Transparência

O PAPEL & AS RESPONSABILIDADES DAS AUDITORIAS

Em meados de março último, Hugo Repsold, diretor de Gás e Energia da Petrobras reforçou que a companhia está “fazendo de tudo” para divulgar o balanço “auditado” referente ao 3º. trimestre de 2014. Segundo ele, a empresa está empenhada em concluir as contas e, nesse interim, os executivos manterão silêncio sobre temas ligados à gestão.

"Temos a tarefa árdua de terminar as demonstrações contábeis da Petrobras e mostrar os números para que todos conheçam, números que sejam transparentes, claros, reconhecidos e auditados", afirmou o executivo. Em um comunicado ao mercado, ainda em fevereiro, a Petrobras informou que planeja divulgar o balanço auditado até o final de maio.

No final de janeiro, a companhia apresentou, com meses de atraso o balanço do 3º trimestre, que além de não ser auditado, não trouxe as perdas estimadas por conta das denúncias de corrupção investigadas na Operação Lava-Jato. Na época, a Petrobras disse que a metodologia que chegou ao valor de R$ 88,6 bilhões em “perdas” não se mostrou adequada à mensuração dos potenciais pagamentos indevidos. “A Petrobras aprofundará outra metodologia que tome por base valores, prazos e informações contidos nos depoimentos visando a emissão de demonstrações contábeis revisadas”, ressaltou naquela ocasião.

Os escândalos de corrupção na Petrobras e os impactos negativos na política e economia trazem à tona as discussões sobre as atribuições e as responsabilidades das auditorias.

Segundo Idésio Coelho, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), o objetivo da auditoria é de atestar a credibilidade das demonstrações financeiras. “A função da auditoria é aumentar a credibilidade e não dar credibilidade. O trabalho visa ampliar a segurança de forma razoável, o termo técnico é “asseguração razoável”. Há uma metodologia de trabalho, são realizados testes em transações acima de determinados montantes, por amostragem, não se avalia tudo”, enfatiza.

As auditorias não teriam como repassar a autuação completa da empresa não haveria equipe suficiente nem tempo para reproduzir todos os processos, a vida da empresa. Por isso, são realizados testes de controle por amostragem para se verificar se as transações – por exemplo, compra e entrada de mercadorias no estoque - foram efetuadas e registradas a contento, se são fidedignas. As auditorias conduzem ainda testes substantivos como envio de correspondências aos fornecedores para que confirmem os valores dos pagamentos efetuados. Os auditores externos não tem um trabalho direcionado para achar fraudes mas para checar se a demonstração financeira está ou não alinhada às práticas contábeis.

Ao se discutir a responsabilização dos auditores em relação a erros e fraudes, deve-se considerar três tipos de situações. Na primeira, se a auditoria foi tecnicamente perfeita, seguindo à risca as normas, a responsabilidade é nula. Caso o trabalho tenha sido defeituoso, com falhas técnicas, há sanção de ordem profissional, por não ter seguido as regras “O auditor não paga proporção do prejuízo mas é apenado profissionalmente por não ter cumprido o seu papel”, ressalta Idésio Coelho. Porém, ao se verificar que o auditor tinha conhecimento ou até mesmo participação na fraude, ele deve ser punido profissionalmente e pelo dano causado. O juiz definirá quanto cada auditor terá que reembolsar do prejuízo.

Ao desempenhar suas atividades, caso o auditor se depare com algum problema ou fraude, ele deve entregar o caso à administração da companhia para que investigue isso de forma independente e completa. Após saber o tamanho dos problemas, o auditor testa os procedimentos e ajustes são feitos. O Ibracon busca esclarecer que quando existe conluio entre os administradores e fornecedores definindo que as transações não vão refletir a realidade dos fatos, isto é, os contratos são formalizados e por trás existem percentuais desviados, não há auditor que capture. “Infelizmente são contratos perfeitos revestidos da aparência de legalidade”, afirma Coelho.

No Brasil, estima-se que são elaborados 20 mil relatórios de auditoria a cada ano e os problemas se consolidam em um a dois casos. Contudo, o percentual de demissão de clientes é de 5%. Há auditorias que se demitem de empresas que não atuam dentro de bons princípios de governança, não investem em qualificação, não tem controles adequados ou participam de atos ilegais. “Trata-se de um ambiente arriscado e não se pode continuar”, acrescenta o presidente do instituto. De acordo com Idésio Coelho diante da existência de fraudes os administradores é que devem responder penalmente e civilmente pelas manipulações e inações. É preciso levar em conta a responsabilidade fiduciária dos administradores.

