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No ambiente corporativo moderno, onde a transparência e a responsabilidade social são cada vez mais exigidas por consumidores, investidores e reguladores, a tendência de adotar práticas superficiais para aparentar conformidade com essas expectativas tornou-se preocupante. Este fenômeno, que chamamos de Washingmania, envolve a prática de mascarar a falta de substância e autenticidade em diferentes frentes: ambiental, social, governança e tecnológica.
Dentro desse contexto, quatro tipos principais de Washing se destacam: GreenWashing, SocialWashing, BoardWashing, e mais recentemente, AiWashing. Em vez de refletirem um compromisso real com a sustentabilidade, a justiça social, a governança responsável ou a inovação tecnológica, essas práticas servem apenas para criar uma imagem pública favorável sem mudanças significativas ou impacto genuíno.
Assim, a máxima romana "A mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta" parece ser invertida atualmente. Na era da informação, onde cada ação corporativa pode ser amplamente divulgada e analisada, mais do que parecer, é preciso ser genuíno.
GreenWashing
O GreenWashing é talvez o exemplo mais antigo e amplamente reconhecido de Washing. Ele refere-se à prática de promover uma imagem de responsabilidade ambiental que não condiz com a realidade das ações da empresa. Muitas corporações, na tentativa de capitalizar a crescente demanda por produtos e práticas sustentáveis, acabam utilizando táticas de marketing enganosas para aparentar um comprometimento ecológico que, na verdade, é superficial.
Um exemplo clássico de GreenWashing ocorre quando uma empresa investe em campanhas publicitárias que destacam pequenos esforços ambientais, enquanto continuam a operar de maneiras altamente prejudiciais ao meio ambiente. Um caso notável é o da BP, que, após o desastre do derramamento de petróleo no Golfo do México, lançou campanhas que enfatizavam seus investimentos em energia limpa, mas que não abordavam adequadamente os danos causados pelo vazamento.
Além dos riscos de reputação, as práticas de GreenWashing podem resultar em sérias consequências legais, à medida que reguladores em todo o mundo endurecem suas exigências sobre a veracidade das alegações ambientais.
O impacto negativo do GreenWashing não se limita apenas às empresas que o praticam. Ele também mina a confiança do consumidor em todas as práticas de sustentabilidade corporativa, prejudicando aqueles que realmente se esforçam para implementar mudanças significativas. Portanto, para as empresas que buscam promover sua responsabilidade ambiental, é vital que suas iniciativas sejam autênticas, transparentes e verificáveis.
SocialWashing
Enquanto o GreenWashing manipula a percepção pública em torno das práticas ambientais, o SocialWashing faz o mesmo no campo das questões sociais. Essa prática envolve empresas que promovem uma imagem de responsabilidade social, defendendo causas como diversidade, inclusão, justiça social e direitos humanos, mas sem um compromisso real ou mudanças substanciais em suas operações internas.
O SocialWashing tem ganhado destaque à medida que o "S" do ESG (Environmental, Social, and Governance) se torna cada vez mais relevante para investidores e consumidores.
Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, muitas empresas se viram obrigadas a responder rapidamente às demandas sociais, como o bem-estar dos funcionários e o apoio às comunidades. No entanto, em muitos casos, as ações tomadas foram superficiais e visavam mais a proteção da imagem corporativa do que um real comprometimento com o impacto social positivo.
Um exemplo clássico de SocialWashing pode ser observado em empresas que lançam campanhas de diversidade e inclusão, mas que continuam a operar com práticas internas que perpetuam desigualdades. Essas empresas podem, por exemplo, promover publicamente a contratação de minorias para cargos de visibilidade, enquanto mantém práticas discriminatórias em outras áreas de sua operação. Isso não só cria uma falsa narrativa sobre os valores da empresa, como também pode resultar em uma perda significativa de confiança entre os consumidores e os investidores.
Além dos danos à reputação, o SocialWashing pode ter consequências financeiras, à medida que os consumidores se tornam mais conscientes e críticos das práticas corporativas. Empresas que são desmascaradas por práticas de SocialWashing podem enfrentar boicotes, perda de clientes e até mesmo ações legais. Portanto, assim como no caso do GreenWashing, é crucial que as empresas garantam que suas iniciativas sociais sejam autênticas, impactantes e respaldadas por ações e políticas concretas.
O desafio para as empresas, portanto, é garantir que suas iniciativas de responsabilidade social não sejam apenas uma fachada para atrair atenção positiva, mas sim parte integrante de sua estratégia e operações. Isso exige um comprometimento real com as mudanças, medido por resultados tangíveis e uma comunicação transparente com todos os stakeholders.
