Mercado de Ações

O ÚNICO IPO?  

Depois de oito meses sem nenhuma abertura de capital, as ações da Par Corretora estrearam com sucesso na bolsa. Será o único IPO de 2015 ou essa operação motivará outras companhias?

Notícia positiva. A oferta pública inicial de ações da Par Corretora (IPO na sigla em inglês) surpreendeu. Os papéis estrearam na BM&FBovespa, no dia 5 de junho, com alta de 12,73%, cotadas a R$ 13,90. A Par Corretora captou R$ 602,80 milhões. Foi a primeira operação do tipo na bolsa em oito meses, a única de 2015 até o momento. Até então, o último IPO na bolsa havia sido da Ouro Fino Saúde Animal, em outubro do ano passado, que movimentou R$ 418 milhões e foi o único de 2014. 

A operação da Par foi secundária, isto é, os recursos não foram ao caixa da empresa. Os acionistas vendedores foram a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal, com 21,35%, a Évora Fundo de Investimento em Participações (3,65%) e a Algarve, da GP Investimentos (17,70%). A partir da oferta, a Federação deixou a Par, enquanto a Évora reduziu sua fatia para 1,79% e a Algarve para 13,01%. A Caixa, por sua vez, não diminuiu sua participação, de 25% via Caixa Seguros e de 26% por meio da Par Participações.

O IPO da Par Corretora teve o melhor desempenho para o primeiro dia de negociação em dois anos e quatro meses. A empresa chegou à bolsa com valor de mercado de cerca de R$ 2 bilhões.

Otimista, o diretor-presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, chegou a comentar que espera pelo menos outras duas ofertas de ações este ano. Ele acredita que a operação da Par Corretora motivará o mercado. Segundo Edemir, já há percepção de que os ajustes na economia vão surtir resultado e, como o mercado antecipa movimentos, ele acredita no potencial de novas operações.

No entanto, para diversos analistas, existem muitos fatores a ponderar. “A bolsa vive um momento de muita volatilidade, um mercado lateralizado, isto é sem tendência. O Brasil passa por complicações macroeconômicas e micro também. Isso tudo impacta negativamente no interesse de abertura de capital de diversas empresas”, afirma Roberto Indech, analista da corretora Rico. Mas nada impede que aconteçam. “Temos visto a intenção de algumas companhias como a Azul Linhas Aéreas, elas esperam janelas de oportunidade”, comenta. Mas na Rico, a expectativa é que haja melhoria na economia do país apenas em 2016. Este ano, conforme Indech, o cenário está bastante deteriorado em relação à produção industrial e ao Produto Interno Bruto (PIB). Na visão dele, o sucesso do IPO da Par é explicado por ser setor promissor. “Os investidores avaliaram que é um negócio interessante”, analisa Indech.

De acordo com Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora, a área de seguros e previdência tem apresentado bom desempenho na bolsa, a exemplo da BB Seguridade, Porto Seguro e SulAmérica. E, desta forma, não poderia ser diferente para a Par Corretora, papel que valorizou. “Há potencial de crescimento à medida que a população tem mais educação financeira. Além do seguro mais tradicional de carro, os brasileiros procuram seguro de vida, de casa e planos para aposentadoria”, afirma Magliano Neto. Sobre a possibilidade de outras aberturas de capital, ele não está confiante. “Acho que continuaremos nesse ritmo de um a dois IPOs por ano. Em 2015, especificamente, o PIB será negativo, deverá cair de 1,5% a 2% e é complicado vender uma empresa para investidores”, avalia.

Segundo Raymundo Magliano Neto, há muitas incertezas. Internamente, persistem dúvidas sobre o andamento do ajuste fiscal, problemas da baixa produtividade brasileira, assim como, riscos relativos ao abastecimento de água e energia e até os desdobramentos das investigações da Operação Lava Jato. No âmbito externo, há preocupações em relação ao possível aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, o que prejudicaria os países emergentes com a alta volatilidade do dólar, atrapalhando projetos. Outro problema é a crise da Grécia e os desdobramentos na Zona do Euro. Soma-se a isso a desaceleração do ritmo de crescimento da economia chinesa que impacta negativamente no preço das commodities como minério de ferro e aço. A instabilidade na Rússia é outro ponto de atenção.

