeda estrangeira em sua carteira como reserva de valor, e diversificação de seu portfólio, não seja um “trader” buscando acertar o momento de venda ou de compra, ou seja, especulando.

Concluindo, o dólar continuará predominante no cenário previsível será afetado localmente como indicado pelo comportamento das variáveis locais e da atratividade que possam apresentar comparativamente as alternativas internas. Apesar de que em certas circunstâncias poderão ter seu curso afetado, é difícil imaginar que percam sua hegemonia, pelo menos em futuro previsível.

Roberto Teixeira da Costa
Economista, foi o primeiro presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, e é conselheiro emérito e fundador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...