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COMITÊ DE AUDITORIA NÃO SUBSTITUI CONSELHO FISCAL  

Muitas companhias ainda não contam com um conselho fiscal. Às vezes há mesmo resistência de empresas de capital aberto – ou de seus controladores – a instalá-los. Algumas vozes questionam a eficácia de sua ação. Os críticos assinalam que a função fiscalizadora típica do conselho fiscal seria desempenhada mais eficientemente por um comitê de auditoria, órgão especializado ligado ao conselho de administração. 

Curiosamente, os debates têm passado ao largo da característica que diferencia, de modo definitivo, o conselho fiscal do comitê de auditoria: a autonomia. O conselho fiscal é um órgão sem relação de subordinação à diretoria ou ao conselho de administração.

Essa distinção é essencial. Basta lembrarmos as circunstâncias, seja no mundo corporativo, seja em situações da vida cotidiana, em que reações a atitudes ou decisões arbitrárias, controversas ou inoportunas são limitadas por motivos de hierarquia ou outras formas de dependência. Em situações extremas, para usar uma preciosa expressão popular, quem pode mais, chora menos.

Os episódios recentes envolvendo conglomerados privados que foram à bancarrota e, mais ainda, empresas de economia mista apenas reforçam a necessidade de instâncias fiscalizadoras independentes e autônomas dentro das companhias.

Não deve ter passado despercebida ao observador atento, em particular, a firme atuação de conselhos fiscais de estatais nas quais acionistas minoritários privados conseguiram mais recentemente eleger conselheiros independentes, alterando – para melhor – a dinâmica desses órgãos e ampliando o escopo e a efetividade de sua ação, mesmo quando a mão pesada do Estado colocava em questão a eficácia de outras instâncias de fiscalização.

O comitê de auditoria tem sem dúvida função muito importante, mas o conselho fiscal – em razão de sua especialização e de sua independência – pode sempre reforçar os controles e trazer maior segurança e tranquilidade aos acionistas. O conselho fiscal é, por assim dizer, um auditor de última instância dos atos da administração – estando a efetividade do exercício desse papel vinculado ao rigor e cuidado dos acionistas na escolha de seus membros.

O conselho fiscal é previsto na lei, que estabelece que o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.

O conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembleia geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou cinco por cento das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembléia geral ordinária após a sua instalação.

Na constituição do conselho fiscal, serão observadas as seguintes normas:

a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, dez por cento ou mais das ações com direito a voto;

b) os demais acionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea "a", mais um.

A importância do conselho fiscal fica ressaltada pelas principais funções que a lei lhe atribui:

I - fiscalizar, POR QUALQUER DE SEUS MEMBROS, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários;

II - opinar sobre as propostas dos órgãos da administração relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão;

III - denunciar, POR QUALQUER DE SUES MEMBROS, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembléia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia;

IV - convocar a assembléia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de um mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembléias as matérias que considerarem necessárias;

V – analisar o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia;

VI - examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar.

O princípio majoritário convive na lei com a previsão de atuação individual dos membros do conselho fiscal, para uma série de temas, o que confere um considerável raio de ação a representantes eleitos por acionistas minoritários.

O comitê de auditoria não substitui o conselho fiscal; antes, o complementa. Se os críticos têm razão em mencionar que em algumas ocasiões no passado os conselhos fiscais falharam em sua função fiscalizadora, isso não se deveu a deficiências imanentes ao órgão, mas à falta de critério e de rigor dos acionistas – principalmente não controladores – na escolha de seus membros. O conselho fiscal não deve ser lugar para amadorismo, nem deve servir de abrigo para amigos ou notáveis que não tenham as qualificações e as competências técnicas necessárias para o exercício do cargo.


Reginaldo Ferreira Alexandre
É presidente da APIMEC - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
www.apimec.com.br


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