Roberto Faldini, empresário e conselheiro independente de empresas de capital aberto e fechado, destaca que o mercado de capitais não decola no Brasil devido à difícil situação macro, à alta taxa Selic e, também, à ideologia econômica vigente. “O fato do governo proteger determinados segmentos de mercado com incentivos específicos e promover mudanças nas regras do jogo tem sido ruim”, analisa Faldini. Conforme ele, as concessões à iniciativa privada foram alvo de críticas e resistências intrapartidárias por muito tempo, impedindo o ganho de competitividade do país. “Somente agora aposta-se em concessões, com muita dificuldade”, afirma Faldini.

A economia patinando e a desvalorização do real têm contribuído para que as empresas brasileiras fiquem mais baratas, possibilitando que as companhias interessadas em recomprar suas ações, de fato, tomem essa iniciativa. No ano passado, foram contabilizadas pela Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec) 15 operações de fechamento de capital ou assemelhadas – OPAs, aumentos de participação, saída de segmentos de listagem, entre outras. Este ano, duas empresas decidiram pela saída da bolsa. Recentemente, a Diagnósticos da América, Dasa, anunciou que deixará o Novo Mercado, segmento de melhores práticas de governança corporativa da BM&FBovespa. A empresa deverá realizar uma Oferta Pública de Aquisição e o preço das ações será determinado por um laudo a ser elaborado pelo Itaú BBA, escolhido pelos acionistas.

De acordo com Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em todos os mercados do mundo ocorrem OPAs, prática comum. “Quanto ao Brasil, não fico apreensivo com os recentes fechamentos de capital, o que preocupa é não ocorrerem aberturas em número suficiente. Mas o país passa por uma fase de transição. Temos que ficar otimistas que a economia vai estabilizar e voltar”, comenta. Ele afirma que a CVM segue ativa no seu trabalho de atualização e facilitação de procedimentos. “Continuamos aperfeiçoando normas para remover barreiras para que o mercado de capitais seja, cada vez mais, uma ferramenta do desenvolvimento econômico do país”, destaca Leonardo Pereira.

Tratamento não-equitativo
O presidente da Amec, Mauro Cunha, avalia que o mercado não avança por conta de tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários. “Temos uma tese que nos parece comprovada pelos fatos e pela história de que essa situação dramática do mercado se deve a todos os abusos que assistimos contra acionistas minoritários nos últimos anos”, enfatiza. Para Cunha, o quadro difícil da bolsa não se deve ao risco político ou às perspectivas ruins sobre a economia porque esses itens macro afetam tanto compradores quanto vendedores e os ajustes se dariam, de uma forma normal, no preço.

Mas conforme muitos analistas, os diversos aspectos de governança corporativa têm melhorado. “É verdade que ocorreram algumas operações que acabaram ‘depreciando’ os investidores minoritários. Mas nos últimos dez anos, o mercado teve um salto positivo em governança corporativa e tende a continuar evoluindo no seu dia a dia”, comenta Roberto Indech da corretora Rico.

Já Roberto Faldini destaca que os casos de tratamentos não-equitativos entre controladores e minoritários são pontuais e que a CVM está alerta. Por sua vez, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), por exemplo, tem atuado na educação dos conselheiros de administração. Ele considera que houve amadurecimento em termos de transparência e direitos dos minoritários. “Quando ocorrem problemas de desrespeito aos minoritários, a imprensa e os agentes de mercado chamam a atenção. Em uma analogia, quando ocorre um acidente de avião, há grande comoção, mas são milhares de vôos por dia. A aviação é considerada segura”, diz Faldini, que foi presidente da CVM no início da década de 90.

Renda fixa
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou no início de junho os juros básicos da economia de 13,25% para 13,75% ao ano, um novo aumento de 0,50 ponto percentual. Essa foi a sexta elevação seguida da taxa Selic, que chegou ao maior nível desde agosto de 2006, ou seja, em quase nove anos - quando estava em 14,25% ao ano. O Brasil figura entre os países com maiores juros reais do mundo. Os juros reais descontam a inflação projetada para os próximos 12 meses.

