Relações com Investidores

OS DESAFIOS DO PROFISSIONAL DE RI

A consolidação das regras de governança corporativa e o aumento do número de empresas listadas na bolsa nos últimos anos deram mais visibilidade ao profissional de Relações com Investidores. Em um momento econômico como o atual, com fraco crescimento da economia, com insegurança em relação ao desempenho futuro do País, a atividade do RI torna-se ainda mais desafiadora.

Seu trabalho está relacionado a mostrar o bom potencial de desempenho da companhia, enquanto a expectativa geral é de fraco desempenho da economia como um todo. Apesar de não ser uma tarefa fácil, é em momentos como esse que o RI é mais essencial do que nunca. Cabe a ele manter o mercado esclarecido quanto às atividades e a estratégia da companhia, mostrar como ela está preparada para lidar com uma conjuntura adversa e manter a transparência das informações de forma a continuamente reforçar a credibilidade da empresa no mercado. “Em momentos mais difíceis, seja por questões internas ou externas, é que mais o RI precisa se mostrar disponível, ter um bom discurso e um bom material que transmita a mensagem da companhia de forma clara, que passe segurança e que dê confiança ao investidor”, afirma Doris Pompeu, sócia da Global RI.

Ativismo dos minoritários
No Brasil, o ativismo ainda é mais tímido do que acontece nos EUA, mas é crescente o número de minoritários colocando a "boca no trombone". Como a mobilização de acionistas vem modificando o trabalho do profissional de RI? A percepção de especialistas é que o RI está cada vez mais atento aos minoritários. “O respeito ao acionista, independentemente do número de ações que possui é fundamental. Adoção de boas práticas de governança e tratamento equânime nas divulgações reduzem muito as manifestações de insatisfação dos investidores”, diz Arleu Anhalt, sócio da FIRB. O consultor acredita que a aproximação com todos os públicos e a disponibilidade igualitária atrai o investidor para o lado da companhia, tornando mais fácil tratar qualquer assunto quando já se construiu relacionamento.

É preciso manter um canal de diálogo e respeitoso com eventuais investidores que não estão de acordo com decisões ou resultados que estejam sendo apresentados pela empresa. Segundo Helmut Bossert, sócio da Valor Partners, o ideal é que tais reclamações fossem sempre dirigidas para a empresa, entretanto alguns preferem promover uma campanha de reclamação em mídias sociais ou mesmo em jornais. “Por isso, o profissional de RI precisa ficar sempre alerta e possuir mecanismos para rastrear rapidamente onde essas questões estão sendo discutidas para poder agir e minimizar os impactos desse ativismo”, afirma.

O diretor de Finanças e Relações com Investidores da EcoRodovias, Marcello Guidotti, avalia que, com o aumento do ativismo, cabe ao RI interagir de forma eficaz com a equipe jurídica e com os “guardiões” da governança corporativa para entender a fundo as regras, as limitações e os eventuais riscos advindos do relacionamento com os acionistas minoritários e, assim, preservar os direitos e os deveres da companhia perante eles.

Para Fabiane Goldstein, sócia da Ricca RI e da MBS Value Partners Brasil, é válido ressaltar que nem sempre o ativismo é negativo. “Muitas vezes o processo é positivo e pacífico, e pode ser uma vivência extremamente interessante para o profissional de RI e para o management como um todo”, afirma. Em casos onde o investidor atua de maneira construtiva para aumentar o valor de longo prazo da companhia, sua contribuição é sempre bem-vinda e o trabalho do RI deve ser orientado pela boa-fé no relacionamento com todos os investidores. “As obrigações de transparência e equidade na divulgação de informações não se alteram porque o investidor não é amistoso”, diz Luis Fernando Moran de Oliveira, diretor de RI da Weg.

Paulo Henrique Praes, sócio da Global RI, lembra que o quórum de minoritários em teleconferências, assembleias e reuniões públicas ainda é muito baixo. Na avaliação de Praes, o uso de tecnologia para a ampla participação e a interatividade com os acionistas é um ponto que tem um longo caminho para evolução entre as áreas de RI. “Contudo, a pergunta é: as companhias querem isso, ou ainda é visto como “muito trabalho para praticamente nenhum retorno”?”, questiona.