A responsabilidade da administração é produzir demonstrações financeiras completas e fidedignas, em se tratando da Petrobras como não se consegue apurar a baixa contábil nos ativos da companhia, há atraso na divulgação do balanço auditado. “Os auditores não podem emitir relatório diante de informações incompletas”, pondera o especialista.

Na visão de Charles Holland, sócio diretor da Holland Consulting e conselheiro de empresas fechadas e abertas, com foco em comitês de Auditoria e conselho fiscal, até então os balanços da Petrobras vinham sendo auditados e divulgados porque as transações eram contabilizadas de acordo com contratos assinados e aprovados em fóruns adequados dentro da empresa. Ele também acredita que a auditoria não seria capaz de se deparar com desvios. “Se a auditoria externa tivesse tido acesso, não assinaria. A culpa não é do contador nem do auditor, mas da má governança”. Para ele, a Petrobras é um bom exemplo de adoção de governança corporativa para “inglês ver”, com muitos formalismos mas sem o trabalho necessário. As indicações político partidárias para cargos de extrema importância foram danosas à empresa.

“A nomeação dos conselheiros não tinha critérios técnicos e para o comitê de auditoria foram nomeados dois ministros de Estado”, afirma. Assim sendo, a crise da Petrobras é resultante de deficiências na administração. Ele destaca ainda que na Petrobras não havia canal de denúncias independente. No entanto, de acordo com Holland, a sociedade foi omissa por muitos anos, deveria ter sido mais incisiva na cobrança de uma postura diferenciada da empresa. Antes da crise, ele disse que foram poucas as declarações de repulsa – de entidades e profissionais do mercado- ao loteamento de cargos na companhia.

Práticas saudáveis

A história do comitê de auditoria é recente no Brasil, data de 10 a 15 anos, segundo especialistas. Sérgio Romani, sócio líder de auditoria da EY afirma que, no passado, havia uma visão mais confusa entre as atribuições do comitê e do conselho fiscal. Situação que se alterou bastante com o passar do tempo. A despeito dessa evolução, ainda hoje grande parte das companhias abertas não têm comitê de auditoria representativo, que funcione como órgão de governança no sentido mais amplo na comparação com o que ocorre nos países desenvolvidos. Mas há também alguns casos de excelência. “No país, há níveis distintos em termos de maturidade dos comitês de auditoria”, ressalta.

Romani ressalta que os membros do comitê devem ser independentes e precisam ter agenda de trabalho permanente com a administração, mergulhando na organização para aprender a sua cultura de tolerância de riscos ligados aos negócios, financeiros e contábeis. Trata-se de um trabalho de supervisão da integridade dos controles e procedimentos de apresentação de relatórios financeiros. Seguindo as melhores práticas, o comitê de auditoria é responsável por selecionar a auditoria externa e avaliar as atividades executadas. “Os honorários da equipe de auditoria externa deveriam ser negociados pelo comitê de auditoria. Isso garante liberdade integral aos profissionais para discordarem da administração sem que se sintam pressionados por uma negociação comercial por trás de tudo”, enfatiza o sócio da EY.

Na publicação de suas demonstrações financeiras 2014/2013, TOTVS inseriu um parecer detalhado do comitê de auditoria inusitado até para padrões mundiais. Nos Estados Unidos, o comitê de auditoria não dá parecer público. Aqui no Brasil, algumas companhias divulgam somente parecer sintético. A TOTVS tornou público o documento completo no formulário das suas demonstrações financeiras encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Com essa comunicação inovadora, a TOTVS buscou dar mais conforto aos investidores e credores”, diz Charles Holland, membro do comitê de auditoria da empresa.

No parecer do comitê de auditoria foram expostos o trabalho desenvolvido e todos os temas debatidos. Em um dos trechos informa, por exemplo: “O comitê reuniu-se ordinariamente 12 vezes no período de fevereiro de 2014 a janeiro de 2015 e três vezes de forma extraordinária. Foram discutidos um total de 80 temas com as vice-presidências, diretorias, auditores internos e auditores independentes. Adicionalmente, o Comitê de Auditoria reuniu-se em 2 oportunidades de forma reservada com a auditoria independente e 1 vez com o Conselho de Administração para discutir os principais temas acompanhados durante o ano.” Na TOTVS, as reuniões presenciais são mensais. Todos os integrantes do comitê, bastante qualificados, se preparem devidamente para que a cada encontro haja menos leitura coletiva de documentos e mais trabalho em cima de questões relevantes.