Roberto Teixeira da Costa, economista e ex-presidente da CVM, considera que esse é o grande complicador ao desenvolvimento da bolsa. “O maior desafio está ligado à essa questão da taxa de juros pois fica impossível para o mercado de ações oferecer uma rentabilidade que possa concorrer com os títulos de renda fixa lastreados no CDI, sejam títulos públicos ou privados.”

O economista diz que sempre haverá a hipótese de sucesso em outros IPOs, caso ocorram este ano, dependendo dos preços que as empresas estarão dispostas para abrirem mão de parte de seus patrimônios. “Mas definitivamente não vejo esse caso da Par Corretora como uma retomada de novos IPOs”, destaca Teixeira da Costa.

No dia a dia das corretoras, os produtos de renda fixa e a distribuição de fundos passaram a compor parcela significativa das suas receitas. “Há dois anos voltamos a atuar no mercado de renda fixa. Hoje indicamos aos clientes um percentual maior de títulos de renda fixa do que de renda variável. É preciso aproveitar a taxa de juros elevada. A Selic certamente passará de 14% ao ano”, afirma Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora.

Contudo, na atual circunstância, a função dos analistas é mais valorizada. “Entre 2002 e 2008 era fácil ganhar na bolsa, porém, recentemente, investidores que não procuram bons analistas para conduzir estratégias têm grandes chances de perder dinheiro”, ressalta Magliano.

A atuação do BNDES
Em abril, passou a vigorar o aumento de 5,5% para 6% ao ano da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que baliza empréstimos às empresas oferecidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os objetivos da medida aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foram: mostrar que o governo está comprometido com o ajuste fiscal nas contas públicas e diminuir a dependência do BNDES de recursos do Tesouro.

No início de junho, no lançamento do Programa de Investimento em Logística (PIL), a presidente Dilma Rousseff destacou o papel dos bancos públicos para viabilizar os investimentos de longo prazo no país, especialmente, do BNDES. Ela enfatizou, no entanto, a atuação do mercado de capitais e dos bancos privados. “Sempre quando for possível a presença dos mercados de capitais através de debêntures ou dos bancos privados, reduziremos a participação [dos bancos públicos]. Em outros casos, como é o da ferrovia, a participação [dos públicos] geralmente tenderá a ser maior”, enfatizou a presidente.

E o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, acrescentou que a instituição é a única que tem funding e condições de oferecer crédito de longo prazo para atender à demanda dos projetos nessa nova etapa dos programas de investimento do governo. Mas acrescentou que haverá condições diferenciadas para cada tipo de projeto, com um estímulo muito forte à emissão de debêntures. “Sempre que os empreendedores decidirem pela emissão da debênture de infraestrutura, eles receberão um percentual maior de TJLP, que é a moeda, é o crédito mais barato, com taxas mais baixas. Compondo o crédito em TJLP com emissão de debêntures, o custo total do financiamento se reduz em até dois pontos de percentagem, de forma que o que há de novo na proposta é esse forte incentivo à emissão de debêntures e, ao mesmo tempo, uma certa poupança de recursos em TJLP”, detalhou Coutinho.

A tendência, segundo especialistas, é que o BNDES tire o pé do acelerador. “Não tenho dúvidas de que o mercado de capitais será cada vez mais importante, mas até ‘o carro voltar para o meio da estrada’ vai levar tempo. O estrago feito pela política econômica vai demorar para ser corrigido”, afirma Roberto Faldini.

Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora, criticou o fato de o BNDES ter emprestado dinheiro a juros subsidiados para grandes companhias. Foi uma situação que conteve a evolução da bolsa em número de empresas participantes e de investidores. Segundo ele, o foco do banco público deveria ter sido somente as pequenas e médias empresas e na infraestrutura. Ele considerou positiva a iniciativa do governo de estimular a emissão de debêntures para obras de infraestrutura e consequente avanço na competitividade brasileira.


Continua...