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OS REMÉDIOS & OS EFEITOS COLATERAIS NO MERCADO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS PARA O SETOR IMOBILIÁRIO

O mês de fevereiro de 2024 começou com novidade que surpreendeu o mercado de capitais. O Conselho Monetário Nacional publicou duas resoluções que trouxeram mudanças com impacto direto para o setor imobiliário, tanto na questão de emissão de títulos quanto de valores, mobiliários, regulados respectivamente pelo BC – Banco Central do Brasil e pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Estas resoluções alteram os lastros, entre outros pontos menos impactantes para as emissões de CRI – Certificados de Recebíveis Imobiliários, LCI – Letras de Crédito Imobiliário e as LIG – Letra Imobiliária Garantida. Alterou também as regras para emissão de CRA – Certificados de Recebíveis do Agronegócio e LCA – Letra de Crédito do Agronegócio. Mas nossa conversa se restringirá ao setor imobiliário.

Precisamos fazer algumas reflexões e voltar no tempo para entender melhor o que motivou em parte a mudança de rumos.

Começando pelos valores mobiliários, os primeiros CRIs tinham várias restrições quanto à possibilidade de securitização, incluindo performance – habite-se – dos imóveis que lastreavam as operações, o “use of proceeds”, ou seja, os recursos resultantes da captação deveriam ser necessariamente para financiamento da obra ou reembolso de obra. Enfim, algumas exigências que tornavam por representar entraves ao crescimento e dificultavam este mercado a decolar. Naquele momento, boa parte do setor não estava pronto para as informações e estruturas exigida pelos investidores e reguladores.

Com objetivo de fomentar o mercado e tornar estes títulos mais populares, a cada nova regulação, alguma flexibilização ocorreu até que o objetivo de financiar obras não precisava mais ser o motivo da captação.

Esses papéis, negociados em balcão e registrados na B3, oferecem uma vantagem, isenção de IR sobre os seus rendimentos. Investidores pessoas físicas definidos como qualificados ou profissionais segundo a CVM, entenda-se, alta renda, passaram a ser os principais investidores. Mas a popularização dos FII - Fundos de Investimentos Imobiliários mudaram esse cenário. Isto porque, os FII podem investir em volumes bilionários e por isso diversifica o risco, tem o gestor acompanhando todos os créditos diariamente e o pequeno investidor tem liquidez o tempo todo, dado que a cota é negociada em bolsa. Os entraves que tornavam o papel atrativo para a alta renda se popularizou e cresceu.

E no mercado de capitais, se há investidor com volume importante, é para este produto que a atenção dele se volta. A partir de 2021, esses títulos passaram a ser mais representativos no mercado, sendo que os volumes chegaram a R$ 46 bilhões no ano de 2022 e R$ 41 bilhões em 2023, representando 10% e 11% do volume das emissões de dívidas do mercado local de cada ano. Cumpriu o papel de popularizar, mas com a flexibilização das regras, o objetivo inicial de financiar o desenvolvimento imobiliário perdeu força. Metade das emissões não estavam lastreadas em imóveis – popularmente conhecidos como CRIs de tijolo, mas baseados em outros lastros, como debêntures do setor imobiliário, aluguel, etc, ou CRIs de papel.

Do ponto de vista de utilidade, toda flexibilização foi de fato necessária. Alcançou o objetivo de popularizar o investimento, e à medida que estava se perdendo na função de fomentar o mercado imobiliário, a mudança da regra de fato fez sentido. Inicialmente o mercado de capitais ficou apreensivo, mas o fato é que, passados alguns meses, pequenas empresas do mercado imobiliário que tinham dificuldade de acessar o recurso do mercado de capitais se prepararam, organizaram suas informações e o mercado continuou. Volume emitido até julho de 2024, chega aos R$ 50 bilhões, recorde em relação aos outros anos e concentrado nos CRIs de tijolo. Remédio indicado com sucesso. Essa foi minha leitura desde a publicação da resolução para os valores mobiliários e divulgada publicamente através da APIMEC Brasil.

Ainda sobre os CRIs, tem uma questão que pode ter um efeito colateral a ser ajustado. As tesourarias das instituições financeiras que fazem crédito com garantia de imóvel usam também a securitização como forma de compor o seu funding. Para o investidor é importante que a instituição que está cedendo (entenda-se, vendendo) a carteira, fique com parte dos recebíveis em uma cota subordinada. Isso, na visão do investidor, demonstra que está comprometida e confortável com o nível de risco da carteira. Em jargão de mercado, “skin in the game”. A resolução inibiu esta possibilidade. Remédio a ser avaliado.

Mas calma, dividimos essa conversa em valores mobiliários e títulos, certo? Então, tem a questão das emissões, onde o efeito colateral foi um pouco mais complicado.

Do ponto de vista do desenvolvimento, o remédio mostrou-se bom e os resultados para o financiamento à construção são nítidos. Da compra do terreno até a construção e habite-se do imóvel, o dinheiro está disponível para grandes e pequenos, através do CRI e do FII com prazos médios em torno de 5 anos.

Mas para o comprador final do imóvel, 5 anos é curtíssimo prazo. Ele precisa de até 30 anos de financiamento para concluir o pagamento de seu sonho. É aí que entra a segunda reflexão.

Vamos ao ponto: Um financiamento imobiliário nos níveis das taxas de juros atuais, custa para o tomador final uma taxa quase igual ao título público – na teoria das carteiras “ativo livre de risco”. Sim, um financiamento de imóvel custa o mesmo que o menor risco do país. Então como as tesourarias que tem seu custo em CDI conseguem emprestar a este preço? Simples, e de uma maneira muito resumida, porque a conta é complexa: os depósitos de poupança são direcionados para financiamento imobiliário, o SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. As tesourarias fazem um mix de recursos a custos baixos para chegar na taxa final do financiamento imobiliário.

E aí chegamos no efeito colateral. Vamos aos lastros dos títulos emitidos pelos bancos. Tanto LCI quanto LIG são lastreadas em uma carteira de crédito imobiliário para suas emissões. Necessariamente deverá ter uma operação imobiliária para que seja emitida uma LCI ou uma LIG. Na hipótese da instituição que tenha emitido um dos dois títulos use o recurso captado para outra finalidade, automaticamente a engrenagem trava, certo? Então, é um ciclo que se repete em que a instituição empresta com lastro imobiliário, emite o título e assim sucessivamente, usando recursos da poupança, LCI, LIG, FGTS, e assim segue a sopa de letrinhas.

Os financiamentos imobiliários já superaram os volumes da poupança, então a LCI, no ranking de menor custo, passa a ser a captação mais importante no mix desse custo. O investidor da LCI tem o mesmo benefício tributário do CRI, com o conforto de que o Emissor é uma instituição financeira e em geral, esse investidor também privilegia a liquidez, ou seja, investe a curto prazo. Até a publicação nas novas regras, a LCI tinha liquidez em 90 dias, e passou a ter esse prazo de 12 meses. Para o poupador que precisa desse recurso a curto prazo, caminhos como os CDBs ou outros investimentos com liquidez foram a solução.

Com isso, no mesmo mês da publicação das normas os volumes desses títulos caíram pela metade a média dos custos de captação de 93,7% do CDI para 95,2% do CDI. Remédio aparentemente tem efeito colateral.

E no momento em que concluí esse texto, 22 de agosto, nova norma foi publicada pelo Banco Central, alterando o prazo mínimo das LCIs de 12 para 9 meses. Vamos aguardar para avaliar os efeitos colaterais com o novo cenário.

Mara Limonge
é Vice-Presidente da APIMEC Brasil.
limonge.mara@gmail.com


Continua...