BoardWashing
O BoardWashing é uma prática na qual os conselhos de administração adotam uma fachada de boas práticas de governança, muitas vezes para cumprir formalidades ou atender às expectativas de stakeholders, sem, contudo, implementar mudanças substanciais que garantam a transparência, a ética e a eficiência necessárias para uma governança corporativa robusta. Em um cenário onde a governança é cada vez mais vista como um fator crítico de sucesso a longo prazo, o BoardWashing representa um risco significativo para a credibilidade e a sustentabilidade das organizações.
Um exemplo recente e notório de BoardWashing pode ser observado no caso das Lojas Americanas. Em janeiro de 2023, a empresa revelou um rombo contábil de cerca de R$ 20 bilhões, resultado de práticas contábeis inadequadas que foram ocultadas por anos. Apesar de a empresa ter um conselho de administração e comitês aparentemente robustos, capazes de supervisionar as práticas financeiras e a gestão de riscos, ficou evidente que esses órgãos não exerceram a devida diligência que se espera em situações críticas como essa.
A falha no caso das Americanas destaca como o BoardWashing pode enganar não apenas os investidores, mas também o mercado em geral, criando uma falsa sensação de segurança. A empresa, ao longo dos anos, foi frequentemente elogiada por suas práticas de governança e por ter um conselho de administração composto por membros renomados. No entanto, a crise revelou que, por trás dessa fachada, havia uma governança falha e incapaz de prevenir ou identificar irregularidades graves em tempo hábil.
As consequências para a empresa foram severas: perda de valor de mercado, abalo da confiança de investidores e acionistas, e uma crise de reputação que colocou em xeque a própria sobrevivência da empresa. Esse caso exemplifica como o BoardWashing pode ser extremamente danoso, resultando em impactos financeiros e reputacionais de longo alcance.
Para evitar o BoardWashing, é fundamental que os conselhos de administração sejam realmente comprometidos com a governança eficaz. Isso inclui a implementação de sistemas de controle interno rigorosos, auditorias independentes e um ambiente de transparência onde os problemas possam ser identificados e resolvidos antes que se tornem crises. Além disso, os conselheiros devem ser verdadeiramente independentes, com habilidades e experiências diversificadas que permitam uma supervisão crítica e proativa.
O caso das Americanas serve como um alerta para todas as empresas: a governança corporativa não pode ser apenas uma questão de aparências. É necessário que as práticas sejam autênticas e que o conselho de administração exerça sua função com responsabilidade e integridade, garantindo que a empresa opere de maneira ética e transparente, protegendo os interesses de todos os stakeholders.
Recomendações Práticas
Diante dos desafios apresentados pelos fenômenos de Washing, é essencial que as empresas adotem uma abordagem estratégica e autêntica para evitar cair nas armadilhas de práticas superficiais. Aqui estão algumas recomendações práticas que os conselhos de administração e líderes empresariais podem seguir para garantir que suas iniciativas sejam genuínas e eficazes:
Autenticidade nas Iniciativas: A primeira e mais importante recomendação é garantir que todas as práticas adotadas, seja no campo da sustentabilidade, responsabilidade social, governança ou inovação tecnológica, estejam enraizadas em uma estratégia empresarial sólida. Não basta adotar iniciativas de ESG, IA ou governança apenas para atender às expectativas do mercado ou melhorar a imagem da empresa. É crucial que essas iniciativas sejam parte integrante da estratégia de longo prazo da organização e que estejam alinhadas com seus valores e objetivos fundamentais.
Para isso, é necessário um compromisso real com mudanças profundas e duradouras, e não apenas ações superficiais que buscam gerar manchetes. As empresas devem fazer perguntas difíceis sobre o impacto real de suas ações e estar dispostas a tomar medidas que possam ser desafiadoras no curto prazo, mas que trarão benefícios sustentáveis a longo prazo.
Transparência e Comunicação: A transparência é a chave para construir e manter a confiança dos stakeholders. Empresas que se comunicam de maneira clara e honesta sobre suas práticas e resultados têm mais chances de obter o apoio de investidores, clientes e reguladores. Para isso, é fundamental que as empresas desenvolvam políticas de comunicação que sejam diretas e verificáveis.
A transparência deve ser aplicada não apenas nas áreas de sucesso, mas também nas dificuldades e desafios enfrentados pela empresa. Relatórios de sustentabilidade, por exemplo, devem incluir não apenas os sucessos, mas também as áreas onde há necessidade de melhoria. Isso demonstra um compromisso genuíno com o progresso e a melhoria contínua.