Controles

Dentro das melhores práticas, as empresas devem ter ferramentas de compliance. A adoção de um conjunto de regras, ou seja, um código de ética aderente à sua cultura e ambiente de negócios é igualmente fundamental. “Os investimentos em compliance vêm aumentando porque a lei anticorrupção prevê redução de dois terços da pena de multa aplicada à organização caso conte com ferramentas e procedimentos adequados para mitigar riscos”, afirma Renato Santos, sócio fundador da S2 Consultoria, especializada na prevenção e tratamento de atos de fraude.

No entanto, segundo ele, por mais que as companhias contem com controles eficientes sempre existirão brechas e os profissionais, ao tocarem suas atividades no dia a dia, estarão constantemente expostos a situações tentadoras que os levem a condutas indesejadas. “O mais importante é identificar comportamentos que potencializam os riscos e trabalhar a cabeça dos colaboradores”, diz. Nesse sentido, não adianta apenas expor o que é certo e o que é errado, mas as companhias têm que demonstrar quais as vantagens e desvantagens de determinados atos. Por exemplo, se aceitar suborno, será demitido por justa causa. Se não aceitar e denunciar, conquistará posição de destaque na companhia por ser uma pessoa confiável”, destaca Santos.

Para lidar com a dimensão humana do risco, hoje existem técnicas avançadas de entrevistas para detecção de mentiras e testes de integridade. “Logo no processo seletivo é possível medir a resiliência dos candidatos a dilemas éticos”, comenta o especialista. Também são feitas entrevistas para se avaliar a veracidade de denúncias. As entrevistas demissionais, quando realizadas com técnicas apropriadas, captam denúncias. “É uma ferramenta ainda pouco utilizada mas que pode ser muito útil porque as pessoas que saem das empresas normalmente perdem o medo de falar A ex-gerente executiva da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, Venina Velosa da Fonseca fez denúncias após ter deixado a empresa.”, conclui.

Caso KPMG

A KPMG e um dos seus sócios foram condenados em primeira instância a indenizar as perdas que um investidor teve em aplicações no Banco BVA, instituição em processo de falência. A decisão tomada pelo juiz Miguel Ferrari Júnior da 43ª. Vara Cível é inédita – pela primeira vez uma firma de auditoria é responsabilizada.

A tese de acusação, formulada pelo escritório Fernandes Figueiredo Advogados sustenta que o parecer sem ressalva emitido pela KPMG sobre o balanço do BVA teria motivado o investidor a aplicar R$ 3,6 milhões em CDBs. O argumento segue a linha de que a responsabilidade da auditoria é objetiva. O autor da ação também destaca que mesmo que responsabilidade seja subjetiva, sendo necessário provar a culpa ou dolo, o relatório do Banco Central sobre o caso aponta erros suficientes nos procedimentos de auditoria que justificaram a condenação da KPMG.

Para o juiz, a responsabilidade da auditoria é solidária em relação à administração, já que a perda do investidor derivou de problemas do BVA e da realização da auditoria “que não identificou o real estado financeiro” do banco.

O Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) não acredita que essa decisão se manterá nas instâncias superiores. “O pleito e a decisão preliminar são absurdos porque fazem a pura relação de que auditoria representa uma apólice de seguro. É fora de propósito um sócio e uma firma de auditoria terem que reembolsar um investimento e mais absurdo ainda sem a administração junto”, comenta Idésio Coelho, presidente do instituto.

Na CPI, Graça Foster diz que a corrupção foi descoberta pela polícia

Em depoimento à CPI da Petrobras na Câmara Federal no dia 26 de março último, a ex-presidente da estatal Maria das Graças Foster afirmou que o esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato ocorreu "fora" da empresa. Foi a quarta vez que Graça esteve no Congresso Nacional para dar explicações sobre as suspeitas de irregularidades na Petrobras, mas a primeira oportunidade em que ela foi ouvida na situação de ex-presidente. “O esquema de corrupção se formou fora da Petrobras. Não foi a Petrobras que descobriu a corrupção na Petrobras”, disse Graça Foster aos deputados que integram a CPI.

Ela reiterou, como havia dito também o ex-presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que o caso foi descoberto pela polícia. “Foram a Polícia Federal e o Ministério Público Federal que descobriram, ainda a ser confirmado, o cartel. O grande descobridor foi a Polícia Federal, não foram os auditores nem a própria empresa”, reiterou Graça. Aos integrantes da CPI, Gabrielli havia declarado que era “impossível” detectar corrupção na estatal pelos procedimentos e meios de controle da empresa.


Continua...