Queda da bolsa e aluguel de ações
Com o desenvolvimento do mercado de empréstimo de ações, aumenta a necessidade do profissional de RI de aprender a lidar com o investidor de posição vendida, também chamado de “short seller”. Nessas operações, o aplicador aluga uma ação e a vende em bolsa, apostando que irá recomprar o papel por um valor mais baixo para devolvê-lo a quem o alugou, lucrando com a diferença de preços.

Os números dos aluguéis vêm crescendo nos últimos anos. Só em 2013, o pessimismo acerca do desempenho da bolsa brasileira e a queda abrupta das cotações das ações do grupo EBX, de Eike Batista, levou a um forte aumento da demanda por esse tipo de operação, que apresentou crescimento de 27,5% em relação ao mesmo período de 2012.

De acordo com Fernando Galdi, professor da FUCAPE, é natural que com a situação econômica atual, posições vendidas sejam cada vez mais comuns. “Do ponto de vista de eficiência do mercado de capitais isto é bom, pois aumenta o nível de informação existente, podendo impactar inclusive, a liquidez dos papéis”, afirma.

Mas, como se relacionar com investidores que esperam a queda das ações? Doris Pompeu, sócia da Global RI acredita que a postura do RI em relação a esse agente do mercado pode ser mais positiva, buscando “trazê-lo” para a companhia. Além disso, é preciso entender o que esse investidor está considerando para apostar na queda do papel, se são fatores exógenos, relacionados à conjuntura econômica, ao mercado ou ao setor como um todo, ou se são aspectos intrínsecos à companhia. “Melhor compreendendo tais motivos, o RI poderá atuar no sentido de reforçar o discurso da companhia em relação a esses aspectos, buscar dados e informações para incluir nos materiais e nas oportunidade de comunicação com o mercado que dêem melhor embasamento a essas questões específicas, respondendo de antemão outros que podem ter as mesmas inseguranças e contribuindo para mudar essa percepção”, explica.

Já Fabiane Goldstein, sócia da Ricca RI e da MBS Brasil, destaca a importância de a empresa conhecer melhor seus investidores. “Se a companhia tem em sua base um número relevante de short sellers, o ideal é primeiro entender quais as razões para esse posicionamento, para depois definir os próximos passos. Por meio de um estudo de percepção é possível conhecer melhor esse tipo de investidor”, explica. Além disso, o RI precisa ter um planejamento estratégico anual e um plano de ação focado em todos os perfis de investidores.

Ao invés de repudiá-lo, como muitas vezes acontece, o ideal é que o RI ouça e busque entender os questionamentos deste investidor. “É interessante identificar estes investidores e analisar suas críticas como uma forma propositiva de melhorar o trabalho que vem sendo desenvolvido”, afirma Paulo Bokel, diretor de Relações com Investidores da Dasa.

Segundo Carlos Lazar, diretor de RI da Kroton, é fundamental compartilhar uma informação ampla e transparente, reforçando as virtudes e compromissos com o longo prazo e também os riscos eminentes ao negócio da companhia. “O mais importante é nunca se distanciar do investidor. Mantê-lo no radar e ampliar o canal de comunicação com a empresa são iniciativas essenciais para tentar dissuadi-lo de especular no curto prazo”, diz.

Medo de se comunicar
Com receio de se comunicar, muitos departamentos de RI, evitam qualquer contato com o mercado, escondendo-se atrás do "período de silêncio". Previsto na Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), esse período começa no momento em que o banco de investimento que coordena a oferta é escolhido e termina quando toda a operação é concluída. Seu objetivo é evitar qualquer pronunciamento por parte da companhia que mude ou acrescente informações ao conteúdo do prospecto. O problema é que a prática se tornou comum no mercado em diversos outros momentos além das ofertas de ações, como períodos próximos à divulgação de resultados. “O que ocorreu foi uma “interpretação criativa” do período de silêncio das ofertas públicas para que algumas empresas dessem uma justificativa para se ausentar do mercado temporariamente”, afirma o sócio da VALOR Partners.

Alcides Ferreira, da FSB, avalia que o mercado de capitais brasileiro ainda está amadurecendo, a maioria das empresas com liquidez na bolsa atualmente veio a mercado depois de 2004, ou seja, ainda está na adolescência. “É razoável que exista um temor com a comunicação pelo desconhecimento”, diz. Mas, a falta de comunicação com o mercado por períodos longos vai de encontro ao objetivo da área de RI. “Neste contexto, os profissionais devem ponderar quando realmente o período de silêncio é necessário, sem prejudicar os investidores com falta de informação desnecessariamente”, ressalta Fernando Galdi, da Fucape.