Métricas e Monitoramento: Para evitar o Washing, as empresas precisam desenvolver e implementar métricas claras que permitam avaliar o impacto real de suas iniciativas. Essas métricas devem ser baseadas em dados objetivos e auditáveis, para que os resultados possam ser verificados por terceiros, quando necessário.
A implementação de sistemas de monitoramento contínuo também é crucial. Auditorias internas e externas devem ser realizadas regularmente para garantir que as práticas da empresa estão alinhadas com as metas definidas e que estão realmente contribuindo para os objetivos de sustentabilidade, governança e responsabilidade social. Esse monitoramento constante ajuda a identificar áreas de risco antes que se tornem problemas significativos.
Engajamento de Conselhos e Lideranças: Os conselhos de administração têm um papel crítico na supervisão e na garantia de que as práticas da empresa são genuínas e eficazes. É essencial que os conselhos sejam compostos por membros independentes e qualificados, com a experiência necessária para questionar e desafiar as decisões da gestão.
Conselhos de administração eficazes devem estar profundamente envolvidos na definição e na supervisão das iniciativas estratégicas, especialmente aquelas relacionadas a ESG, IA e governança. Eles devem garantir que essas iniciativas sejam mais do que simples formalidades, exigindo relatórios detalhados, metas claras e uma avaliação rigorosa do progresso.
Educação e Capacitação Interna: Finalmente, para que as práticas genuínas sejam implementadas de forma eficaz, todos os colaboradores da empresa precisam estar capacitados e alinhados com os objetivos da organização. Programas de treinamento e desenvolvimento devem ser oferecidos para garantir que os funcionários compreendam a importância de práticas responsáveis e saibam como contribuir para sua implementação.
A criação de uma cultura organizacional que valorize a ética, a transparência e a inovação é essencial. Isso não só ajuda a evitar práticas de Washing, mas também promove um ambiente de trabalho onde todos se sentem responsáveis pelo sucesso sustentável da empresa.
Conclusão
O ambiente corporativo atual exige mais do que nunca que as empresas adotem práticas sustentáveis, socialmente responsáveis e inovadoras. No entanto, como explorado ao longo deste artigo, a tentação de adotar abordagens superficiais para atender a essas expectativas - seja por meio do GreenWashing, SocialWashing, BoardWashing ou AiWashing - representa um risco substancial para a reputação e a sustentabilidade de qualquer organização.
O fenômeno da Washingmania revela o perigo das estratégias que priorizam o parecer em detrimento do ser. No curto prazo, práticas superficiais podem até gerar publicidade positiva e atender a demandas do mercado. Porém, a longo prazo, essas práticas corroem a confiança dos stakeholders, resultando em consequências financeiras, legais e reputacionais significativas. O exemplo das Lojas Americanas ilustra claramente como a falta de transparência e a governança inadequada podem desmascarar uma empresa, causando danos quase irreparáveis.
Neste contexto, vale relembrar a antiga máxima romana: "A mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta". Esse ditado, que já foi utilizado para justificar a importância da aparência em paralelo à essência, hoje assume uma nova interpretação.
Atualmente, em um mundo onde a transparência e a responsabilidade são altamente valorizadas, mais do que parecer, é absolutamente necessário ser genuíno e autêntico. A essência deve prevalecer sobre a aparência; as empresas precisam ser, de fato, sustentáveis, socialmente responsáveis e inovadoras, e não apenas aparentar.
Para as empresas, isso significa integrar verdadeiramente as práticas de sustentabilidade, responsabilidade social, governança e inovação tecnológica em sua estratégia de negócios, assegurando que essas ações sejam mais do que formalidades. Conselhos de administração e lideranças devem adotar uma abordagem que valorize a transparência, a ética e o impacto real. Implementar métricas robustas, promover uma comunicação clara e investir na capacitação interna são passos essenciais para garantir que as práticas adotadas não só pareçam eficazes, mas que realmente façam a diferença.
Ao alinhar suas ações com seus valores e compromissos genuínos, as empresas não só evitam os riscos associados ao Washing, mas também se posicionam como líderes em um mercado que valoriza cada vez mais a integridade e a responsabilidade.
Marcelo Murilo
é Co-Fundador e VP de Inovação e Tecnologia do Grupo Benner, Palestrante, Mentor, Conselheiro, Embaixador e membro do Senior Advisory Board do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Embaixador e Membro da Comissão ESG da Board Academy BR e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research – Fala sobre Inovação, Governança e ESG.
marcelo.murilo@benner.com.br