Doris Pompeu, acredita que há dois motivos básicos para quando a equipe de RI se recusa a atender solicitações do mercado por estar no “período de silêncio pré-divulgação”: insegurança com relação a sua capacidade de manter sigilo com relação a informações ainda não públicas, o que configuraria, na verdade, incapacidade para a atividade de RI ou necessidade de se dedicar exclusivamente ao trabalho de preparação da divulgação de resultados, que é de fato bastante demandante, sem precisar interromper para o atendimento de outros assuntos.

A percepção da consultoria é de que a maioria daqueles que se utilizam desse “período de silêncio” o façam devido ao segundo motivo. “O ideal seria concentrar esse atendimento em uma ou duas horas por dia, retornando ligações e e-mails, e até explicando para a outra parte que está muito ocupado com a preparação da divulgação e, por isso, está respondendo só naquele momento, ou precisa ser mais breve do que gostaria. Seria muito mais honesto, mais simpático e atencioso com a outra parte, e perfeitamente viável”, conclui.

Atuação das novas mídias
Entender as tendências e utilizar as novas mídias para difundir ainda mais as informações sobre a empresa são caminhos que devem ser avaliados por áreas de RI que desejam ter sua informação difundida com maior potencial. “O que vejo acontecer, principalmente nos EUA, é um fluxo de informação crescente e relevante nas novas mídias, e acho que o RI precisa ao menos monitorar esses diálogos. Para começar a interagir, a empresa precisa estar estruturada e preparada, pois a agilidade na resposta é uma das características mais relevantes das novas mídias”, afirma Fabiane Goldstein.

O sócio da Valor Partners, avalia que as áreas de RI não têm outra opção que criar mecanismos para monitorar e ter os recursos corretos para agir. No entanto, ainda há muitas empresas com recursos subdimensionados, seja em pessoas, em processos, em tecnologia ou em orçamento. “Se o RI não obtiver o reconhecimento de sua importância para a organização e não assegurar os recursos adequados, então não restará outra alternativa senão ficar sabendo de eventuais repercussões em mídias sociais tardiamente e se limitar a reagir”, destaca.

Apesar da tendência, as mídias sociais não são unanimidade. Na opinião de Doris Pompeu, Facebook, Twitter e blogs podem até representar canais adicionais de comunicação e vale acompanhar o que está sendo postado em relação à companhia, mas, para tal, é preciso ter uma estrutura grande em RI, o que não é a realidade na grande maioria de companhias abertas brasileiras. “Se for utilizar e acompanhar essas mídias, é preciso fazê-lo sempre, de forma estruturada, em todos os momentos”, diz.

A especialista acredita que as novas mídias não são canais de divulgação de grande relevância para o RI. “Os e-mails alertas já preenchem a função do imediatismo, com o usuário sendo notificado imediatamente sobre todas as novidades relevantes em relação à companhia. Comunicados bem preparados e esclarecedores, o site sempre atualizado e completo, e atender regularmente as demandas de investidores e potenciais investidores, por menores que estes sejam, são bem mais relevantes do que ter uma atuação ativa nas novas mídias”, conclui.

Depoimentos
“Os RIs precisam disseminar a cultura de companhia aberta dentro das empresas para tornar o próprio trabalho mais eficiente, e a companhia, mais reconhecida pela comunidade financeira”. Carlos Lazar, Kroton

“Os desafios do profissional de RI continuam a ser aqueles relacionados com a baixa atratividade do investimento em ações para a maior parte do público, que percebe as ações como uma opção arriscada e complexa demais. Não temos público novo chegando ao produto, a quantidade de investidores atuantes no mercado de ações brasileiro está estagnada há anos. Disso decorre a pouca profundidade do mercado, que é pouco líquido muito volátil, com os preços dominados por boatos e temas macro. O desafio dos RI brasileiros é atuar em um ambiente como este e conseguir atrair a atenção dos investidores para as vantagens competitivas e a atratividade da história de investimento da companhia que representam”. Luis Fernando Moran de Oliveira, Weg

“O principal desafio do profissional de RI atualmente é realizar uma comunicação de mão dupla, realizando o papel estratégico de levar informação para os investidores e analistas da mesma forma que traz dados estratégicos de mercado para dentro da companhia. Este profissional pode ser fundamental para identificar oportunidades de mercado, desde que a companhia enxergue este potencial e utilize isso a seu favor”. Paulo Bokel, Dasa


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